Dia do Fico consolida purgatório do PSDB

Maria Lima 

19/06/2017

 

 

Com direito a autocríticas duras, partido enfrenta divergências internas sobre a permanência no governo Temer

-BRASÍLIA- Após ter na campanha de 2014 seu melhor resultado eleitoral em uma disputa presidencial desde a chegada do PT ao poder, conseguir em 2015 levar Aécio Neves ao posto de favorito para as eleições de 2018, e obter resultado extraordinário nas eleições municipais em 2016, o PSDB chegou subitamente no meio deste ano ao purgatório, com índices de impopularidade comparáveis aos do PMDB e PT.

Ao analisar as escolhas feitas desde a reeleição da ex-presidente Dilma Rousseff, passando pelo apoio ao impeachment e o embarque no governo de coalizão, lideranças tucanas admitem erros, mas culpam o infortúnio pelo beco sem saída em que se encontram. Em primeiro lugar, fruto do que chamam de “imprudência” de Aécio Neves na relação com o empresário Joesley Batista. Em segundo, pelo fato de o presidente Michel Temer “não cumprir sua parte no acordo” de comprar o programa de reformas tucano.

— Fomos vítimas das circunstâncias... Não se esqueça de nossas vitórias nas eleições municipais — lamenta o secretário-geral do partido, Silvio Torres (SP).

Desde a reunião da Executiva nacional, exatamente há uma semana, quando a maioria decidiu manter o apoio ao governo, o PSDB tornou-se alvo preferencial nas redes sociais. E o surgimento de novas acusações contra o governo, como ocorreu com a detalhada entrevista de Joesley à revista Época, já levou o presidente de honra do partido, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a surpreender os correligionários defendendo a renúncia de Temer e a convocação de eleições diretas para seu sucessor. Em entrevista à BBC Brasil, na última sexta-feira, o prefeito de São Paulo, João Doria, tentou justificar seu apoio à manutenção do suporte ao governo afirmando que a escolha do PSDB foi entre o “ruim” e o “péssimo”.

Os tucanos dizem que Temer jogou fora a oportunidade de reescrever sua biografia “se tivesse segurado seus doidos” e não tivesse se cercado de assessores que hoje são alvos sequenciais de denúncias, alguns inclusive já presos. O presidente interino do PSDB, senador Tasso Jereissati (CE), diz que o PSDB não teve opção. Apesar de estar alinhado com a ala jovem do partido que prega o desembarque e a continuidade do apoio às reformas, Tasso considera que o suporte ao governo de coalizão por um programa de recuperação nacional tornou-se inevitável após o apoio ao impeachment.

— Eleitoralmente, para o PSDB seria melhor deixar Dilma sangrando até o fim. Mas nós não tínhamos opção. Deixar Dilma poderia ser muito ruim para o país, o caos econômico seria infinitamente pior. O impeachment trouxe o PT para o lugar que eles sabem aproveitar bem, a oposição. Os petistas não sabem governar, mas sabem fazer bem oposição — admite o presidente interino do partido.

‘QUEM TEM QUE SAIR É ELE’

A deputada Mara Gabrilli (PSDB-SP), uma das que defendem o desembarque do governo Temer, diz que o presidente mostrou grande capacidade de trabalho e fez muito pela recuperação do país em pouco tempo. Mas hoje, segundo Gabrilli, tinha que ter humildade para admitir que a melhor solução, para todo mundo, seria sua renúncia.

— Quem tem que sair é ele. Resolveria o problema de todo mundo e deixaria o país se reencontrar com a sociedade e com seus apelos por um governo ético. Temer é um cara incrível, mas seu governo está contaminado. Todos têm que ter a humildade de enfiar o rabinho entre as pernas para construir uma nova era na política. Do jeito que está, não tem conserto. E sair do governo não significa se aliar à oposição contra as reformas — defendeu Gabrilli.

O relator da reforma trabalhista no Senado, Ricardo Ferraço (PSDB-ES), diz que o PSDB errou ao não amarrar limites pela participação do partido no governo de Temer. Diz que os tucanos se acomodaram com as “benesses” do poder, e deixaram correr frouxo o descompromisso com a ética e a renovação da política.

— Viramos mais do mesmo. Nós tínhamos um valor agregado e isso virou commoditie, algo sem valor. Houve uma grande frustração da sociedade com o PSDB. A gente foi para esse governo ‘facinho’ demais, não colocamos um divisor do tipo: o presidente Temer pode cometer erros novos, mas não mais do mesmo. Com o tempo, o governo de transição ficou muito parecido com o governo de Dilma, e fomos junto. A vaca foi para o brejo com corda e tudo — diz Ferraço, que como autocrítica defende o imediato afastamento de Aécio Neves, definitivamente, da presidência do partido para reduzir danos à imagem da legenda.

 

O globo, n. 30632, 19/06/2017. País, p. 4