Blindagem econômica 
Cristiane Jungblut, Geralda Doca, Martha Beck e João Sorima Neto 
08/06/2017
 
 
Para isolar crise política, Planalto busca acelerar votação das reformas, deixando Meirelles à frente

“Só tem uma forma de descolar a economia da crise: votar. Os presidentes da Câmara e do Senado estão fechados nessa questão”

Beto Mansur

Deputado (PRB-SP)

-BRASÍLIA E SÃO PAULO- Em meio ao caos na política, o Congresso decidiu blindar a economia acelerando a votação de propostas que mostrem ao mercado que o país não está paralisado. O processo é capitaneado pelos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), mas tem a mão do presidente Michel Temer. Embora enfraquecido, ele decidiu lutar até o fim para se manter no cargo.

Com a experiência de quem foi presidente da Câmara por três vezes e conhece bem os parlamentares, em especial o baixo clero, Temer decidiu submergir para não “contaminar” o andamento das medidas, cedendo protagonismo aos aliados e ao ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, na articulação e na comunicação. O presidente também tem feito concessões que permitam a aprovação das propostas e trabalha em um pacote de medidas microeconômicas para serem anunciadas o mais rapidamente possível.

O Palácio do Planalto já atendeu, por exemplo, a exigências dos parlamentares nas regras do novo Refis e na reforma da Previdência, principal base de sustentação do ajuste fiscal e da política econômica. Além disso, liberou parte do Orçamento para emendas parlamentares.

Temer tem recebido diariamente uma dezena de parlamentares e montou um QG com os deputados Beto Mansur (PRB-SP), Darcísio Perondi (PMDB-RS) e Carlos Marun (PMDB-MS). Em troca, conseguiu avanços na reforma trabalhista.

AVANÇO DA REFORMA TRABALHISTA

Ontem, Eunício admitiu a possibilidade de acelerar a tramitação da proposta. Ele não se opôs à eventual aprovação de um requerimento de urgência para que a matéria não passe pela Comissão de Constituição e Justiça. Com isso, o texto seguisse diretamente para o plenário. O presidente do Senado disse fazer questão somente de que a reforma passe pela segunda comissão de mérito, a de Assuntos Sociais (CAS) — na terça-feira, foi aprovada na de Assuntos Econômicos (CAE).

— As reformas não pertencem mais ao governo, é um debate da sociedade, do Congresso. A prova de que a agenda é do Congresso foi que eu que promulguei a MP do FGTS (que autoriza o saque das contas inativas do Fundo de Garantia) — disse Eunício.

Segundo Mansur, os brasileiros não podem esperar um desfecho para a crise política, que pode se arrastar até 2018. Assim, a estratégia é limpar a pauta e votar a reforma trabalhista no plenário do Senado na semana de 22 de junho, sem alterações. Isso sinaliza que tudo o que a Câmara aprovar será endossado pelo Senado e deixa o caminho livre para a reforma da Previdência. Esta, contudo, deve ficar para agosto, depois que passar um pouco a turbulência política.

— Só tem uma forma de descolar a economia da crise: votar. Os presidentes da Câmara e do Senado estão fechados nessa questão — disse Mansur.

Parlamentares da base admitem que o Congresso assumiu um maior protagonismo enquanto Temer está sendo “bombardeado”, mas ressaltam que ele não está isolado e continua longe de ser uma rainha da Inglaterra. Nas últimas duas semanas, o presidente mostrou que ainda tem força no Congresso. Câmara e Senado votaram todas as sete medidas provisórias (MPs) a vencer, entre as quais a do FGTS, em tempo recorde. Além disso, a Câmara aprovou o projeto que legaliza os benefícios fiscais concedidos a empresas pelos governos estaduais, dentro da chamada guerra fiscal.

Meirelles, por sua vez, continua sendo o símbolo da estabilidade na política econômica. O ministro fala constantemente com investidores nacionais e estrangeiros e inaugurou um perfil no Twitter. Em seu primeiro post, ele se apresentou e disse que vai usar o espaço para debater os rumos do país.

Esse protagonismo de Meirelles é bem visto pelo mercado, que se preocupa essencialmente com o andamento das reformas.

— Se a orientação responsável da atual equipe econômica for mantida, o ambiente econômico não se deteriora — afirmou o economista Silvio Campos Neto, da consultoria Tendências.

O único partido da base que ainda provoca algum desconforto ao Planalto é o PSDB. Seus caciques estão oscilando: ora mostram apoio ao governo, ora ameaçam abandonar o barco. Mas Temer está satisfeito com Rodrigo Maia e Eunício, que até lhe fizeram companhia no início da sessão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para julgar a cassação da chapa Dilma-Temer.

— Rodrigo está sendo leal a Temer. Tudo que fizemos aqui, foi ele que viabilizou. Se Temer ficar, ele está bem. Se sair, Rodrigo está bem também — disse um deputado do DEM, lembrando que o presidente da Câmara tem se preocupado em manter a agenda econômica caminhando.

Além do julgamento do TSE, do qual o governo espera sair vitorioso, há a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) decorrente da delação premiada do dono da JBS, Joesley Batista. Mas, também nesse caso, o Planalto acredita que a situação é favorável e pode acabar inclusive ajudando no andamento da pauta econômica. Isso porque toda a base está sendo mobilizada, inclusive os partidos nanicos, para que o presidente consiga os 172 votos necessários para continuar no cargo.

— Há uma má vontade muito grande dos parlamentares com o Ministério Público e a Polícia Federal, e o troco será tocar a agenda para mostrar que eles não estão parando o país — disse um interlocutor do governo, acrescentando que a prisão do deputado Celso Jacob (PMDB-RJ), esta semana, dentro de um avião, foi vista como uma provocação e um exagero.

— Se Temer não tiver nem isso (172 votos), seria melhor renunciar. Ele ainda tem 250 votos de base — disse um aliado.

SARNEY TEM SE ENCONTRADO COM TEMER

Apesar de contar com uma vitória no TSE, Temer e os caciques do PMDB acreditam poder ganhar pelo menos quatro meses com recursos junto à Corte e ao Supremo Tribunal Federal (STF). O presidente também confia em sua permanência pela falta de um substituto. Caso ele seja afastado, haveria uma eleição indireta no Congresso. Os deputados querem um nome da Câmara, como Rodrigo Maia, mas o Senado não escolheria um deputado. Além disso, caberia a Eunício definir as regras em caso de eleição indireta, mais um ponto a favor do grupo que controla o governo, que é o PMDB do ex-presidente José Sarney, que tem se encontrado com Temer e operado nos bastidores.

Na agenda microeconômica, entre as medidas que os aliados do presidente querem tirar do papel para criar uma agenda positiva, estão a correção da tabela do Imposto de Renda das pessoas físicas a partir de 2018, ajustes na área de habitação e estímulos ao programa de concessões. Ainda está nos planos do governo a criação de um aluguel social. As empresas construiriam imóveis para a população de baixa renda, e o governo arcaria com o aluguel por um prazo de 30 anos.

Outra ação, ainda em estudo, na área habitacional envolve o distrato — quando o comprador desiste da compra de um imóvel e quer parte dos recursos de volta. Hoje, há controvérsia em relação aos valores a serem devolvidos. Entidades de defesa do consumidor querem que o critério se baseie no montante já pago, mas as empresas acham que a base de cálculo deve ser o valor do imóvel.

Na área de concessões, a ideia é que o governo federal ajude estados e municípios a modelarem projetos de infraestrutura (mobilidade urbana e iluminação pública, por exemplo). Bancos como Caixa e Banco do Brasil entrariam no financiamento.

O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, porém, teme que o governo decida abrir um “saco de bondades” em ano pré-eleitoral:

— Só que, desta vez, acho difícil a equipe econômica aceitar.

 

O globo, n. 30621, 08/06/2017. Economia, p. 19