Vasos comunicantes

George Vidor 

05/06/2017

 

 

O efeito da boa safra agrícola, que fez a economia brasileira apresentar a primeira variação positiva (1%) de um trimestre para o outro, é semelhante ao de uma pedra jogada no meio do lago. O movimento causado na água vai se espalhando até chegar à margem. Quem acompanha a economia do país com afinco há anos sabe bem que o câmbio estabilizado no patamar adequado acaba proporcionando esse efeito. E a redução das taxas de juros é um acelerador desse processo.

As apostas numa nova variação negativa do Produto Interno Bruto no segundo trimestre são precipitadas. Subestimam o impacto da liberação dos saldos de contas inativas do FGTS sobre o consumo e o investimento. Nesse terreno dos palpites, espera-se que as vendas para o Dia dos Namorados neste mês de junho sejam melhores que as do ano passado. Em abril, a produção da indústria como um todo cresceu (sinal de que os industriais estão trabalhando com um horizonte de incremento nas vendas).

No setor de óleo e gás, que ainda é uma das locomotivas da economia brasileira, os ventos voltaram a soprar a favor. O campo gigante de Libra, na Bacia de Santos, começa a produzir oficialmente em julho. Lideradas pela Petrobras, as empresas que participam do consórcio estão animadas. O uso combinado de novas tecnologias caminha para que o ponto de equilíbrio do investimento em Libra caia para US$ 35 o barril, bem abaixo das cotações atuais do mercado internacional de petróleo. Pedro Parente, presidente da Petrobras, confirma que em 2018 as obras de conclusão da Unidade de Processamento de Gás Natural (UPGN) do Comperj, em Itaboraí, já estarão em andamento. A empresa precisa que a unidade esteja funcionando, no mais tardar, em 2019.

Mesmo com esse ambiente político conturbado, tudo indica que as rodadas de licitação de campos de petróleo serão um sucesso (especialmente o leilão de campos do pré-sal), com o retorno ao país das companhias peso pesado do setor. O desafio agora é resolver a confusão da política, aprovar as reformas no Congresso e continuar com a grande faxina iniciada no processo do mensalão e em seguida com a Operação Lava-Jato.

Foice no escuro

As delações relacionadas ao grupo JBS expuseram mais um problema grave da economia brasileira, que abre largo espaço para a corrupção. Os estados cobram diferentes alíquotas de ICMS sobre produtos que são transportados de uma unidade federativa para outra. No caso da gasolina comum, o Estado do Rio cobra 34%, o Espírito Santo, 27%, São Paulo, 25% e Minas Gerais, 29% (em breve, a alíquota lá subirá para 31%). Se a distribuidora transporta a gasolina de um estado que tem refinaria, e onde é cobrada uma alíquota mais alta, e leva para outro que não tem refino e cobra menos ICMS, a empresa fica com um crédito tributário correspondente à diferença entre as alíquotas. Só no caso do depauperado Estado do Rio, as distribuidoras de combustíveis que se comportam como manda o figurino (sim, porque há outras que sonegam descaradamente), o crédito tributário acumulado este ano passa de R$ 320 milhões apenas nessa atividade. É dinheiro que o Estado tem de devolver ao contribuinte ou descontar de futuros pagamentos. Como, se não tem em caixa recursos para pagar os salários dos servidores em dia?

Pelo que se viu no caso das delações da JBS, a liberação desses créditos muitas vezes fica condicionada ao pagamento de propinas e/ou contribuições para campanhas de políticos envolvidos com os governos estaduais. Quem contribui, tem a liberação acelerada.

Tudo isso é um absurdo, mas o problema maior está nesse festival de alíquotas de ICMS. Dá para imaginar como é o comércio de combustíveis nas regiões próximas às divisas dos estados. Uma enorme confusão. São Paulo, que tem as alíquotas mais baixas do país (25% para gasolina e 12% para o etanol) nada de braçadas nessa história, pois praticamente não tem crédito tributário para liberar. Talvez por isso seja a unidade da federação mais resistente à reforma tributária que tanto se deseja para o ICMS.

Os estados se tornaram muito dependentes da arrecadação de ICMS incidente sobre distribuição de energia elétrica, combustíveis e serviços de telecomunicações. Em várias unidades federativas esses três itens respondem por dois terços da arrecadação de ICMS. Então é quase uma briga de foice no escuro. O racional seria unificar as alíquotas, ou que as diferenças entre elas fossem quase irrelevantes. Mas como conseguir se chegar à racionalidade nesse nosso mundo político tão conturbado?

E ainda há mais um complicador. Estima-se que na região Sudeste e no Paraná o grau de sonegação de impostos com combustíveis seja da ordem de R$ 3 bilhões anuais (chegou a ser de R$ 10 bilhões), porque há empresas que se aproveitam de liminares, brechas ou sonegam mesmo descaradamente. No Rio de Janeiro há um caso escandaloso que merecia uma Operação Lava-Jato específica, tamanha a desfaçatez como o problema é conduzido nas diferentes esferas de poder. Isso em um mercado que encolheu 4% nos últimos doze meses. O Brasil chegou a comercializar 138 bilhões de litros de combustíveis. Agora, anda na casa de 128 bilhões por ano.

 

O globo, n. 30618, 05/06/2017. Economia, p. 14