A DENÚNCIA CONTRA AÉCIO

Carolina Brígido 

André de Souza

Maria Lima

03/06/2017

 

 

Senador tucano é acusado no STF por corrupção passiva e obstrução de Justiça

Tucano é acusado de receber R$ 2 milhões de propina da JBS e de atrapalhar investigações da Lava-Jato; Janot afirma que ex-deputado Rocha Loures é o ‘verdadeiro longa manus’ de Temer

 

Alvo de oito inquéritos, o senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG) foi denunciado ao STF pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, por corrupção passiva e obstrução de Justiça. Janot ainda pediu a abertura de mais um inquérito contra Aécio, desta vez por lavagem de dinheiro. A denúncia é baseada na delação de Joesley Batista, dono da JBS. O tucano é acusado de receber R$ 2 milhões em propina, divididos em quatro parcelas de R$ 500 mil, e de tentar atrapalhar a Lava-Jato. Também foram denunciados Andrea Neves, irmã do senador, Frederico Pacheco, primo deles, e Mendherson Lima, assessor do senador Zezé Perrella. Apenas Aécio não está preso. Ao reapresentar ao STF pedido de prisão do ex-deputado Rocha Loures, que recebeu da JBS mala com R$ 500 mil, Janot disse que ele é “o verdadeiro longa manus do presidente Michel Temer”.

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, denunciou ontem o senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG) por corrupção passiva e obstrução de Justiça. Ele é acusado de ter recebido propina de R$ 2 milhões do frigorífico JBS e de ter tentado atrapalhar as investigações da Operação Lava-Jato. Caso o Supremo Tribunal Federal (STF) aceite a denúncia — a primeira proposta a partir da delação dos dirigentes da JBS —, Aécio se tornará réu. O tucano já responde a oito inquéritos no STF, mas esse foi o primeiro caso que resultou em denúncia, ou seja, uma acusação formal à Justiça, contra ele. Em nota, a ProcuradoriaGeral da República (PGR) informou que pediu para o STF abrir outro inquérito contra Aécio, para investigar corrupção e lavagem de dinheiro.

Janot também denunciou por corrupção passiva outros três investigados no inquérito: Andrea Neves, irmã do senador; Frederico Pacheco, primo deles; e Mendherson Souza Lima, assessor parlamentar do senador Zezé Perrella (PMDB-MG). Andrea fez o contato inicial com a JBS para pedir propina, enquanto Frederico e Mendherson viabilizaram os repasses, segundo o MPF. Dos quatro denunciados, apenas Aécio não está preso, mas ele foi afastado das atividades parlamentares e proibido de conversar com outros suspeitos.

Janot pediu também que Aécio e Andrea Neves sejam condenados a pagar R$ 6 milhões, dos quais R$ 2 milhões são o valor da propina, e R$ 4 milhões por danos morais, já que houve “lesões à ordem econômica, à administração da Justiça e à administração pública, inclusive à respeitabilidade do parlamento perante a sociedade brasileira”. Além disso, confirmada a condenação, o procurador-geral solicita que seja decretada a perda do cargo de senador.

A denúncia foi feita com base nas investigações da Operação Patmos, desdobramento da Lava-Jato. Uma das provas do inquérito é uma gravação feita pelo dono da JBS, Joesley Batista, sem o conhecimento do senador. Aécio pediu ao empresário dinheiro para pagar um advogado para defendê-lo na Lava-Jato. Segundo Janot, o pagamento foi feito em espécie, em quatro parcelas de R$ 500 mil, entre 5 de abril e 3 de maio, por meio de Frederico e Mendherson.

Parte dos repasses foi filmada pela Polícia Federal (PF), numa ação controlada com autorização do ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no STF. Hoje, o inquérito contra Aécio está com outro ministro: Marco Aurélio Mello. Caberá a ele e aos demais ministros da Primeira Turma — Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux — decidir se a denúncia deve ser aceita.

Janot apontou ainda sete testemunhas e pediu que Marco Aurélio autorize seus depoimentos. Entre elas, estão o diretor-geral da PF, Leandro Daiello, e o deputado Osmar Serraglio (PMDBPR), que foi ministro da Justiça até o último domingo. A PF é subordinada ao Ministério da Justiça. Segundo Janot, um sinal de que houve pressão dos investigados foi a substituição de Serraglio por Torquato Jardim no comando da pasta, o que ocorreu nesta semana, já depois de a Operação Patmos ter sido deflagrada.

“Desde 2016, pelo menos, até maio de 2017, Aécio Neves da Cunha, com vontade livre, consciente e voluntária, tentou impedir e embaraçar as investigações de infrações penais que envolvem a organização criminosa da ‘Operação Lava-Jato’, na medida em que empreendeu esforços para interferir na distribuição dos inquéritos da investigação no Departamento de Polícia Federal, a fim de selecionar delegados de polícia que supostamente poderiam aderir ao impedimento ou ao embaraço à persecução de crimes contra altas autoridades políticas do país”, argumentou Janot, ponderando depois que as tentativas de Aécio foram infrutíferas.

Em outra parte da denúncia, Janot argumentou: “Após a deflagração da ‘Operação Patmos’ em 18/05/2017 e a revelação do envolvimento do próprio presidente da República Michel Temer em supostos atos criminosos, a pressão do senador Aécio Neves e de outros investigados intensificou-se, e Osmar Serraglio foi efetivamente substituído no Ministério da Justiça por Torquato Jardim, conforme anúncio feito na data de 28 de maio de 2017, um domingo, com nomeação efetiva no decreto presidencial publicado no Diário Oficial da União de 31 de maio de 2017”.

Janot apontou outra frente em que Aécio teria tentado atrapalhar na Lava-Jato: projetos de lei em tramitação no Congresso. Segundo o procurador-geral, o senador afastado articulou a anistia do crime de caixa dois, e a aprovação de projeto que trata do abuso de autoridade, como forma de constranger Judiciário e Ministério Público.

“Obviamente, não se quer criminalizar a legítima atividade parlamentar, mas essa sequência de fatos mostra claramente que alguns parlamentares, em especial o ora denunciado, valeuse de seu mandato, outorgado pelo voto popular, não apenas para se proteger das investigações da ‘Operação Lava-Jato’, mas também para barrar o avanço do Estado na descoberta de graves crimes praticados pelas altas autoridades do país, num verdadeiro desvio de finalidade da função parlamentar”, escreveu Janot.

Em nota, a defesa de Aécio negou as acusações: “A defesa do senador Aécio Neves recebe com surpresa a notícia de que foi oferecida denúncia contra ele em relação aos fatos envolvendo o sr. Joesley Batista.

Diversas diligências de fundamental importância não foram realizadas, como a oitiva do senador e a perícia nas gravações. Assim, a defesa lamenta o açodamento no oferecimento da denúncia e aguarda ter acesso ao seu teor para que possa demonstrar a correção da conduta do senador Aécio Neves e de seus familiares”.

 

PARA TUCANOS, “UMA TRAGÉDIA”

No PSDB, a notícia da denúncia foi recebida como “uma tragédia”.

— Não vou falar nada não. Sou amigo de Aécio há 30 anos. É uma tragédia — disse um tucano.

Apesar da gravidade, dirigentes do PSDB descartaram a possibilidade de pedir o afastamento definitivo de Aécio da presidência do partido.

— Não creio que alguém do partido leve essa tese à Executiva nesse momento em que o Aécio passa por tantos problemas — disse o secretário-geral do PSDB, deputado Sílvio Torres (SP).

— Já está dentro do previsto , nada de novo. A denúncia é uma sequência natural do ponto de vista da PGR. O processo do Aécio está cheio de erros jurídicos e agora vamos esperar o julgamento do Marco Aurélio.

Como o ministro Fachin afasta o Aécio do mandato, prende a Andrea e depois diz que não era o ministro da causa e pede a Cármen Lúcia para redistribuir o processo? — questionou o deputado Marcos Pestana (PSDBMG), um dos principais aliados de Aécio.

— Temos outras decisões gravíssimas para tomar no momento e não acho que o partido tenha que se debruçar sobre isso agora. O Aécio já se afastou e não tem mais responsabilidades de direção no PSDB. Não há motivo para ser transformado em objeto de ódio ou raiva. Temos que dar a ele o direito de defesa. Mesmo que fosse réu, não significa que seja culpado. Existem centenas de senadores, governadores, dirigentes partidários denunciados pela PGR, por que o Aécio tem que ser diferente? — disse o ex-governador de São Paulo, Alberto Goldman.

O globo, n.30616 , 03/06/2017. PAÍS, p. 3