Para Cármen Lúcia, dado vazado por réu não anula prova

Cláudia Trevisan

11/04/2017

 

 

 

Presidente do Supremo diz que divulgação indevida de informações sigilosas não pode ‘criar nulidades’ que beneficiem o investigado

 

 

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, afirmou ontem que o vazamento de informações sigilosas de ações judiciais pode ser realizado pelo próprio investigado, como tentativa para buscar a eventual nulidade de seu julgamento.

“Não se pode tentar, com isso, criar nulidades que vão beneficiar aquele que deu causa à essa situação (o vazamento)”, disse.

Segundo a ministra, é necessário investigar a divulgação indevida de dados, para verificar se ela partiu do Estado ou das partes envolvidas no caso. “É preciso que se apure, para que depois não se diga que foi nos órgãos do Estado, porque às vezes são pessoas de fora”, afirmou Cármen Lúcia durante palestra no Brazil Institute do Wilson Center, em Washington.

A presidente do STF disse que pessoas de fora têm acesso ao processo, como as partes e seus familiares, e podem divulgar o conteúdo dos autos que deveria ser mantido em sigilo.

Recentemente, o ministro do Supremo Gilmar Mendes acusou a Procuradoria-Geral da República de divulgar de forma indevida informações de processos sigilosos, como da Operação Lava Jato, e defendeu a anulação de depoimentos de delação divulgados pela imprensa.

A ministra afirmou que o STF não recebeu, até agora, nenhum questionamento de vazamento em processos sob sua responsabilidade.

Cármen Lúcia deu como exemplo sua própria atuação em relação a acordos de delação que recebeu em dezembro passado. “Nenhum servidor, nenhum jornalista soube nada do que acontecia, e olha que eu fui fotografada, filmada de tarde e de noite.” Em 30 de janeiro, a presidente do Supremo homologou as delações premiadas de 78 executivos e exexecutivos da Odebrecht.

De acordo com a ministra, a regra dos processos é a publicidade e o sigilo só deve ser observado em casos previstos de maneira expressa na lei. “Quando a lei diz que é assim, assim será quando chegar às minhas mãos”, declarou.

 

Reforma política. Em Washington, Cármen Lúcia também criticou o atual sistema político. Ela equiparou a um ato de corrupção a negociação de tempo de TV por pequenas legendas e se disse favorável a uma legislação que estabeleça critérios mais rigorosos para a representatividade dos partidos.

“O brasileiro fica, felizmente, cada vez mais intolerante com qualquer forma de corrupção, e essa é uma delas, a de oferecer o tempo de televisão e os seus espaços como forma de mercancia. Não se faz negócio com o bem público”, disse.

A decisão do STF de declarar inconstitucional a cláusula de barreira aprovada pelo Congresso em 2006 foi correta, avaliou Cármen Lúcia. Segundo ela, a proposta inviabilizava o surgimento de novos partidos e ameaçava a representação de minorias no Parlamento. Para a presidente do STF, é necessário um modelo intermediário, que limite o número de legendas, mas não coloque em risco a representação de setores minoritários da sociedade.

Questionada sobre a possibilidade de concorrer à Presidência da República em 2018, a ministra disse não considerar o assunto.

“Vivo biblicamente. A cada dia sua agonia. A minha hoje são dos processos”, declarou.

 

Instituições. A presidente do STF disse ainda que as instituições democráticas brasileiras estão em “pleno funcionamento”, sem nenhum tipo de interrupção desde a promulgação da Constituição de 1988. E afirmou que a Carta prevê mecanismos de revisão e consulta popular para sua alteração, entre os quais plebiscito e referendo.

Para ela, o descontentamento da população é dirigido menos às instituições e mais a quem as ocupa. “O povo está querendo um Estado que tenha outro Poder Judiciário, outro Legislativo e outro Executivo ou outras pessoas nesses cargos? Se for outras pessoas, a questão não é da Constituição.”

 

Washington. Ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, durante palestra no Wilson Center

 

Apuração

“Não se pode tentar, com isso, criar nulidades que vão beneficiar aquele que deu causa à essa situação (o vazamento).”

 

“É preciso que se apure (vazamentos de dados sigilosos), para que depois não se diga que foi nos órgãos do Estado, porque às vezes são pessoas de fora.”

Cármen Lúcia

PRESIDENTE DO SUPREMO

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Proposta endurece punição para vazamentos

Julia Lindner

11/04/2017

 

 

Emenda de autoria de Romero Jucá prevê pena de 2 a 4 anos de reclusão pela divulgação de dados sob segredo de Justiça

 

 

 

 

O líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), propôs emendas ao projeto que atualiza a lei do abuso de autoridade para endurecer punições em caso de vazamentos de delações.

Pelo texto de Jucá, quem promover, permitir ou facilitar a divulgação de informação sob segredo de Justiça está sujeito a pena de dois a quatro anos de reclusão e multa.

Atualmente, a lei prevê punições administrativas para “qualquer atentado ao sigilo da correspondência”, com reclusão de, no máximo, seis meses.

Em outro artigo da emenda, o senador propõe ainda a punição de autoridades que permitam “retardar ou deixar de instaurar” procedimentos de investigação para a quebra de sigilo.

A pena sugerida é a mesma de quem comete diretamente o vazamento: dois a quatro anos de reclusão e multa.

Em maio do ano passado, gravações telefônicas entre Jucá e o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado foram divulgadas pela imprensa. O vazamento provocou a saída do peemedebista do Ministério do Planejamento.

Nas conversas, que ocorreram em março, antes do impeachment da presidente cassada Dilma Rousseff, Jucá sugere a Machado que uma “mudança” no governo resultaria em um pacto para “estancar a sangria”, interpretada como uma referência à Lava Jato. Os dois são investigados.

“Tal violação de segredos já alcançou proporções epidêmicas, a ponto de o instituto do sigilo de informações ser ridicularizado por completo. Não fosse suficiente tal desmazelo com a manutenção do sigilo, seja o decorrente da lei, seja aquele decretado pelas próprias autoridades (judiciais ou encarregadas das investigações), é evidente a sua total inércia quanto à apuração das responsabilidades pela prática daquelas violações”, diz trecho da proposta de Jucá.

Outra emenda apresentada por Jucá à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) defende que a autoridade policial finalize o procedimento de investigação em 60 dias, se o investigado estiver preso, ou em 180 dias, quando estiver solto – prazo que pode ser prorrogado pelo mesmo período. Após este prazo, o inquérito tem de ser encaminhado ao Ministério Público em até 48 horas. O MP, por sua vez, terá 45 dias para oferecer a denúncia. Caso contrário, a investigação pode ser arquivada.

 

 

O Estado de São Paulo, n. 45101, 11/04/2017. Política, p. A6.