GOVERNO FORTALECE BC PARA DELAÇÃO DE PALOCCI

GABRIELA VALENTE

09/06/2017

 

 

Banco Central terá mais instrumentos para combater irregularidades e poderá fazer acordo de leniência

Em meio ao desgaste da delação da JBS e buscando se preparar para o que pode vir nos relatos do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, o governo editou ontem uma medida provisória (MP) que aumenta os poderes do Banco Central (BC) e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM, o órgão que regula o mercado de capitais). O governo elevou as multas máximas para bancos que cometerem infração de R$ 250 mil para R$ 2 bilhões, como havia antecipado O GLOBO em abril. Mas as mudanças vão além: a MP cria acordo de leniência para instituições financeiras e ainda permite que o BC possa firmar negociações como o Termo de Ajustamento de Conduta, que já é usado pelo Tribunal de Contas da União.

Os últimos detalhes foram acertados, na terça-feira, em reunião entre o presidente Michel Temer e o chefe do BC, Ilan Goldfajn. Foram discutidas, ainda, estratégias para a aprovação da matéria no Congresso Nacional.

A iminência da delação de Palocci também está no radar do BC, que quer proteger o sistema financeiro dos impactos que, teme-se, esta poderá causar nos bancos. A equipe econômica ainda se prepara para fatos novos que podem surgir sobre a relação entre o governo e o banco BTG Pactual, de André Esteves, nos últimos anos.

— Ninguém sabe ao certo o que está por vir. O Banco Central tem de estar preparado para tudo — falou uma alta fonte da equipe econômica.

Apesar das mudanças, as multas só valem para delitos cometidos a partir da edição da MP, ou seja, a partir de ontem. No entanto, dá mais poderes para as autoridades investigarem fatos ocorridos no passado, como os possíveis ganhos obtidos pela JBS no mercado financeiro dias antes da divulgação da gravação feita pelo dono da JBS, Joesley Batista, de sua conversa com o presidente Temer.

 

FISCALIZAÇÃO MAIS ÁGIL

Com a medida, o BC ganha alguns instrumentos para apertar a fiscalização. Passa a dispor do Termo de Compromisso, que representa um canal para a solução de controvérsias, nos mesmos moldes já adotados no exterior. A expectativa é que a fiscalização fique mais ágil. Isso deve acelerar a adoção de medidas corretivas, inclusive a indenização de prejuízos.

Já o acordo de leniência poderá ser celebrado com pessoas físicas ou jurídicas. Ele abre espaço para os colaboradores conseguirem a redução ou até mesmo a extinção da pena.

 

A MP também prevê medidas coercitivas e preventivas, inclusive multa diária de até R$ 100 mil nos casos de não cumprimento das determinações do órgão supervisor. Os parâmetros e a gradação das penalidades serão objeto de regulamentação do BC, a ser divulgada nas próximas semanas.

Em 2010, o Banco Central percebeu que precisava reformular a lei para adequar-se a padrões internacionais. Dois anos depois, deu início às discussões. O projeto, no entanto, só ganhou corpo no ano passado, depois de Ilan assumir o comando do BC.

As novas regras processuais, o termo de compromisso, o acordo de leniência e as medidas coercitivas e acautelatórias passaram a valer a partir de ontem. Com a MP, o BC pode punir não apenas empresas independentes que prestam serviços para instituições financeiras, mas os próprios auditores.

 

RECURSOS IRÃO PARA FUNDO

Na Operação Greenfield, da Polícia Federal, que investigou o tráfico de influência em fundos de pensão, observou-se que muitos auditores haviam dado pareceres considerados temerários pela Justiça. Joesley Batista também foi alvo dessa operação.

O poder do BC também aumentou em relação a quem opõe embaraço à fiscalização. “Antes, só era considerado embaraço à fiscalização a negativa de atendimento às solicitações do BC. Pela MP, essa tipificação foi ampliada, passando a abranger, além da negativa de acesso a documentos e a dados, o descumprimento de prazos, forma e condições estabelecidas pelo BC”, explicou a autarquia.

Além disso, o BC tipificou o que é infração grave. Entre elas, está causar dano à liquidez ou assumir risco incompatível com a estrutura patrimonial de uma instituição financeira. Outra é contribuir para gerar indisciplina no mercado ou afetar a estabilidade do sistema. E, ainda, provocar perda da confiança da população no uso de instrumentos financeiros.

As penalidades poderão ser cumulativas. O BC ainda poderá publicar a decisão de punir as instituições. Pela lei anterior, os detalhes não podiam ser dados.

O governo criou ainda o Fundo de Desenvolvimento do Sistema Financeiro Nacional e Inclusão Financeira. Os recursos eventualmente arrecadados com a celebração de termos de compromisso e em reparação a danos serão usados em projetos e atividades voltadas à manutenção da estabilidade do sistema financeiro.

 

 

ENTENDA AS PRINCIPAIS MUDANÇAS

MULTAS NO BANCO CENTRAL: O governo elevou o valor máximo para as multas a bancos que cometerem infração de R$ 250 mil para R$ 2 bilhões.

MULTAS NA CVM: O montante máximo, que antes era de R$ 500 mil, agora poderá chegar a R$ 500 milhões, ou o dobro do valor da operação irregular, ou até 20% do faturamento da empresa, o que for maior.

MULTA COMINATÓRIA: Éa penalidade aplicada pela CVM em caso de descumprimentos de ordens, como prestação de informações financeiras. Antes, era de R$ 1 mil por dia. Agora será de R$ 100 mil diários.

ACORDO DE LENIÊNCIA: Tanto BC como CVM poderão fazer acordos de leniência com bancos e empresas infratoras, pelos quais os colaboradores gozam de redução das penas. No caso do Banco Central, isso também poderá ser feito com pessoas físicas. Na CVM, ainda falta regulamentação.

TERMO DE AJUSTE: A exemplo do que já ocorre hoje no Tribunal de Contas da União, o BC poderá fazer termos de compromissos com os infratores, um canal para solução de controvérsias que agiliza punições e soluções.

AUDITORES: A partir de agora, o Banco Central poderá punir não apenas auditorias independentes que prestam serviços a instituições financeiras, mas também os auditores. 

O globo, n.30622 , 09/06/2017. ECONOMIA, p. 19