Adeus aos ‘hermanos’

João Sorima Neto

07/06/2017

 

 

JBS vende unidades em países vizinhos por US$ 300 milhões. Para mercado, empresa deve encolher

Com a venda de suas unidades de abate de bovinos na Argentina, Uruguai e Paraguai, por US$ 300 milhões para o frigorífico Minerva, a JBS deu início a um processo de encolhimento. De acordo com analistas ouvidos pelo GLOBO, depois da delação premiada de executivos e controladores da empresa, e do fechamento do acordo de leniência feito pela holding que a controla, a J&F, a expectativa é que a empresa se concentre nos mercados nos quais seus negócios têm escala e maior rentabilidade, que são o Brasil e os Estados Unidos. Ou seja, com a operação a empresa reduz significativamente sua atuação na América do Sul.

— A expectativa dos participantes do mercado é que a empresa encolha, e se concentre nos mercados onde está mais consolidada e tem melhores resultados, que são o brasileiro e o americano. O grupo também deve se concentrar em seu negócio principal, que é o processamento de carne, passando adiante companhias de outros setores — avalia o consultor Osler Desouzart.

Outro analista do setor de pecuária, que preferiu não se identificar, observa que a JBS pode ter de reduzir o tamanho de suas operações em alguns estados brasileiros, desfazendo-se de algumas unidades, em função de penalidades que eventualmente venha a sofrer pelo fato de seus executivos terem admitido, na delação premiada à Procuradoria Geral da República (PGR), o pagamento de propina a políticos e outras autoridades em troca de benefícios tributários. Procurada, a JBS informou que não comentaria a eventual venda de outros ativos. A empresa tem 36 unidades de processamento de bovinos e 32 de aves, segundo informações do site da companhia.

— A trajetória da JBS é de diminuição de seu tamanho para não desaparecer — avalia Rafael Bevilacqua, sócio da Eleven, empresa de análises econômicas e financeiras, acrescentando que diante da gravidade dos fatos em que está envolvida, a abertura de capital que a JBS programava nos EUA tornou-se inviável.

FÉRIAS PARA FUNCIONÁRIOS EM PONTA PORÃ

Pelas nove unidades que a JBS tinha distribuídas entre Argentina, Uruguai e Paraguai, a empresa vai receber US$ 300 milhões (pouco menos de R$ 1 bilhão) da Minerva, segunda maior empresa do setor frigorífico do país. Em relatório, o analista Jose Yordan, do Deutsche Bank, avaliou que o valor do negócio foi justo, consitariam derando que a Minerva pode obter ganhos de até US$ 25 milhões em um ano com a incorporação dos ativos da rival.

Com cerca de 70% da produção destinadas à exportação, as unidades compradas da JBS são estratégicas para a Minerva, observa Alex Santos, analista da consultoria Scot, pois todas têm certificação para vender a produção para mercados considerados premium, como Estados Unidos, Japão e China.

— O negócio é interessante para a Minerva. Com a alta do dólar, a empresa ganha competitividade nas exportações — diz Santos.

Em nota, a JBS informou que a venda de seus ativos está “em linha com a estratégia da companhia em focar nos negócios com maior margem de rentabilidade, o que inclui produtos de alto valor agregado e mercados estratégicos”. Segundo a empresa, o valor obtido com a negociação, que depende ainda da aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), servirá para reduzir seu endividamento financeiro. De acordo com a JBS, nenhum banco foi contratado para intermediar a negociação.

A JBS registrava no fim do mês de março dívida líquida de R$ 47,8 bilhões. Esse valor correspondia a 4,2 vezes o Ebtida (o lucro antes de amortizações, depreciações e pagamento de juros) de 12 meses, uma relação ainda elevada para os padrões do setor, dizem os analistas.

Santos, da Scot, diz que os pecuaristas que fornecem gado à JBS mostram desconfiança em relação ao futuro da empresa. Hoje, a JBS continua comprando gado com pagamento em 30 dias, como antes. A diferença, agora, é que em vez de impor descontos aos pecuaristas, a empresa tem que bancar um ágio sobre o valor de mercado da arroba do boi gordo.

— Geralmente, empresas grandes como a JBS pagavam um pouco menos do que o valor de referência do mercado. Agora, como não se sabe o que será da empresa nos próximos 30 dias, os pecuaristas estão cobrando um pouco acima — diz Santos, lembrando que empresas como Minerva e Marfrig acabam sendo beneficiadas na oferta de carne bovina.

A empresa também está fazendo ajustes em suas linhas de produção. Nesta semana, a JBS concedeu férias de 30 dias para seus funcionários da unidade de Ponta Porã, no Mato Grosso. No mercado, especula-se que o motivo seria a decisão de reduzir o rimo de abates, já que os pecuaristas esmais propensos a vender suas boiadas aos concorrentes Marfrig e Minerva. Procurada, a JBS nega que esteja reduzindo o ritmo de abates em suas unidades, e diz que que as férias na planta de Ponta Porã já estavam programadas, para a realização de ajustes operacionais.

MINERVA: ALTA DE 50% NA CAPACIDADE DE ABATE

Ricardo Carvalho, diretor sênior do grupo de finanças corporativas da Fitch Ratings, entende que, apesar da operação anunciada ontem, a venda de ativos deverá ser prioridade da J&F, que reúne também o outros negócios do grupo. No mercado, os especialistas acreditam que o grupo dará prioridade à venda de empresas que não estejam ligadas ao seu negócio principal, que é o processamento de carne.

— Esse movimento será necessário para fortalecer a liquidez para o grupo tocar o dia a dia da operação, preservando ao máximo seu caixa. O capital de giro necessário é grande. Neste momento há menos disponibilidade de crédito e os juros são mais altos para renovar linhas de financiamento nos bancos diante da situação da empresa — diz Carvalho.

Entre os ativos da J&F, o mais interessante e fácil de vender segundo os analistas é a Alpargatas, dona da marca Havaianas, que a J&F adquiriu da Camargo Corrêa em 2015, por cerca de R$ 2,7 bilhões. Na avaliação de especialistas, a empresa valeria agora cerca de R$ 3 bilhões. Também estão na lista de possíveis vendas a Vigor, de produtos lácteos, e a Eldorado, de celulose.

A questão, segundo analistas, é que diante de um cenário macroeconômico de incertezas e pela própria situação da companhia diante da Justiça brasileira e dos EUA, esses ativos podem ser subavaliados.

— Neste momento, entretanto, a J&F não está pensando em rentabilidade. Ela precisa vender ativos para fazer frente a um problema financeiro causado pela leniência e pelas delações — diz Marcatti.

Sobre a transação com a JBS, a Minerva informou que as aquisições “estão em linha com o plano estratégico da empresa em se tornar a mais diversificada plataforma de produção de carne bovina na América do Sul, como a principal região exportadora”. Com a compra, a Minerva passará a ter unidades em cinco países sul-americanos: Brasil, Uruguai, Paraguai, Colômbia e, agora, Argentina. O frigorífico também aumenta em mais de 50% a sua capacidade de abate.

 

O globo, n. 30620, 07/06/2017. Economia, p. 17