Valor econômico, v. 17, n. 4239, 20/04/2017. Política, p. A6

Terceirização irrestrita pode ser ampliada na reforma trabalhista

 
Raphael Di Cunto
Fabio Murakawa

 

Menos de um mês após a Câmara aprovar projeto de lei para permitir a terceirização ampla de todos os setores, os deputados voltarão a discutir novamente o assunto, alvo de contestações no mundo jurídico e na Justiça do trabalho sobre a amplitude do texto. O tema está no relatório da reforma trabalhista. O parecer do deputado Rogério Marinho (PSDB-RN) procura deixar explícito na lei que será possível terceirizar tudo, seja atividade fim ou meio, e que o microempreendedor individual (MEI) poderá prestar serviços como terceirizado - principal temor da equipe econômica.

Existe discussão jurídica sobre a legislação atual. Para juízes, advogados e promotores do trabalho a legislação não define claramente a terceirização na atividade-fim, porque só faz referência a esse termo numa outra parte da lei, que fala do trabalho temporário. Mas não diz, na parte que regulamenta a terceirização, que ela está permitida para estes contratos.

"Não há autorização expressa para a terceirização de atividades-fim da empresa tomadora (contratante), tornando possível a interpretação de que continua aplicável o entendimento da jurisprudência no sentido de que, em regra, admite-se a terceirização apenas de serviços de vigilância, de conservação, limpeza e de atividades-meio da empresa tomadora", afirmou, em artigo, o professor universitário Gustavo Filipe Barbosa Garcia, livre-docente pela Universidade de São Paulo (USP).

Outros juristas interpretam que a terceirização da atividade fim está autorizada para "serviços determinados e específicos". O impasse, porém, aumenta a insegurança jurídica dessa norma, o que pode inibir empresários que planejam adotar este modelo em suas companhias.

Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Germano Siqueira afirma que a lei é vaga e, por isso, permite as duas interpretações. "A lei não diz uma coisa nem outra. É muito mal escrita, juridicamente imprecisa", disse. "As empresas achavam que iam terceirizar com base nessa lei, mas isso causará uma enxurrada de ações judiciais."

Marinho incluiu no parecer artigo para dizer que pode se terceirizar tudo, seja atividade meio ou fim. "Na minha opinião, o projeto anterior permitia isso. A lei já resolve. Mas, logo depois da aprovação, juízes e promotores alegaram a inconstitucionalidade, disseram que referendava que não podia a atividade fim, então vamos adequar o caput", disse o tucano.

A lei sancionada pelo presidente Michel Temer também impõe uma restrição que o relator pretende acabar. A lei diz que podem atuar como empresas de terceirização de serviços as pessoas jurídicas de direito privado - o que, juridicamente, o MEI não é. O parecer de Marinho trata genericamente de empresas, o que poderá enquadrar os microempreendedores individuais.

A possibilidade de que o MEI atue como terceirizado é uma das principais preocupações da equipe econômica na recente lei aprovada. Na avaliação deles, isso levará a perda de recursos para a Previdência Social porque o trabalhador celetista recolhe muito mais impostos que o microempreendedor, que tem uma alíquota favorecida, de 5% do salário mínimo (R$ 47 por mês).

"Essa modificação legitima o que, para a Justiça do Trabalho, sempre foi uma fraude", afirma a advogada trabalhista Raquel Rieger, contrária à proposta. Para o advogado Ricardo Meneses, as empresas precisam tomar cuidado mesmo se o projeto do tucano for aprovado. "Se for um trabalho não eventual, com controle de jornada e, principalmente, subordinação, certamente a Justiça do Trabalho reconhecerá o MEI como vínculo empregatício."

Marinho afirma que tentou atacar no texto os dois pontos considerados mais prejudiciais na lei: a pejotização (transformação de contratados pelo regime CLT em pessoas jurídicas) e que o trabalhador terceirizado seja tratado como "subtrabalhador", com menos direitos que os demais. "A inclusão da terceirização é para garantir as salvaguardas", disse.

Como soluções, ele propôs quarentena de 18 meses entre a demissão do funcionário celetista e a possibilidade de que seja contratado como pessoa jurídica. E garantia de que o terceirizado tenha os mesmos direitos a usar refeitórios, ambulatórios, transporte e treinamento dos contratados diretamente.

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Câmara aprova urgência, mas MP tranca pauta

 

Marcelo Ribeiro
Fabio Murakawa

 

Após ser responsável por uma derrota do governo na terça-feira, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) voltou a pautar ontem requerimento de urgência da reforma trabalhista. O desfecho foi bem diferente do dia anterior. O novo pedido para acelerar a tramitação da reforma foi aprovado por 287 deputados, frente a 144 votos contrários e 13 obstruções.

Com a aprovação do regime de urgência, não será possível o pedido de vista, nem será necessário aguardar o prazo para a apresentação de emendas ao projeto na comissão especial que analisa o substitutivo do relator Rogério Marinho (PSDB-RN). O deputado, no entanto, se dispôs a receber emendas de membros da comissão até a próxima segunda. Até a noite de ontem, já havia recebido mais de 200.

O objetivo dele é votar o relatório final na comissão especial na terça-feira e, no plenário, na quarta-feira. Mas a tramitação da Medida Provisória das Concessões está trancando a pauta e deve atrasar a votação da reforma trabalhista.

A sessão foi marcada por reclamações de deputados opositores, que tentaram derrubar a votação sob o argumento de que o requerimento já havia sido derrotado na sessão anterior. Segundo eles, a manobra foi um "golpe", pois não havia amparo regimental para colocar o requerimento em votação novamente.

Na terça-feira, o governo saiu derrotado ao votar um pedido de urgência, que teve apoio de 230 deputados, 27 votos a menos do que os 257 necessários para garantir a aprovação. Na ocasião, Maia atribuiu a derrota a uma desatenção de sua parte, ao encerrar a sessão antes do momento adequado. Quando o fez, 394 deputados tinham votado. As 71 traições de parlamentares da base governista, porém, também podem assumir parte da responsabilidade pelo desfecho negativo para o governo. O PSB liderou o ranking de dissidências, com 19 traições, seguido por PR e Solidariedade (9 dissidências). Ontem, as traições foram 62.

Para evitar uma nova surpresa, Maia esperou que o quórum atingisse 431 votos. Ao deixar o plenário, o presidente da Câmara comemorou o resultado. "A reforma trabalhista e a reforma previdenciária vão gerar mudanças profundas na relação capital trabalho, no reequilíbrio fiscal das contas públicas." Para ele, as reformas, se aprovadas, vão "gerar no curto prazo um crescimento enorme do Brasil".

Mesmo com a vitória, o número de traições preocupa - sobretudo, as dissidências entre parlamentares do PR (15) e do Solidariedade (10). Há o temor de que as traições representem um sinal de que a agenda reformista enfrentará dificuldades para ser votada. Enquanto Júlio Delgado (PSB-MG) classificou as traições como "o aviso prévio de um possível desembarque do governo", Paulinho da Força (SD-SP) afirmou que as dissidências indicam que o governo é "menos poderoso do que imagina" e que "não pode emplacar tudo que propor quando quiser".

O líder do governo na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) minimizou as traições e disse que está se articulando para que as dissidências sejam menos expressivas nas próximas votações.

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Supremo apura vazamento de lista de Fachin

 

Luísa Martins

 

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, decidiu instaurar uma comissão de sindicância para apurar o vazamento da chamada "lista de Fachin", que estava mantida sob segredo de justiça até ser acessada e divulgada pelo jornal O Estado de S. Paulo. A portaria que institui o grupo de trabalho seria publicada ainda ontem.

O objetivo, segundo o documento, é esclarecer as circunstâncias da quebra de sigilo processual e a divulgação antecipada de atos processuais - em princípio, o relator da Operação Lava-Jato no Supremo, ministro Edson Fachin, pretendia anunciar apenas após a Páscoa suas decisões quanto aos pedidos da Procuradoria-Geral da República (PGR).

Para formar a comissão, que terá 30 dias para entregar seu relatório de conclusão, a ministra considerou "a necessidade de esclarecer a revelação ou a facilidade de revelação de dados processuais a que teriam, por lei, de permanecer em sigilo".

Na terça, conforme consta em sua agenda oficial, Fachin se reuniu em seu gabinete com o secretário da área de Tecnologia da Informação, Edmundo Veras Filho, para tratar do assunto. Segundo fontes, uma das hipóteses a ser investigada é a de que houve uma brecha no sistema interno do STF, o que permitiu o acesso a documentos até então confidenciais. "O mais importante é saber se os dados do Supremo estão 100% seguros", disse um auxiliar da Corte.

Fazem parte da comissão o assessor-chefe da Assessoria Processual da Presidência, Rodrigo Abreu de Lima, a secretária de segurança, Regina Alencar da Silva, e o coordenador de Engenharia de Software, Júlio Cesar Gomides de Almeida. De acordo com a portaria, eles vão "apurar os fatos relativos à quebra do sigilo das informações processuais para se adotarem as providências legais cabíveis".

Por meio da assessoria do Supremo, a ministra Cármen Lúcia deu declaração assegurando o andamento dos processos relacionados ao esquema de corrupção da Petrobras: "O Supremo Tribunal Federal julgará os processos da Lava-Jato que são de sua competência independentemente de qualquer percalço ou tentativa de atraso, honrando a responsabilidade jurídica e a importância histórica que a guarda da Constituição lhe confere."