Herman: ‘Como juiz, recuso o papel de coveiro de prova viva’

André de Souza

Carolina Brígido

Eduardo Bresciani

10/06/2017

 

 

Relator condena exclusão de delações e vota pela cassação da chapa

 

O quadro já se desenhava desde quinta-feira, quando quatro ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deram sinais de que absolveriam o presidente Michel Temer. Mas isso não desanimou o relator Herman Benjamin, favorável à cassação da chapa vencedora da eleição presidencial de 2014, que tinha a ex-presidente Dilma Rousseff como titular e Temer como vice. Ao longo dos últimos dois dias, ele listou sete motivos para justificar a condenação e disse que não atuaria como “coveiro de prova viva”. E lembrou: no Brasil, ninguém elege vice-presidente, não sendo possível, portanto, separar as contas de Dilma e Temer.
Herman criticou os colegas que queriam excluir do processo depoimentos de executivos da Odebrecht e dos marqueteiros João Santana e Mônica Moura. Todos eles firmaram acordo de delação premiada no âmbito da Operação Lava-Jato e depois foram ouvidos no TSE.

— Eu, como juiz, recuso o papel de coveiro de prova viva. Posso até participar do velório, mas não carrego o caixão.

Herman também disse que a chapa é única, devendo ser cassados titular e vice. Essa é inclusive a jurisprudência do TSE no caso de governadores e prefeitos. A defesa do presidente vinha pregando a separação das contas, o que poderia levar, por exemplo, à condenação de Dilma e à absolvição de Temer. Isso acabou não sendo analisado, uma vez que houve maioria pela absolvição.

— No Brasil, ninguém elege vice-presidente. No Brasil, elegemos uma chapa que está irmanada, unida para o bem ou para o mal. E os mesmos votos, contaminados ou não, que elegem o presidente da República elegem também o vice-presidente da República. E não há o argumento de que a lei autoriza o candidato a vice-presidente abrir a sua conta, porque, ao final, a prestação de contas é única. E, mais ainda neste caso específico, está comprovado nos autos que as despesas do então candidato a vice-presidente foram pagas, e muitas dessas despesas foram pagas com recursos do caixa comum da campanha presidencial.

Ele destacou que as provas juntadas eram suficientes para a condenação e diziam respeito a fatos já mencionados no pedido original do PSDB, autor da ação.

— Reitero que caixa dois está na petição inicial, Odebrecht está na petição inicial. E, mesmo que esqueçamos os depoimentos da Odebrecht, o material probatório que chegou aos autos por pedido expresso dos requerentes não deixa dúvidas.

O ministro listou sete pontos que caracterizaram abuso político e econômico.

— Mesmo que não tivéssemos nenhum ilícito isolado grave, o que não é o caso, a multiplicidade de ilicitudes menores justifica a cassação segundo a jurisprudência.

Entre os sete itens, ele citou o que chamou de “propina gordura”, ou seja, dinheiro arrecadado em anos anteriores, mas usado na eleição, com origem na Petrobras. Também mencionou o mesmo tipo de propina oriunda da Odebrecht. Falou ainda da compra de apoio político de outros partidos a fim de apoiar a campanha, que teria custado R$ 25 milhões.

— Os R$ 25 milhões distribuídos não são valores compatíveis com a realidade de tais partidos. É muito dinheiro para partido pequenos.

O ministro também listou os pagamentos feitos aos marqueteiros João Santana e Mônica Moura, responsáveis pela publicidade da campanha de Dilma e Temer, pelo estaleiro Keppel Fells, que atuou junto à Sete Brasil, fornecedora da Petrobras. Os recursos desviados da própria Sete Brasil foram outro motivo citado por Herman. Completam a lista de razões para cassação os pagamentos via caixa dois para João Santana e Mônica Moura, e os gastos ilícitos com gráficas contratadas para prestar serviços à campanha.

— Constato que há forte e suficiente lastro probatório acerca de recebimento de valores por via não contabilizada, caixa dois, pelo casal Mônica Moura e João Santana em razão de serviços prestados à coligação em 2014, o que configura grave abuso de poder econômico.

O relator disse ainda que havia a “cultura de propinas” na Odebrecht. Segundo o ministro, não há como contabilizar o montante recebido da empresa pela campanha da chapa Dilma-Temer. Ele enfatizou que foram disponibilizados R$ 150 milhões aos candidatos, mas nem o próprio Marcelo Odebrecht saberia ao certo quanto do dinheiro foi usado. Parte do dinheiro foi transferido para contas no exterior de Mônica Moura e João Santana.

— Marcelo não herdou uma empresa, mas uma cultura de propinas. Marcelo Odebrecht era o administrador de um grande grupo econômico e de um dos maiores e sofisticados esquemas de corrupção do mundo, e não só do Brasil. Quando ele diz que disponibilizou R$ 150 milhões para a campanha de 2014, eu não tenho como chegar a conclusão diferente.

 

“No Brasil, ninguém elege vice-presidente. Elegemos uma chapa irmanada para o bem ou para o mal. E os mesmos votos, contaminados ou não, que elegem o presidente elegem também o vice” Herman Benjamin Relator da ação

 

O globo, n.30623 , 10/06/2017. PAÍS, p.4