Valor econômico, v. 17, n. 4239, 20/04/2017. Especial, p. B3

Odebrecht busca liquidez e reconhece caixa 2 em balanços

 

Vanessa Adachi
Graziella Valenti
Ivo Ribeiro

 

Enquanto luta para reconstruir a reputação, ferida de morte pelas revelações da Operação Lava-Jato, o grupo Odebrecht busca, no curto prazo, construir uma ponte para atravessar a falta de dinheiro em caixa e assegurar a sobrevivência.

A empresa espera que uma sequência de acordos a serem fechados nos próximos dias lhe dê fôlego, apurou o Valor.

A primeira, já esperada, é a venda da Odebrecht Ambiental, do setor de saneamento, à canadense Brookfield, por R$ 2,8 bilhões. O fechamento esbarra apenas na anuência da Caixa. As outras duas negociações em curso têm o objetivo prático de evitar que bancos credores do grupo avancem sobre o caixa trazido pelo negócio.

Um desses acordos é com o sindicato de bancos que financiou o Gasoduto Sul Peruano (GSP), que teve o contrato de construção cancelado pelo governo em fevereiro, na esteira da revelação de pagamentos de propinas no país para obtenção do projeto. O outro, com os bancos que forneceram o crédito para a obra da hidrelétrica Chaglla, também no Peru. Em ambos os casos, como o governo do presidente Pedro Pablo Kuczynski cancelou os contratos, os créditos foram declarados vencidos antecipadamente e os bancos passaram a poder exigir o dinheiro da holding, garantidora das operações.

Segundo uma fonte a par das conversas, os bancos concordaram em aguardar a venda dos ativos no Peru para quitar as respectivas dívidas. As cartas de compromisso com os bancos, contudo, ainda não foram assinadas. Para Chaglla, a empresa espera uma oferta firme na semana que vem. O ativo é avaliado em US$ 1,5 bilhão e o grupo espera ficar com US$ 300 milhões.

Em conversa com o Valor, Newton de Souza, presidente executivo da holding do grupo Odebrecht, falou sobre a expectativa a partir da venda da Odebrecht Ambiental. "Com isso, o risco de recuperação judicial deixa de existir", afirmou ele, que substituiu Marcelo Odebrecht, preso há quase dois anos. Souza, há 29 anos no grupo, é executivo da confiança de Emílio Odebrecht.

"Com a Ambiental, esperamos ter fôlego financeiro de um ano e meio a dois, que é o tempo que precisamos para fazer as coisas fluírem", disse ele, na sede da companhia, um moderno edifício com vista privilegiada da cidade de São Paulo. No mercado, a percepção é que o dinheiro traz segurança apenas até o fim deste ano.

Companhia espera que venda da empresa de saneamento trará fôlego financeiro de um ano e meio a dois

No caminho, o grupo deve gastar bilhões com multas e o pagamento de impostos sobre o caixa 2 revelado no acordo de leniência. A expectativa é que a companhia tenha que pagar imposto ao menos sobre os últimos cinco anos.

No total, um gasto de US$ 4 bilhões é considerado uma estimativa razoável, incluídos aí os US$ 2,6 bilhões do já divulgado acordo conjunto entre o Ministério Público Federal (MPF), o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ) e a Suíça. Os desembolsos serão parcelados.

O valor exato do imposto devido ainda não é conhecido e a empresa não se arrisca a estimar. A holding e a construtora deverão recalcular os balanços dos últimos anos para incorporar os ganhos deixados nas offshores que abasteciam a área de operações estruturadas, apurou o Valor. Só entre 2006 a 2014, escoaram R$ 10,7 bilhões pela contabilidade paralela.

Mesmo ainda muito abalados internamente pelos vídeos com as delações de 77 executivos que se tornaram públicos na semana passada, os executivos do grupo não abrem mão de dizer que em alguns anos a pujança de antes estará recuperada. Souza avalia, por exemplo, que dentro de cinco anos, a Odebrecht Engenharia e Construção (OEC), a mais impactada pela Lava-Jato, voltará ao nível "padrão" de geração livre de caixa acima de US$ 600 milhões ao ano. Ele sustenta o mesmo planejamento que foi anunciado há um ano, segundo o qual os pilares do negócio - Braskem e OEC - continuarão firmes.

A holding ODB consolidou, ao fim de 2016, dívida bruta de R$ 93 bilhões, para um caixa de R$ 17 bilhões. Do saldo de recursos, R$ 8 bilhões são de Braskem e R$ 4 bilhões, da construtora.

Luciano Guidolin, vice-presidente de investimento e risco da ODB, acredita que o planejado vem sendo cumprido. "No começo de 2016, o grupo se propôs a fazer uma colaboração definitiva e fez. Se propôs a vender ativos maduros fora do Brasil e aceitou abrir mão da Ambiental. Tudo isso está em curso. O discurso só não resolve. Mas, seguido da prática, sim."

No sistema financeiro, grande credor do grupo, há mais ceticismo. Há dúvidas sobre a capacidade de sobrevivência e estabilidade da construtora, historicamente a maior geradora de liquidez do grupo. A companhia está há dois anos e meio sem acesso a recursos de bancos e investidores, e com linhas de longo prazo do BNDES suspensas para vários projetos. O atraso dos balanços de 2016, previstos para sair até junho, são mais um ingrediente no cenário de restrição a crédito. Sem balanço atualizado, sem dinheiro.

A Odebrecht planejava ter uma folga maior de caixa para quando chegasse o momento da revelação das delações. Em abril de 2016, anunciou um programa de venda de ativos para trazer R$ 12 bilhões ao caixa e ainda cortar R$ 17 bilhões das dívidas, até o começo deste ano. Mas os recursos não se materializaram nesse prazo.

Após o recebimento pela Ambiental, o total arrecadado somará R$ 3,8 bilhões - a venda de Rutas de Lima, uma concessão rodoviária no Peru, rendeu R$ 1 bilhão.

Existia uma expectativa de que os recursos da venda da empresa de saneamento pudesse ser usado para liquidar uma dívida de R$ 4 bilhões negociada pela holding para a reestruturação da Odebrecht Agroindustrial. O pagamento liberaria as ações da Braskem dadas em garantia, avaliadas em R$ 8 bilhões. Mas Souza diz que o dinheiro não seria suficiente para pagar tudo e as ações seguiriam presas. Após idas e vindas com os bancos, pôde ficar com o saldo.

Parte será usada para capitalizar a Odebrecht Realizações Imobiliárias (OR), divisão de construção civil. "E outra parte servirá para reconstruir a Odebrecht Engenharia e Construção, para que ela atravesse o período da crise reputacional", disse o presidente do grupo.

A empresa viu o risco da recuperação judicial se materializar depois que o DoJ revelou em 21 de dezembro que a companhia havia pago propinas em mais de cem projetos no Brasil e mais 11 países.

A revelação atropelou os planos de procurar de forma espontânea e ordenada os governos em busca de acordos de leniência, tirando a situação de seu controle. O grupo teve contratos suspensos em alguns desses países, bloqueando parte da principal fonte de receita da construtora, que se tornou mais dependente da área internacional conforme minguaram os contratos no Brasil devido à Lava-Jato.

Grupo viu o risco de recuperação judicial se materializar quando o DoJ revelou propinas no exterior

Os acordos na América Latina e África são essenciais para proteção da carteira de projetos da OEC, que estava em US$ 17 bilhões no fim do ano. "Há ainda US$ 12 bilhões no 'pipeline'. São projetos que a Odebrecht conquistou, mas para os quais ainda não há um contrato ou um financiamento", disse o presidente do conselho de administração da construtora, Daniel Villar.

O trabalho para os novos acordos fora do Brasil não é simples, disse. Alguns países não têm legislação para leniência da pessoa jurídica ou têm mas nunca usaram. As negociações privilegiam aqueles em que os pagamentos à construtora estão em dia, como República Dominicana, Panamá e Angola.

Os próximos que o grupo espera selar são justamente Panamá e Peru. Na República Dominicana, a questão já foi encerrada, com um compromisso de US$ 184 milhões a serem pagos em oito anos.

A empresa tem procurado assegurar que as potenciais multas nesses países sejam pagas com recursos gerados localmente, o que torna a sobrevivência do negócio necessária e, ao mesmo tempo, evita o consumo imediato de caixa.

Ativamente, a Odebrecht não planeja sair de nenhum país onde atua. Porém, os executivos afirmam que naqueles onde não for possível atuar "de forma correta", a empresa será forçada a sair. Além disso, a avaliação é que há uma concentração em países dependentes de petróleo e que uma diversificação será necessária.

Para que a OEC consiga proteger sua carteira de projetos e acelerar a geração de caixa, o grupo decidiu que antes mesmo de levar a empresa à bolsa, como já anunciou, vai buscar sócios. Os modelos possíveis são os mais variados: pode ser sócio por região, por tipo de projeto ou até mesmo um ou mais acionistas minoritários na empresa. Souza afirmou que a Odebrecht do futuro será uma "arquiteta estratégica" de negócios e não terá necessidade de ter controle das empresas, que poderão ser listadas em bolsa.