CABRAL VIRA RÉU PELA DÉCIMA VEZ NA LAVA-JATO

Miguel Caballero

03/06/2017

 

 

Procuradores acusam ex-governador de 36 atos de lavagem de dinheiro, junto com ex-mulher e irmão

 

A ausência de perspectivas e soluções para a crise financeira e política do Rio só encontra paralelo com o esquema comandado pelo ex-governador Sérgio Cabral no estado: quanto mais os procuradores do Ministério Público Federal (MPF) investigam, mais indícios encontram de novos crimes cometidos. Ontem foi apresentada e aceita pela 7ª Vara Federal Criminal do Rio a nona denúncia contra Cabral no âmbito da Lava-Jato do Rio. Somada ao processo a que ele já responde na 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, o ex-governador já é réu em dez ações criminais relacionadas a delitos enquanto ocupava o posto máximo no estado.

Já haviam sido descobertos indícios e evidências de cobrança de propina e formação de cartel em obras como a reforma do Maracanã, a construção do Arco Metropolitano e ações do PAC das Favelas. Também já veio à tona o esquema de desvio de dinheiro na compra de equipamentos hospitalares na secretaria de Saúde, e a cobrança de propina de fornecedores de alimentos para o estado. Desta vez, na nona denúncia oferecida no Rio, os procuradores acusam Cabral “apenas” de lavagem de dinheiro. Em 36 atos de lavagem, isso no esquema apontado na denúncia acolhida pelo juiz federal Marcelo Bretas.

 

EM CURITIBA, SENTENÇA PRÓXIMA

Além de Cabral, também viraram réus sua exmulher, Susana Neves; seu irmão, Maurício Cabral; Carlos Miranda, apontado como operador do ex-governador; Flávio Werneck, dono da FW Engenharia; e Alberto Conde, contador da empresa. É a primeira vez que Susana Neves e Maurício Cabral se tornam réus em processos da Lava-Jato no Rio. Todos são denunciados por lavagem de dinheiro.

O esquema funcionava desta forma, segundo os procuradores: Flávio Werneck pagou R$ 1,7 milhão em propina ao grupo de Cabral em troca de obter contratos de sua empresa com o governo estadual. Entre 2007 e 2014, os valores de contratos da FW Empreendimentos com o governo cresceram 37 vezes, passando de R$ 8,7 milhões para R$ 323 milhões. Susana Neves, Maurício Cabral e Carlos Miranda são acusados de receber o dinheiro de propina por meio de suas empresas.

Os pagamentos não eram feitos pela FW, mas sim pela Survey Mar e Serviços Ltda., empresa pertencente a Alberto Conde, contador da FW Empreendimentos. Para o MPF, Flávio Werneck era o verdadeiro controlador da Survey.

As investigações descobriram 31 depósitos, entre 2011 e 2013, da Survey à Araras Empreendimentos, de propriedade de Susana Neves, em valores que totalizam R$ 1,2 milhão. A sede da empresa é a própria residência de Suzana, no bairro da Lagoa, e não há nenhum empregado registrado. Os procuradores apontam ainda que, em 2013, a Araras Empreendimentos adquiriu um imóvel em São João del Rey (MG) por R$ 600 mil, valor incompatível com os recursos declarados de Susana Neves. Há a suspeita de que esse imóvel estaria sendo usado para esconder obras de arte e outros objetos de valor retirados de apartamentos e escritórios ligados à família, que foram alvo de mandados de busca e apreensão. Susana Neves nega as acusações.

No caso de Carlos Miranda, os pagamentos da Survey eram feitos à LRG Agropecuária, de propriedade do operador de Sérgio Cabral. O MPF sustenta que os depósitos eram apenas transferência de propina, e não correspondiam à contratação de serviços alegada, argumento acolhido pelo juiz Marcelo Bretas. “Especialmente no ano de 2012, a Survey declarou receita bruta de R$ 15.664,00, enquanto repassou à LRG Agropecuária o montante de R$ 143.850,00 a título de serviços de consultoria. Não restam dúvidas de que as operações financeiras, longe de constituírem pagamentos por serviços prestados, consistiram em artifício para ocultar a origem ilícita dos valores repassados a Carlos Miranda”, escreveu o juiz ao aceitar a denúncia. No total, apenas entre dezembro de 2011 e abril de 2012, a LRG recebeu R$ 193 mil da Survey.

Irmão de Cabral, Maurício é acusado de um ato de lavagem de dinheiro. Sua empresa, a Estalo Comunicação, recebeu da Survey um depósito de R$ 240 mil em 24 de novembro de 2011.

Dos dez processos a que Cabral responde na Justiça, dois deles já estão em fase final e podem ter a sentença em primeira instância proferida em breve. O que corre na 13ª Vara Criminal de Curitiba, conduzido pelo juiz Sergio Moro, já ouviu todas as testemunhas, inclusive o ex-governador, no fim de abril, e está em fase de alegações finais, antes da sentença. No primeiro processo no Rio, originado da Operação Calicute, o juiz Marcelo Bretas terminou na semana passada a fase dos depoimentos das testemunhas, ouvindo por último Sérgio Cabral, no dia 24 de maio.

As defesas de Sérgio Cabral e Carlos Miranda afirmaram que eles vão responder nos autos do processo às acusações do Ministério Público. A FW Empreendimentos não quis comentar as denúncias. Nota divulgada pela defesa de Susana Neves afirma que ela “jamais escondeu obras de arte ou qualquer outro objeto” de valor. Ela também afirma estar à disposição para prestar qualquer esclarecimento necessário à investigação. A defesa de Maurício Cabral não foi encontrada.

 

OS ESQUEMAS

 

NAS OBRAS:

Delatores da Andrade Gutierrez e Carioca Eng. revelaram cobrança de propina por Cabral no Maracanã e em várias outras construções.

NA SAÚDE:

A Operação Fatura Exposta revelou desvios na compra de equipamentos médicos e cobrança de propina.

NA ALIMENTAÇÃO.

A Operação Ratatouille investiga propina por contratos de fornecimento de alimentação e presídios, escolas e hospitais do governo.

EM CURITIBA.

O caso que corre na vara de Sergio Moro apura desvios e propina relativos à obra do Comperj.

 

O globo, n.30616 , 03/06/2017 . PAÍS, p. 8