DELAÇÕES DESCARTADAS

Eduardo Bresciani

Carolina Brígido

André de Souza

09/06/2017

 

 

Maioria dos ministros do TSE se posiciona contra provas e abre caminho para livrar Temer

“A defesa quer excluir a Odebrecht do processo porque a prova é oceânica, a prova é de documentos”

Herman Benjamin

“Não se pode julgar sem atentar para a realidade política. Aqui, nós somos uma Corte. Avestruz é que enfia a cabeça no chão”

Luiz Fux

“É preciso moderar a sanha caçadora, porque você coloca em jogo o valor do mandato, o valor da manifestação popular”

Gilmar Mendes

No terceiro dia do julgamento da chapa de Dilma Rousseff e Michel Temer no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a maioria dos ministros da Corte decidiu descartar as provas mais contundentes que faziam parte do processo — as delações de executivos da Odebrecht e dos marqueteiros João Santana e Mônica Moura — e abriu caminho para uma decisão final favorável ao atual presidente da República.

O relator, Herman Benjamin, votou pela condenação da chapa, mas a indicação, a partir das manifestações de seus colegas, é a de que teria o apoio de apenas mais dois ministros, o que levaria a um placar de 4 a 3 a favor de Temer. O julgamento deve ser concluído hoje, com o encerramento do voto de Herman e os dos outros ministros.

O presidente do TSE, Gilmar Mendes, foi o voto condutor para que as provas da Odebrecht e dos marqueteiros sejam retiradas do processo. Também se manifestaram da mesma forma Napoleão Nunes Maia, Admar Gonzaga e Tarcísio Vieira — esses dois últimos indicados para a Corte pelo próprio Temer. Para esses quatro ministros, os depoimentos não tinham relação com o pedido inicial de cassação. Do outro lado, Herman, Luiz Fux e Rosa Weber defenderam o uso das provas, já que no pedido, feito em 2014, o PSDB tratava do financiamento da campanha vitoriosa com verbas desviadas da Petrobras e chegava a mencionar a Odebrecht.

A questão foi levantada pelas defesas como uma preliminar. Herman argumentou que essa análise se confundia com o mérito e que não podia ser votada separadamente. Mesmo assim, os ministros optaram por se manifestar sobre o tema antes do voto do relator. Ainda que não tenha havido votação formal, as posições foram explicitadas, com a maioria contra o uso das delações.

O relator destacou que a petição inicial citava a Odebrecht como uma das empreiteiras envolvidas no cartel que atuava na Petrobras e que tinha feito contribuições a PT, PMDB e PP. Ele ressaltou que foi o próprio TSE que decidiu, em 2015, por continuar as investigações ouvindo quem tivesse relação com o esquema da Lava-Jato.

— Quem quiser rasgar a decisão do tribunal, o faça sozinho — disse o relator, quando a maioria contra seu posicionamento já estava desenhada.

Em outubro de 2015, quando o tribunal decidiu continuar as investigações por 5 a 2, Gilmar Mendes afirmou em seu voto, a favor do prosseguimento do processo: “Os delatores no processo da Lava-Jato têm confirmado o depoimento de Paulo Roberto da Costa no sentido de que parte do dinheiro ou era utilizada em campanha eleitoral ou para pagamento de propina”.

 

A ONDA CONTRA AS DELAÇÕES

Houve outra decisão anterior do tribunal a favor dos depoimentos. Em abril deste ano, o TSE havia decidido, por unanimidade, ouvir os delatores que foram descartados nesta semana. Quando o processo foi levado ao plenário, um pedido do representante do Ministério Público Eleitoral, Nicolao Dino, para que o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega fosse ouvido na ação abriu a possibilidade para que novas provas fossem anexadas ao processo, com testemunho dos publicitários João Santana e Mônica Moura. Já tinham sido ouvidos naquela época os ex-executivos da Odebrecht. Todos fizeram delação premiada no âmbito da Lava-Jato. Naquela decisão, os sete ministros se posicionaram a favor da audiência de novas testemunhas.

Ontem, Gilmar recomendou que o tribunal valorizasse os mandatos e moderasse a “sanha” de cassar políticos eleitos. O ministro Luiz Fux, porém, pontuou que o tribunal não poderia tomar decisões ignorando a realidade política do país, “como um avestruz”.

O ministro Napoleão argumentou que a ação do PSDB citou depoimento de Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, em que narrou desvios na estatal para financiar o PT, PMDB e PP ocorridos até 2013. Assim, na sua visão, irregularidades na Petrobras para o financiamento da campanha de 2014 estariam de fora da ação, ainda que tenha havido menção na peça inicial a uma tentativa de repatriação de dinheiro do exterior para a campanha.

 

Gilmar ressaltou o depoimento de Marcelo Odebrecht ao TSE no qual o empreiteiro disse que os recursos destinados a título de caixa dois para a campanha eram uma barganha por uma Medida Provisória. Por isso, na visão do presidente do TSE, a acusação não poderia ser considerada por não constar da peça inicial essa informação.

Os ministros Admar Gonzaga e Tarcísio Vieira, por sua vez, ressaltaram o título do item que trata do tema na peça inicial ressaltando que ele fala apenas em “doações oficiais”. Os dois ministros defenderam que não se devia, portanto, avançar para eventuais provas de caixa dois que chegaram depois ao processo. Herman rebateu afirmando que há a expressão “financiamento ilegal” no texto, demonstrando ser importante analisar todos os casos de contribuições à campanha.

— Qual é o resultado que se pretende aqui? Com esta volta pela causa de pedir análise superficial da petição inicial vendo apenas aquilo que interessa, fazendo uma leitura que não confere com o que está nos acórdãos ou nas decisões deste tribunal, inclusive sobre o prosseguimento da ação... A razão é uma só, é arrancar toda a prova relativa a Odebrecht”, disse o relator

Passada a fase preliminar, Herman proferiu voto contundente pela cassação da chapa — mesmo consciente de que a causa já estaria perdida. O relator considerou o financiamento ilegal recebido pela chapa e os gastos ilícitos realizados na campanha. E citou trechos dos depoimentos de executivos da Odebrecht e dos marqueteiros.

— Trata-se de abuso de poder econômico e político de forma continuada — declarou.

O relator disse que não foi possível juntar ao processo todas as provas das ações ligadas à Operação Lava-Jato, por serem muito extensas, mas destacou que os documentos presentes são suficientes para mostrar o esquema de pagamento de propina aos partidos. Ele destacou as provas compartilhadas pelo juiz federal Sergio Moro, responsável pelos processos da Lava-Jato na primeira instância, e os documentos entregues por parte das testemunhas que depuseram no processo.

Herman alegou que a campanha recebeu dinheiro de várias formas (veja no quadro ao lado). Em todos os casos, o relator ponderou que não é possível separar o dinheiro lícito do ilícito.

— Nessa mistura de dinheiro, o ilícito contamina o lícito; e o legal não purifica o ilegal — declarou Herman.

O relator afirmou que o depoimento do ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco foi o que mais o impressionou, pela naturalidade como ele tratou das ilegalidades na companhia.

Herman já apontou três motivos para a cassação: doações de empreiteiras da Lava-Jato a PT e PMDB em anos anteriores — o que chamou de “propina gordura”; pagamentos feitos pelo estaleiro Keppel Fells, fornecedor da Petrobras, para os marqueteiros João Santana e Mônica Moura; e propinas que derivariam de recursos desviados de contratos da Sete Brasil com a Petrobras.

 

OS CAMINHOS DO DINHEIRO ILEGAL

PROPINA DISFARÇADA: O dinheiro era desviado de contratos da Petrobras e repassado pelas empresas a partidos e candidatos por meio de doação oficial declarada à Justiça Eleitoral.

 

INTERMEDIÁRIOS: O candidato beneficiado não se envolve diretamente. Para repassar o dinheiro, firma-se um contrato direto entre a empresa doadora e a prestadora de serviço para a campanha. Muitas vezes os contratos são de fachada, e o dinheiro é entregue depois a partidos e candidatos.

 

CAIXA DOIS: Pagamentos não contabilizados e não declarados aos órgãos de fiscalização por meio de depósitos em contas offshore no exterior ou em dinheiro vivo.

 

CAIXA TRÊS: São doações oficiais em que os recursos saem de uma empresa, mas outra aparece como doadora. Segundo o ministro Herman Benjamin, era uma “espécie de barriga de aluguel”.

 

PROPINA POUPANÇA: Herman Benjamin argumentou que parte das doações para a campanha de 2014 foram feitas antes do ano eleitoral. “Temos a indicação do fenômeno da propina poupança, guardada às vezes num sistema de conta corrente para eleições seguintes”.

 

O globo, n.30622 , 09/06/2017. PAÍS,  p. 3