A ira de Napoleão

EDUARDO BRESCIANI

ANDRÉ DE SOUZA

CAROLINA BRÍGIDO

10/06/2017

 

 

Revoltado com vinculação de seu nome a investigações, ministro do TSE faz sinal de degola contra seus acusadores

Atensão que permeou o dia final do julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) chegou ao ápice ontem à tarde, quando o ministro Napoleão Nunes Maia Filho fez um desabafo contra a imprensa e as delações premiadas feitas na Operação Lava-Jato. Reclamando do fato de ter sido citado por um delator da JBS e de uma reportagem que afirma haver citação a ele também na colaboração da OAS, ainda em negociação, ele desejou que desabe “a ira do profeta” sobre aqueles que o acusam.

— Eu recebi da diaconia da minha igreja em Fortaleza uma pergunta sobre isso, esse negócio da OAS. Respondi ao pastor, simplesmente assim: “Com a medida com que me medem serão medidos, e sobre ele desabe a ira do profeta”. É uma anátema islâmica. Não vou dizer o que é. Vou fazer um gesto do que é a ira do profeta — disse o ministro, fazendo em seguida o sinal de degola. —É o que eu desejo, que sobre eles desabe a ira do profeta. Sou inocente de tudo isso, estou sendo injustamente, perniciosamente, sorrateiramente e desavergonhadamente prejudicado.

Ele negou a acusação feita a ele no caso da JBS de que teria intercedido junto ao juiz federal Vallisney Oliveira, classificando tal acusação de “mentira deslavada, completa, cínica e sem vergonha”. E destacou ainda ter feito um levantamento em seu gabinete constatando que, no caso da OAS, todas as suas decisões foram contrárias à empresa. Terminou por fazer um ataque contra todas as delações, como já tinha feito antes no julgamento.

— (O delator) disse isso para me incriminar em troca das benesses que recebeu. A delação está servindo para isso. Alguém está sendo influenciado a denunciar alguém em troca das benesses — acusou. — Tem que pôr freio nisso. Está descambando para uma relação que não pode chegar a bom termo.

 

FOTOS DA NETA NO ENVELOPE

Napoleão iniciou seu desabafo reclamando de uma notícia publicada mais cedo em alguns sites sobre seu filho ter sido barrado ao tentar entrar no plenário. Segundo o ministro, ele desejava apenas mostrar fotos de sua neta, que estavam em um envelope. Ele foi barrado por estar vestido de calça jeans e camiseta, enquanto a regra do tribunal exige terno e gravata. Napoleão, então, pediu a uma assessora que orientasse o filho a encontrálo na garagem. O ministro deixou o plenário antes mesmo de a sessão ter sido suspensa para o almoço.

A crítica aos investigadores não foi uma exclusividade de Napoleão. O presidente do TSE, Gilmar Mendes, desferiu também ataques ao Ministério Público e, em determinado momento, fez um questionamento indireto à investigação em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o presidente Michel Temer, destacando o fato de o procedimento ter sido aberto antes que fosse concluída a perícia na gravação feita pelo dono da JBS, Joesley Batista. Foi após o relator, ministro Herman Benjamin, dizer que o colega Luiz Fux havia calculado serem necessárias 14 horas para ler todo seu voto.

— Ele fez um cálculo matemático. Eu não confio muito porque não foi periciado o que ele disse. Mas um cálculo matemático que levaria 14 horas — disse Herman.

— Agora até fita sem perícia vale — interrompeu Gilmar.

— Vejam que ele estava calmo até agora — brincou Herman, numa referência aos constantes embates que travou com Gilmar durante o julgamento.

Logo pela manhã, o relator já tinha se indisposto mais uma vez com o ministro Admar Gonzaga. Herman criticou o colega por este ter dito que seu voto se baseava no relatório, afirmando que ele deveria levar em conta todas as provas. Admar disse que leu todo o processo e criticou o relator, afirmando que ele deu a entender que havia a expressão “caixa dois” entre aspas na peça inicial, o que não consta. Herman pediu que o colega não se prendesse ao assessório.

— Vossa Excelência, com todo o respeito, está querendo se prender ao assessório do assessório. Vamos nos concentrar com toda a transparência, com toda a lealdade, que é característica de nós, com toda a responsabilidade, nos pontos importantes. Se é para retirar os depoimentos de Marcelo Odebrecht e todos os outros relacionados à Odebrecht, que se diga abertamente. Agora, buscar as minúcias das minúcias, não é isso que vai levar alguém a mudar de opinião sobre as provas do processo — finalizou Herman.

“É uma anátema islâmica. Não vou dizer o que é. Vou fazer um gesto do que é a ira do profeta” Napoleão Nunes Maia Ministro do Tribunal Superior Eleitoral, ao fazer sinal de degola, para reclamar de acusações contra ele por delatores

O globo, n.30623 , 10/06/2017. PAÍS, p. 6