Transação sem aval fortalece delação sobre Dilma e petista

Thiago Herdy

03/06/2017

 

 

Joesley afirma que R$ 30 milhões por fatia do Mineirão, pagos sem anuência de bancos, eram propina

 

A compra de ações da atual gestora do estádio Mineirão pelo grupo J&F, de Joesley Batista, não teve a anuência de dois financiadores do empreendimento, BNDES e Itaú, conforme previsto em contrato. A ausência de autorização fortalece a denúncia do empresário Joesley Batista, que diz ter simulado em contrato a compra de ações do estádio para repassar R$ 30 milhões em propina ao governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT). O pagamento, ocorrido no início de 2015, seria uma contrapartida por recursos obtidos no BNDES no governo petista e teria sido autorizado pessoalmente por Dilma Rousseff.

De acordo com Joesley, para receber a propina, Pimentel recorreu a um antigo aliado: o empresário Roberto Giannetti Nelson de Senna, dono da HAP Engenharia, uma das sócias do Mineirão. Em contrato, Joesley e Senna registraram, em 2014, a venda de 3% das ações da HAP no empreendimento. Embora o dinheiro tenha sido transferido à HAP há dois anos, a J&F nunca foi formalizada como sócia da Minas Arena, que é a pessoa jurídica responsável pelo estádio.

Na época, as duas sócias da HAP — as empresas Construcap e Egesa — assinaram termo de renúncia ao direito de preferência para aquisição das ações, bem como a aprovação da transação em assembleia extraordinária da companhia. No entanto os próprios sócios consideravam o valor pago pelas ações acima do estimado pelo mercado, informação que chegou ao BNDES e ao Itaú — financiadores do empreendimento.

O Itaú exigiu, então, que as empresas reconhecessem em carta própria a anuência com a venda, um documento adicional ao registro da assembleia extraordinária. A resposta nunca chegou, o que levou a instituição financeira a deixar de dar aval à venda de ações. O BNDES foi pelo mesmo caminho e também desistiu de concordar com a venda.

O resultado foi desastroso para a intenção de formalizar em contrato o pagamento de R$ 30 milhões: a HAP foi impedida de registrar a venda nos livros de “Registro de Ações Nominativas” e de “Transferência de Ações Nominativas”, como prevê a Lei de Sociedades Anônimas. Com isso, Minas Arena, Construcap e Egesa não reconhecem até hoje a J&F como sócia do Mineirão.

Oficialmente, os bancos não quiseram comentar o caso, bem como a Egesa. Em nota, a Construcap negou ter participado da negociação das ações e informou que “não apoiou a operação de compra e venda”.

A HAP Engenharia reconhece a falta de anuência do Itaú e do BNDES para a transação, mas demonstrou ter esperança de ainda conseguir o documento, apesar da revelação do dono da J&F de que este foi um processo forjado para pagamento de propina. “O processo de conclusão tem várias etapas e pode se alongar. Após a aprovação da venda e registro público na junta comercial o último passo são as anuências dos bancos”, escreveu a empresa, em nota.

Em seu depoimento sobre pagamentos vinculados ao BNDES, Joesley disse ter sido orientado por Dilma Rousseff a procurar Pimentel para atender a um pedido de contribuição de R$ 30 milhões fora da contabilidade oficial.

“No mesmo dia peguei o avião, fui lá no Pimentel, encontrei com ele no aeroporto, falei pra ele: Pimentel, ó, tá tudo certo (...) Ele ainda me fez o comentário interessante: ‘a presidente me ligou dizendo que você tava vindo aqui’”, relatou Joesley em depoimento gravado pela ProcuradoriaGeral da República (PGR).

Segundo Joesley, foi quando Pimentel lhe apresentou Roberto Senna. A HAP confirmou o encontro de Joesley com o executivo. “Os empresários se conheceram em um evento social com a presença de várias pessoas públicas, entre elas, o governador do estado (de Minas)”, informou a empresa, segundo a qual Joesley se apresentou como alguém interessado em participar de Parcerias Público-Privadas (PPPs), o que o teria levado a virar sócio do Mineirão.

A versão de Joesley é diferente:“Ele (Pimentel) me apresentou um sujeito que é o dono de uma construtora, que me vendeu 3% de um estádio, que eu nem sei que estádio que é. Nem time de futebol eu tenho, imagina comprar um estádio”, afirmou no depoimento, entre risadas, sem lembrar-se do nome do estádio.

Os problemas de Pimentel e Senna com a Justiça são antigos. Os dois são réus em processo em que a HAP é acusada pelo Ministério Público de superfaturar a construção de casas populares em R$ 9,1 milhões e desviar recursos para a campanha de Pimentel à prefeitura de Belo Horizonte, em 2004. O processo tramita desde 2009 na Justiça mineira.

Em 2011, reportagem do GLOBO mostrou indícios de que a HAP transferiu R$ 400 mil à empresa de consultoria de Pimentel, a P-21 Consultoria e Projetos, por meio de uma firma intermediária, ligada a assessores de Pimentel.

Mesmo depois de pagar R$ 30 milhões por 3% das ações da Minas Arena, em 2015, a J&F não se preocupou até hoje em garantir a formalização de sua participação para além do contrato assinado entre as partes. O caso deve ser submetido ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), em função da prerrogativa de foro do governador de Minas.

DILMA: “ACUSAÇÕES LEVIANAS”

A HAP nega que o dinheiro recebido da J&F tenha sido repassado a Pimentel. Segundo a empresa, os recursos foram “destinados à operação da construtora, não tendo havido repasse de qualquer parte do montante a político ou partido”. A empresa diz estar à disposição da Justiça para apresentar comprovantes “da destinação dos recursos”.

A ex-presidente Dilma Rousseff negou ter autorizado pagamento de propina a Pimentel e disse, pela assessoria, que as afirmativas de Joesley são “improcedentes e inverídicas”.

Para o atual governador de Minas Gerais, as afirmações do empresário “não têm suporte em provas ou evidências materiais” e se trata de “acusações levianas”.

 

O globo, n.30616 , 03/06/2017. PAÍS, p. 6