Versões em colisão 
Thiago Herdy e Eduardo Barretto 
08/06/2017
 
 
Planalto admite que Temer viajou no avião da JBS, mas afirma: ele não sabia quem era o dono

-SÃO PAULO E BRASÍLIA- Ao entregar à ProcuradoriaGeral da República (PGR) registros de voos do Learjet PR-JBS usado pelo então vice-presidente Michel Temer para viajar com a mulher a Comandatuba, em janeiro de 2011, o empresário Joesley Batista relatou aos procuradores ter recebido uma ligação do próprio Temer para perguntar sobre o envio de flores à aeronave e agradecer pela gentileza, segundo fontes com acesso às investigações. A versão de Joesley contradiz a nota divulgada ontem pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, que informou que o então “vice-presidente não sabia a quem pertencia a aeronave” usada para viajar ao litoral baiano.

Anteontem, a assessoria havia negado que Temer tivesse viajado à Bahia em aeronave particular, sob a alegação de que só havia registros de voos em aeronaves da Força Aérea Brasileira (FAB). Ontem, mudou de posição e admitiu em nota oficial a viagem, alegando que o então vice-presidente não sabia quem era o dono do jato nem fez pagamentos pelo serviço de transporte.

A viagem de ida a Comandatuba ocorreu no dia 12 de janeiro de 2011, uma quarta-feira, mesma data em que Temer seguiu, na mesma aeronave, para Brasília, onde despachou em seu gabinete do meio da tarde em diante. A viagem de retorno ocorreu em 14 de janeiro, apenas com a família do então vice-presidente. No registro de voos entregue ao Ministério Público consta a anotação “Família sr. Michel Temer”, em viagens dos dois dias.

O governo foi obrigado a se manifestar sobre o caso depois que Joesley contou à PGR que o presidente Temer e Marcela viajaram em jato particular da JBS quando o peemedebista era vice-presidente em 2011, como forma de demonstrar o nível de vínculo e intimidade que tinha com o político do PMDB.

Em relato à PGR, Joesley contou ter enviado flores para enfeitar a aeronave que seria usada pela família Temer no retorno de Comandatuba a São Paulo. O vicepresidente foi informado sobre a gentileza, o que o teria deixado com ciúmes. Segundo Joesley, para evitar o mal estar com o vice-presidente, o comandante da aeronave teria dito que este era um presente da mãe de Joesley, e não do empresário. O vice-presidente teria, então, telefonado ao empresário para dizer que gostaria de agradecer à matriarca da família pela gentileza à família. E, em seguida, ligado à mãe de Joesley, Flora Batista.

Ontem à noite, a assessoria de Temer divulgou nova nota, onde alega não ter havido “telefonema do presidente para ninguém da família sobre flores no avião”. O GLOBO perguntou à assessoria para quem Temer pediu a aeronave particular; por que ele fez esse pedido; a convite de quem viajou; e quem o acompanhara no voo. O Palácio do Planalto não se manifestou.

Ao negociar acordo de colaboração com a PGR, no início do ano, Joesley informou manter um relacionamento estreito com o político do PMDB desde 2010, quando teria sido apresentado a ele por Wagner Rossi, então ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (20102011). Na ocasião, ele teria passado a atender a pedidos de contribuições financeiras e favores do então vice-presidente. Em pronunciamento público recente, Temer buscou se desvincular de qualquer relação de intimidade com Joesley, classificando-o como “conhecido falastrão”.

Mais detalhes sobre a o relacionamento dos dois foram relatados pelo empresário no anexo de número 9 da colaboração, homologada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O empresário disse que depois de trocar telefones com o político, eles teriam passado a “manter relacionamento pautado por interesses comuns”.

INTIMIDADE ENTRE AS PERGUNTAS DA PF

Em 2010, Temer teria solicitado a Joesley o pagamento de R$ 3 milhões em doações em caixa 1 e em caixa 2. “Quando Wagner Rossi deixou de ser ministro da Agricultura, Temer pediu a JB (Joesley Batista) que pagasse a ele (Rossi) mensalinho de R$ 100 mil (...) JB aquiesceu e determinou o pagamento, que foi feito dissimuladamente por cerca de um ano”, registrou a defesa de Joesley em documento que consta do inquérito que investiga Temer. O presidente nega as acusações.

A relação de intimidade entre o presidente e o empresário foi objeto de uma das 82 perguntas encaminhadas pela Polícia Federal a Temer. “Em pronunciamento público acerca do ocorrido, Vossa Excelência mencionou que considerava Joesley Batista um ‘conhecido falastrão.’ Qual o motivo, então, para tê-lo recebido em sua residência, em horário, prima facie (à primeira vista), não usual, em compromisso extraoficial e sem que o empresário tivesse sido devidamente cadastrado quando ingressou às instalações do Palácio do Jaburu?”, perguntaram os investigadores. Por decisão do ministro do STF Edson Fachin, Temer terá até sextafeira para responder às perguntas do questionário.

No último dia 17, o GLOBO revelou que o presidente deu aval para Joesley comprar o silêncio de Eduardo Cunha na cadeia. Temer é investigado no STF por suspeita de corrupção passiva, integrar organização criminosa e obstrução de Justiça. Desde ontem o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) julga se cassa o mandato do peemedebista por abuso de poder econômico e político na eleição de 2014, na chapa com a ex-presidente Dilma Rousseff.

No Planalto, a resposta dada ao episódio do uso do avião, indicando que o presidente não usou a aeronave de Joesley, foi classificada internamente como apressada e equivocada.

 

O globo, n. 30621, 08/06/2017. País, p. 3