Antes da tormenta 

Eduardo Bresciani, Eduardo Barretto e Thiago Herdy

19/06/2017

 

 

Na véspera de embarcar para Rússia, Temer se articula para derrubar denúncia de Janot

-BRASÍLIA E SÃO PAULO- O governo espera que a primeira viagem internacional do presidente Michel Temer após a eclosão da crise política deflagrada pela delação da JBS, em uma semana esvaziada no Congresso devido às festas juninas, permita ao Planalto se preparar para a tempestade que deverá se instalar na próxima semana, com a apresentação da denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

Os articuladores políticos foram orientados ao longo do fim de semana, em reuniões no Palácio do Jaburu, a trabalhar para encontrar um relator favorável ao governo na Comissão de Constituição e Justiça ( CCJ), que precisa analisar a admissibilidade da denúncia, antes da votação em plenário. Também atuarão para evitar que a oposição consiga o apoio de 342 deputados para endossar as acusações do procurador-geral e permitir ao Supremo Tribunal Federal (STF) levar o caso adiante.

Para que a estratégia funcione, o governo considera fundamental manter o principal aliado, o PSDB, sob controle. Os tucanos decidem na quarta-feira se anteciparão sua convenção para substituir definitivamente o senador afastado Aécio Neves (MG) no comando da legenda, encontro que pode ampliar o racha no partido.

Amanhã, a 1ª Turma do STF decidirá sobre o pedido de prisão do senador. A tendência é que o pedido seja negado, mas que os ministros mantenham o tucano afastado do mandato.

Além da dura nota na qual chama o dono da JBS, Joesley Batista, de “bandido notório” o presidente Michel Temer passou o fim de semana discutindo com aliados estratégias para minimizar o impacto da entrevista do delator à revista (/Época': na qual ele descreve Temer como 11Chefe" da maior organização criminosa do país. Aliados sustentam que Joesley não apresentou fato novo que permita ao PSDB ou qualquer outro integrante da base desembarcar do governo. O presidente gravou um vídeo ontem, no Palácio do Jaburu, cujo conteúdo deve ser conhecido na tarde de hoje.

— A nossa percepção é que houve um exagero. A entrevista não tem fato novo, só frase de efeito — sustenta um ministro palaciano.

A realização da viagem é um gesto do presidente para tentar demonstrar uma normalidade do governo durante sua maior crise. Temer demorou a confirmar a ida à Rússia e à Noruega, por haver um temor de que a denúncia contra ele fosse apresentada enquanto estivesse fora do país. Temer responde a inquérito por obstrução de justiça, corrupção passiva e organização criminosa. Após a denúncia ser formalizada, a Câmara é que vai decidir se autoriza o STF a prosseguir com a ação.

Na ausência do peemedebista, assumirá o Planalto o aliado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara. Como a semana será esvaziada no Congresso, com a presença dos políticos nas festas juninas, o ministro Antonio Imbassahy (Secretaria de Governo) decidiu acompanhar Temer no périplo na Europa.

Enquanto o presidente estiver fora, o único teste será a continuidade da tramitação da reforma trabalhista no Senado. Há um acordo que prevê a votação nesta semana na Comissão de Assuntos Sociais (CAS). A votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e a decisão em plenário deverão ocorrer apenas depois do retorno do presidente, marcado para a madrugada de sexta para sábado.

Deputados aliados do Planalto disseram que nos próximos dias voltariam a trabalhar para angariar votos a favor da reforma da Previdência, com vistas a “tirar o foco” da pauta da denúncia da PGR. A tarefa não será fácil: antes mesmo da divulgação das delações dos executivos da JBS, que envolvem diretamente Temer e causaram abertura de inquérito no Supremo, o Planalto já não tinha votos para aprovar a emenda constitucional para mudar as aposentadorias. A proposta está pronta para ser votada em plenário há mais de um mês.

A votação das reformas é a justificativa apresentada pelo PSDB para manter o apoio a Temer. O partido está rachado e, na semana passada, optou por permanecer na base aliada. A legenda se divide entre discutir a posição perante o governo e a sua própria situação diante das denúncias de corrupção que envolvem o presidente licenciado, o senador afastado Aécio Neves.

JOESLEY DEVE VOLTAR A DEPOR

Na última sexta-feira, Joesley Batista passou 12 horas prestando depoimento à Polícia Federal no inquérito que investiga o presidente Michel Temer. A oitiva foi centrada nos áudios e na relação do empresário com o presidente. Segundo pessoas próximas ao empresário, ele ainda deverá prestar esclarecimentos sobre outros assuntos, como a relação de suas empresas com Eduardo Cunha e mais detalhes envolvendo os pagamentos ao ex-deputado federal e ex-assessor da Presidência da República, Rodrigo da Rocha Loures. A expectativa é que ele volte a Brasília nesta semana para prestar mais esclarecimentos.

Se os advogados de Temer apresentarem queixa-crime contra Joesley pelo crime de calúnia, em função da entrevista dada por ele à revista “Época”, conforme prometido em nota pelo Planalto, a defesa do empresário tende a apresentar no processo um pedido de exceção da verdade, incidente processual por meio do qual o acusado de crime pretende provar a veracidade do que alegou.

Como a ação dos advogados de Temer deverá ser apresentada apenas nesta semana, os advogados ainda deverão aguardar a intimação para avaliar a necessidade de uso do mecanismo. A exceção da verdade é aplicável em casos de calúnia e em alguns casos de difamação. Ela não pode ser usada em caso de crime de injúria.

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Visita à Europa sem sinais de prestígio

Vivian Oswald e Eliane Oliveira 

19/06/2017

 

 

AGENDA ESVAZIADA Temer recebe poucos convites para encontros com outros chefes de Estado; número de acordos a serem assinados na Rússia caiu pela metade

-MOSCOU E BRASÍLIA- O presidente Michel Temer embarca hoje para uma viagem à Rússia e à Noruega na condição de um dos líderes mais enfraquecidos da história do Brasil em termos de política externa. Temer conta com pouquíssimos convites de viagem para encontros com chefes de Estado que, aparentemente, esperam que os problemas internos se resolvam. Existe o receio de que o investimento em uma relação política com o governo brasileiro seja de curtíssimo prazo.

Com a agenda esvaziada, a expectativa é que os acordos a serem firmados com esses países sejam menos numerosos do que se imaginava. O convite da viagem à Rússia foi feito em fevereiro deste ano. Segundo fontes do governo, o número de acordos que estavam sendo preparados para a assinatura dos dois mandatários durante a visita teria caído pela metade. Temer terá reuniões na Rússia amanhã e na quarta-feira. Ele parte na manhã do dia 22 para Oslo, capital da Noruega.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, também não vive seu melhor momento. A Rússia tem enfrentado os piores protestos deste 2012 e o governo responde com seguidas prisões de manifestantes, em atos contra a corrupção. O líder da oposição Alexei Navalny está preso novamente. Outro ponto negativo é que os russos estão sob sanções do Ocidente desde 2014. Putin é pivô de um grande escândalo de tráfico de influência que põe em perigo a durabilidade do governo do republicano Donald Trump, nos Estados Unidos.

 

SINAIS DE DESPRESTÍGIO AO BRASIL

Também é sinal de desprestígio o fato de diversos líderes, que têm vindo ao longo dos últimos meses à América Latina, nem sequer passarem por Brasília. Um exemplo clássico de comparação com o Brasil é a Argentina. Buenos Aires recebeu, desde o ano passado, os ex-presidentes dos Estados Unidos e da França, Barack Obama e François Hollande; o presidente da Itália, Sergio Mattarella; e a chanceler alemã Angela Merkel.

Amanhã, o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira, que está em Pequim para participar da cúpula do Brics (sigla do bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), embarcará para Moscou. Também na China em reunião com ministros da Agricultura do Brics, Blairo Maggi fará parte da comitiva presidencial. (*Enviada especial)

 

O globo, n. 30632, 19/06/2017. País, p. 3