Acusado de receber R$ 10 milhões, ex-ministro é preso 

Jailton de Carvalho 

07/06/2017

 

 

Aliado de Temer, Henrique Alves é investigado por fraudes em estádio da Copa e obras no Porto do Rio

-BRASÍLIA- A Polícia Federal prendeu ontem o expresidente da Câmara dos Deputados e ex-ministro do Turismo Henrique Eduardo Alves, um dos principais aliados do presidente Michel Temer, acusado de receber R$ 10,2 milhões de propina da Odebrecht e a OAS, entre outras empreiteiras, na construção da Arena das Dunas, em Natal, e nas obras do Porto Maravilha, no Rio de Janeiro. Com essa prisão, sobe para quatro o número de aliados e ex-auxiliares de Temer presos a partir da Operação Lava-Jato sob acusação de corrupção. Nesse grupo estão os ex-assessores Rocha Loures, Tadeu Filippelli (já solto) e o ex-deputado Eduardo Cunha.

Ex-presidente da Câmara e um dos mais influentes aliados do presidente, Henrique Alves foi alvo de dois mandados de prisão expedidos pela Justiça Federal de Brasília e do Rio Grande do Norte. Nos dois casos, investigadores entenderam que ele recebeu propina e que deveria ser preso em caráter preventivo. A partir das mesmas investigações, foram expedidos dois mandados de prisão preventiva contra o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que já está detido em Curitiba.

O ex-deputado Cunha é acusado de chefiar um grupo que desviava dinheiro do Fundo de Investimento do FGTS, administrado pela Caixa Econômica Federal, e também de receber suborno relativo às obras da Arena das Dunas, estádio construído só para incluir Natal entre as sedes da Copa de 2014. Com as decisões de ontem, agora são quatro os mandados que mantêm Cunha preso.

Foram expedidos mandados de prisão contra o ex-sindicalista André Luiz de Souza, José Augusto Ferreira dos Santos e Vitor Hugo dos Santos Pinto, suspeitos de envolvimento nas fraudes no FI-FGTS, em cumplicidade com o grupo de Cunha e Alves. O ex-deputado Alves foi preso em seu apartamento, num bairro de classe média alta de Natal. Foi xingado de “ladrão” e “safado” quando saiu do prédio.

A Procuradoria da República em Brasília pediu a prisão de Henrique Alves para impedir que o ex-deputado esvazie contas bancárias supostamente abastecidas com dinheiro de propina, com parte oriunda de obras do Porto Maravilha. O pedido é apoiado em informações fornecidas pelo Ministério Público da Suíça sobre movimentação bancária do ex-ministro até 2015, quando a LavaJato já estava em curso. O juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal, considerou consistentes os argumentos dos procuradores.

“Em liberdade Henrique Alves pode livremente movimentar as contas, colocar em nome de laranjas, apagar ou tentar apagar o produto do que se diz ser crime, usar os valores para fins diversos, em prejuízo do processo penal a que responde ou outras investigações que eventualmente venham a ocorrer", sustenta Vallisney conforme trecho da ordem de prisão obtida pelo GLOBO. Henrique Alves é acusado de se associar a Cunha para receber propina da Carioca Engenharia, uma das empresas responsáveis pelas obras do Porto Maravilha.

Com base em informações da Suíça, o Ministério Público Federal (MPF) acusa Henrique Alves de ser destinatário de pelo menos US$ 827 mil de propina que teria repassada a ele por ordem de Cunha. O dinheiro teria sido depositado na conta Beefield, na Suíça, por Ricardo Pernambuco, um dos donos da Carioca. As obras foram em parte financiadas com recursos do FI-FGTS.

Também participaram das obras a Odebrecht e a OAS. Pelo relato de delatores da Carioca e da Odebrecht, os financiamentos eram condicionados a pagamentos de propinas a Cunha e outras pessoas com influência no Conselho Curador do FGTS. Cunha e Henrique Alves davam sustentação política a conselheiros suspeitos de direcionar investimentos do fundo para obras de interesse das empreiteiras.

COMPRA DE APOIO POLÍTICO

Numa outra frente, a Procuradoria da República em Natal acusa Henrique Alves de receber propina de R$ 7,2 milhões vinculadas as obras da Arena das Dunas. Parte do suborno teria sido pago diretamente para o ex-deputado. Uma outra parte, teria sido camuflada de doações legais e ilegais ao diretório do PMDB do Rio Grande do Norte durante a campanha eleitoral de 2014. Ele teria recebido propina da Odebrecht, da OAS e da Andrade Gutierrez e usado do dinheiro para comprar votos e apoio de partidos políticos à sua candidatura ao governo.

Segundo procuradores do caso, o ex-presidente da Câmara atuou para liberar processos e resolver questionamentos do Tribunal de Contas do Estado e do BNDES sobre construtora OAS na obra da Arena das Dunas. O ex-deputado também é suspeito de obstruir a investigação que apurava irregularidades na construção do estádio. O Tribunal de Contas chegou a solicitar à OAS elementos para análise sobre possível sobrepreço na construção do estádio. Segundo o procurador Rodrigo Telles, a OAS nunca apresentou os dados pedidos:

— O BNDES estava na iminência de suspender o repasse de verbas, e a OAS recorreu a políticos locais, não só Henrique Alves, para que interviessem no Tribunal de Contas.

Os procuradores também citam o senador Agripino Maia (DEM-RN), embora ele não apareça entre os alvos da operação de ontem. Conforme também detalharam os procuradores, mensagens encontradas entre o ex-presidente da OAS Léo Pinheiro e Eduardo Cunha mostram ainda “interferências no Tribunal Regional Eleitoral, Presidência da República, Câmara do Deputados, Senado Federal” à época. Segundo o procurador, “dificilmente um processo envolvendo esse tipo de réu tem alguma eficácia caso permaneça solto”.

— A Operação Manus é um arquétipo clássico da Lava-Jato, onde ocorre a troca de favores entre empreiteiras — disse o procurador Fernando Rocha.

 

O globo, n. 30620, 07/06/2017. País, p. 6