PIB FRACO DERRUBA INFLAÇÃO

Daiane Costa 

10/06/2017

 

 

Em 12 meses, IPCA está em 3,6%, menor taxa em dez anos. Em junho, índice deve ficar negativo

Pela primeira vez em 11 anos, o país deve ter deflação em junho. Analistas preveem que a queda de preços será de 0,15%, num reflexo da recessão e da boa safra, que evitou alta nos alimentos. Em maio, o IPCA foi de 0,31%, o menor desde 2007, levando analistas a preverem corte maior nos juros. Pela primeira vez em 11 anos, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deve ficar negativo. Sem cobrança extra nas contas de luz, e com preços da gasolina e dos alimentos caindo, junho deve encerrar com deflação de até 0,15%, segundo projeções de analistas. A taxa de maio, divulgada ontem pelo IBGE, apesar de ter acelerado de 0,14% em abril para 0,31%, veio abaixo das expectativas do mercado, de 0,46%. O índice acumulado em 12 meses desacelerou para 3,6% — a menor taxa nessa comparação em dez anos — enquanto as previsões apontavam para alta de 3,76%.

— Esse processo desinflacionário é todo reflexo da recessão. O desemprego reduz a renda das famílias e contrai a demanda por bens e serviços. Há choque benigno de preços dos alimentos, da energia elétrica e dos combustíveis, devido à queda do preço do petróleo lá fora — analisa Leonardo Costa, economista da Rosenberg Associados, que prevê deflação de 0,15% em junho.

A queda do IPCA faz com que o país fique com um patamar de juro real (descontada a inflação) ainda maior. Atualmente, o juro real do Brasil, considerando a inflação projetada para os próximos 12 meses, está em cerca de 4,5% ao ano e é um dos maiores do mundo. Assim, logo após o IBGE divulgar o resultado do IPCA de maio, o mercado começou a mudar suas apostas para a próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), prevendo corte de juros maior do que o estimado antes.

JUROS PODEM CAIR MAIS, DIZEM ANALISTAS

Na última reunião do Copoom, o corte foi de um ponto percentual, de 11,25% para 10,25%, com o BC citando incertezas políticas e sinalizando que, daqui para frente, as reduções nos juros seriam menores. O mercado ainda vê chance maior de um corte de 0,75 ponto percentual na próxima reunião do Copom, marcada para o fim de julho, mas as apostas em redução ainda menor, de 0,50 ponto percentual, diminuíram, e alguns analistas consideram que o BC pode até manter o ritmo de corte de um ponto percentual — sinalização vigente até a incerteza voltar a pairar sobre a economia após a delação da JBS. Apostam em corte de um ponto os bancos Santander, Goldman Sachs e Daycoval, a corretora XP Investimentos e a consultoria Rosenberg.

— O BC deixou claro em seus últimos comunicados que a decisão de política monetária continua dependente do balanço de risco de inflação e atividade econômica. Então, parece razoável que inflação e atividade surpreendendo para baixo abram espaço para a manutenção do ritmo atual de corte de juros — avalia Tatiana Pinheiro, economista do Santander.

A má notícia é que essa queda forte da inflação mostra que a economia do país ainda está longe de se recuperar.

— É claro que o movimento desinflacionário ainda forte não é indicativo de aquecimento econômico — avalia a economista do Santander.

Em relatório, o Bradesco informou que revisou para baixo ontem as projeções para o PIB deste ano e de 2018. Caíram de 0,3 % e 2,5% para estagnação e 2%, respectivamente.

E a inflação continuará em queda. Itaú, Santander, Fundação Getulio Vargas (FGV), a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais projetam resultados negativos para o IPCA de junho, que oscilam entre queda de 0,7% e 0,12%.

Com a inflação cedendo mais rápido do que o esperado, o mercado também reviu para baixo projeções para a inflação deste ano e de 2018, que agora estão mais próximas de 3,5% e 4%, respectivamente. O BNP Paribas reduziu a sua projeção de 2017 de 4% para 3,5%, e a Rosenberg Associados, de 3,9% para 3,5% e a de 2018 de 4,3% para 4%. O Bradesco passou a projetar alta do IPCA de 3,4% em 2017 e 4% no ano que vem (antes estimava 3,7% e 4,1%, nessa ordem).

— A inflação de 2017 caindo mais do que o esperado fará que os reajustes no ano que vem sejam menores, principalmente nos serviços que são reajustados pela inflação passada como aluguel, mensalidades escolares, tarifas públicas e salários — explica André Braz, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Braz pondera, no entanto, que dificilmente 2018 encerrará com uma taxa tão baixa quanto a de 2017 —que deve ficar abaixo de 4% pela primeira vez em 11 anos — porque a safra recorde que ajudou a reduzir os preços dos alimentos não deve se repetir, e o consumo deve aumentar com a melhora do mercado de trabalho.

Braz explica que as taxas surpreenderam positivamente em maio, porque tanto o impacto do fim do desconto nas contas de energia, aplicado em abril, foi menor do que o esperado quanto o resíduo do aumento dos preços de medicamentos em vigor desde abril. Também ajudou a segurar alta maior os preços das frutas, com queda de 6,55% em maio. No geral, o grupo alimentação, que responde por um quarto das despesas das famílias, também teve deflação, de 0,35%, puxada por queda de 0,56% dos alimentos consumidos em casa:

— Muitos alimentos já estão com deflação em 12 meses: feijão, arroz, hortaliças, legumes e frutas. São todos componentes da cesta básica. Não fosse o desemprego alto, a população estaria sentido mais a queda nos preços. Mas quando não se tem renda, demora-se mais para perceber esse efeito no bolso — afirma o economista do Ibre/FGV.

 

PREÇOS DOS SERVIÇOS CAEM MAIS DEVAGAR

Os serviços tiveram alta de apenas 0,05% no mês de maio e seguem em trajetória de queda em 12 meses, acumulando alta de 5,62%. Ainda é bastante superior à média geral, apesar de o índice vir numa desaceleração desde setembro do ano passado, nessa comparação. Segundo Eulina Nunes, coordenadora de Preços do IBGE, historicamente os preços de serviços são superiores à inflação geral:

— Quando a renda está alta você acaba aceitando alguns preços mais altos para ter a sua manicure preferida, o seu cabeleireiro. E há alguns serviços dos quais você não pode fugir, como plano de saúde e mensalidade escolar. Ainda que estejam acompanhando o movimento de desaceleração da inflação, mesmo com a recessão, esses preços estão resistentes e caindo menos do que a média geral.

Em junho, a inflação menor deve ser fruto principalmente do fim da bandeira vermelha nas contas de luz e retorno da verde, sem cobrança extra, em vigor desde o último dia primeiro. Nas contas dos economistas do Santander e da FGV, esse impacto deve ficar entre 0,23 e 0,24 pontos percentuais a menos no IPCA do mês.

O globo, n.30623 , 10/06/2017. ECONOMIA, p. 21