Expectativa política

Ana Paula Ribeiro 

06/06/2017

 

 

Dólar avança 1%, mas aposta do mercado na aprovação de reformas controla volatilidade

A partir de hoje, todas as atenções do mercado estarão voltadas para o início do julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que pode decidir sobre a permanência ou não do presidente Michel Temer do cargo. A incerteza sobre a decisão do TSE é ruim para agentes financeiros, que precisam definir estratégias de investimento, mas o mercado está bem menos estressado do que em outros períodos de indefinição política no país. Há volatilidade, mas é limitada. Por trás dessa aparente calmaria está a convicção de analistas e investidores de que as reformas econômicas serão aprovadas, com ou sem Temer, e mesmo até depois das eleições de 2018.

O ativo de maior volatilidade nos últimos dias tem sido o dólar. Isso porque os investidores estrangeiros — atraídos pelas ações na Bolsa, hoje consideradas baratas — buscam proteção reforçando suas posições na moeda americana. O Ibovespa, principal índice acionário da B3 (resultante da fusão entre BM&FBovespa e Cetip), estava próximo aos 70 mil pontos antes de explodir a atual crise política, com a divulgação do conteúdo da delação premiada dos executivos da JBS, em 17 de maio. Com o choque diante do conteúdo das conversas do presidente com o empresário Joesley Batista, no dia 18 o Ibovespa despencou a 62 mil pontos, abrindo boas oportunidades de compra. Desde o início do ano, o saldo dos aportes de estrangeiros no segmento de ações da B3 soma R$ 5,659 bilhões, sendo que só em maio a entrada líquida foi de R$ 2,147 bilhões.

A moeda americana registrou ontem valorização de 1,01%, fechando cotada a R$ 3,288 — na máxima, chegou a R$ 3,296. O Ibovespa ficou perto da estabilidade, encerrando com leA ve recuo de 0,09%, aos 62.450 pontos.

Para o fim do ano, o Boletim Focus, levantamento do BC junto ao mercado, aponta um dólar a R$ 3,30, acima dos R$ 3,25 da semana anterior, na segunda alta consecutiva. Já para 2018 a projeção é R$ 3,40 (R$ 3,37 anteriormente).

EVENTUAL NOVO GOVERNO MANTERIA AGENDA

Os próprios investidores estrangeiros entendem que o Brasil está em um caminho sem volta em relação às reformas estruturais — já que, sem um ajuste na Previdência, o equilíbrio das contas públicas fica comprometido a médio e longo prazos. “A reação dos mercados até agora parece sugerir uma das duas convicções: as reformas ainda serão aprovadas logo, apesar dos recentes eventos políticos, ou serão aprovadas após as eleições de 2018, o que não muda de forma significativa a estratégia atual de ajuste fiscal”, avaliou Tony Volpon, ex-diretor do Banco Central e atual economista do banco suíço UBS, em análise distribuída a clientes.

Mesmo nas projeções do governo, os efeitos da reforma da Previdência apenas apareceriam daqui a alguns anos. Assim, cresce entre analistas e economistas a percepção de que a sua aprovação nos próximos meses, ou entre 2018 e 2019, não muda a trajetória de melhora para a relação entre dívida pública e PIB. Mas, precavidos, eles apostam no Brasil ao mesmo tempo em que se refugiam no dólar. A moeda acumula alta de 4,9% desde meados de maio, início da atual crise política.

— Por isso, o dólar apresenta mais estresse que os outros ativos, e essa volatilidade deve continuar — avalia Bernard Gonin, analista e gestor de renda fixa da Rio Gestão.

percepção de aumento do interesse dos estrangeiros pelo mercado acionário no Brasil é sustentada também por Jan Dehn, estrategista da gestora britânica Ashmore, especializada em mercados emergentes. Para eles, diz Dehn, as reformas podem tardar, mas, no pior cenário, virão no governo a ser eleito em 2018. “Mesmo em um cenário em que Temer — ou seu substituto — falhe na implementação da Reforma da Previdência, nós pensamos que é inevitável que a reforma passará a curto prazo, depois das eleições de 2018, pela simples razão de que sem a reforma o espaço para as despesas fiscais diminui de forma alarmante”, afirmou, em relatório.

O cenário político, no entanto, permanece incerto. Além do início, hoje, do julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE, há o temor de uma delação premiada do ex-assessor especial de Temer, Rodrigo Rocha Loures. Ele foi preso no sábado, depois de perder o foro privilegiado. Temer ainda está sendo investigado no Supremo Tribunal Federal (STF) por crimes de corrupção passiva após delações de executivos do grupo J&F (que controla a JBS), que também atingiram Loures.

— Para o mercado, pode ser mais um sinal de que a votação das reformas será mais difícil, e podemos entrar num período agonizante — ressalta o diretor da corretora Mirae Asset, Pablo Spyer.

Apesar de toda essa incerteza, o desempenho das ações da Petrobras ajudou a sustentar o Ibovespa. As preferenciais (PN, sem direito a voto) fecharam em alta de 0,99%, cotadas a R$ 13,18, e as ordinárias (ON, com direito a voto) avançaram 1,74%, a R$ 13,98.

Já os papéis da Vale tiveram queda de 1,65% (PN) e 1,08% (ON).

 

O globo, n. 30619, 06/06/2017. Economia, p. 17