Valor econômico, v. 17, n. 4239, 20/04/2017. Brasil, p. A3

Calote de Estados e municípios custará R$ 2,9 bi

 

Fabio Graner
 
 

O governo prevê honrar neste ano R$ 2,88 bilhões em dívidas não pagas por Estados e municípios. Esse valor deve saltar para R$ 3,61 bilhões em 2018. Os números constam de anexo de riscos fiscais do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO), enviado ao Congresso na semana passada.

De acordo com o Tesouro, a projeção teve como base o resultado do ano passado. Em 2016, o órgão teve que honrar R$ 2,37 bilhões em calotes de dívidas de entes federativos dos quais era garantidor, conseguindo recuperar R$ 1,91 bilhão por meio de bloqueios nos Fundos de Participação de Estados (FPE) e de Municípios (FPM). Grande parte da inadimplência (93,7%) foi do Rio de Janeiro.

O Tesouro garante R$ 214,85 bilhões em empréstimos de bancos e organismos internacionais para os entes da federação, entre operações internas e recursos tomados no exterior.

"O histórico do saldo devedor das garantias da União demonstra um crescimento de aproximadamente 150% no período entre dezembro de 2011 e dezembro de 2016, saindo de R$ 114,36 bilhões para os atuais R$ 287,20 bilhões. Esse crescimento considerável ocorreu principalmente no quadriênio 2012-2015, quando o montante de garantias concedidas em operações de crédito, seja ela interna como externa, foi expressivo", diz o texto do PLDO.

"Como consequência desse fato, o total de saldo devedor em operações de crédito teve um aumento de aproximadamente 313% somente no quadriênio citado, saltando de R$ 53,94 bilhões para R$ 222,91 bilhões", afirma o texto.

O pagamento de dívidas garantidas pela União representa custo fiscal para o Tesouro, mas não impacta o resultado primário e sim a despesa financeira. Embora não prejudique o cumprimento da meta fiscal, eleva o déficit nominal (que considera todos os gastos do governo, incluindo juros) e, consequentemente, a dívida federal.

Para Estados e municípios, o não pagamento dessas dívidas acaba sendo uma forma de tentar obter uma espécie de capital de giro de curto prazo, permitindo o acerto de outras despesas enquanto o Tesouro não executa a "contragarantia", que é o bloqueio dos repasses do FPE ou do FPM.

O calote, no entanto, não é uma alternativa vantajosa, porque, além de a União rapidamente recuperar os recursos, o ente sofre sanções, como redução da classificação de risco e impossibilidade de fazer novas operações de crédito.

O anexo de riscos fiscais do PLDO também apresenta um cenário de "estresse" - crescimento do PIB de 1,46%, em vez dos 2,5% projetados como cenário-base para o ano que vem. Nessa hipótese, nas contas apresentadas, o governo perderia R$ 20,1 bilhões em receitas primárias em relação ao previsto. Esse cenário também contempla déficit primário de R$ 141,9 bilhões, "valor 10% superior à meta original", que é de R$ 129 bilhões.

"Por fim, o impacto dos parâmetros e do resultado primário estressados resultam em uma relação dívida líquida do setor público sobre PIB de 56%, elevação de quase dois pontos-base. Do ponto de vista da dívida bruta do governo geral, o acréscimo é de 2,2 pontos-base, atingindo 79,1% do PIB ao final do período", diz o documento.

O texto apresenta também os cálculos da chamada "elasticidade" das receitas aos parâmetros macroeconômicos, ou seja, quanto varia a arrecadação do governo à medida que oscilam indicadores como PIB, inflação e outros.

"A maior elasticidade encontrada foi da massa salarial sobre a receita previdenciária. No entanto, o maior efeito sobre as receitas administradas, exceto previdenciária, é de uma variação na atividade econômica medida pela taxa de crescimento real do PIB, que afeta diversos tributos: Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS), Contribuição para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep) e Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza (IR), particularmente IRPJ", diz o texto.

O relatório mostra que para cada ponto porcentual de variação do PIB, a receita administrada varia 0,63% e a previdenciária, 0,13. No caso da massa salarial, a variação de um ponto gera 0,71% de variação na receita previdenciária e de 0,09% na administrada. A inflação tem efeito de 0,60% na receita administrada e de 0,12% na previdenciária, a cada ponto de variação.

O anexo também aponta uma série de riscos possíveis de decisões judiciais que afetariam negativamente a arrecadação do governo e ainda gerariam despesas, como a decisão do STF de retirar o ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins.

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Desoneração à exportação gera perda de R$ 718 bi em dez anos

 

Rodrigo Carro

 

Ao longo de dez anos, prefeituras e governos estaduais deixaram de receber R$ 718 bilhões como consequência de desonerações nas exportações, aponta estudo da Confederação Nacional de Municípios (CNM). O levantamento indica que as desonerações decorrentes de legislações de estímulo às exportações - especialmente a Lei Complementar nº 87, conhecida como Lei Kandir - resultou numa perda de receita estimada em R$ 539 bilhões para os Estados e R$ 179 bilhões para os municípios entre 2006 e 2015.

No período, o país exportou mais de R$ 4,22 trilhões, montante que serviu de base para os cálculos da CMN. O estudo ignora possíveis alterações que as desonerações pudessem causar nas exportações. "A desoneração pode ter incentivado as exportações? Sim, mas isso não é mensurável. Não posso dizer que não houve aumento", reconhece o presidente da confederação, Paulo Ziulkoski. Em vigor desde 1996, a Lei Kandir desonerou do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) exportações de produtos primários e industrializados semielaborados. O objetivo era ampliar a competitividade dos produtos brasileiros no exterior. Como a arrecadação e o poder de legislar sobre o ICMS é responsabilidade dos Estados, há diferentes legislações e alíquotas em todo o país, o que levou a CMN a considerar em seu levantamento uma alíquota média nacional de 17% para o período pesquisado.

Aprovada na esteira de um processo de renegociação das dívidas dos Estados com a União, a Lei Kandir teria seus efeitos sobre a receita de Estados e municípios compensados por um "seguro-receita" que previa repasses automáticos em caso de queda da arrecadação. Posteriormente, em 2004, o governo federal criou um auxílio financeiro, o Auxílio Financeiro para Fomento das Exportações (FEX), que serviria também para complementar as compensações já previstas. A CMN se queixa de que o valor de referência para compensação dos efeitos da Lei Kandir está congelado desde 2009, assim como o repasse anual do FEX.

Apesar das estimativas de perdas bilionárias nas receitas de Estados e municípios, as compensações estão longe de ser unanimidade entre especialistas em finanças públicas. "Não se perde o que não se deveria cobrar, [mais] especificamente tributar as exportações com outro tributo que não seja o federal", argumenta José Roberto Afonso, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). "Cabe, sim, um diferencial específico aos Estados cuja base de cálculo do ICMS fica reduzida quando boa parte de sua produção é destinada ao exterior e não acaba sendo tributada".

"O valor da Lei Complementar nº 87 varia de Estado para Estado, dependendo do quanto foi exportado de bens primários e semi-elaborados. No total, [esses bens] representam em torno de 0,33% da receita total dos municípios", estima François Bremaeker, do Observatório de Informações Municipais. "Pior para os municípios é o que perdem com a saúde, devido aos repasses que são feitos abaixo das suas necessidades."