Valor econômico, v. 17, n. 4243, 27/04/2017. Brasil, p. A3

Receita cai em março, mas fica estável no 1º tri

 

Edna Simão
Cristiane Bonfanti

 

Depois de dois meses consecutivos de alta, a arrecadação federal voltou a cair em março, atingindo o menor patamar para o mês desde 2010. Além do desempenho da arrecadação estar diretamente ligado à lenta recuperação da economia, houve um ingrediente adicional: o pagamento de Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ)/Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) pelos bancos com base na declaração de ajuste caiu 52,9% na comparação com o mesmo período de 2016.

No mês passado, a arrecadação das receitas federais somou R$ 98,99 bilhões, queda real de 1,16% em comparação com março do ano anterior. Segundo o chefe do Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros da Receita Federal, Claudemir Malaquias, o resultado foi diretamente influenciado pelo recuo real de 7,9% da arrecadação de IRPJ/CSLL no período, que somou R$ 14,66 bilhões no mês.

Até o fim de março, as empresas e bancos precisam quitar o pagamento desses tributos referentes ao desempenho no ano anterior. Por exemplo, as empresas que realizam o pagamento com base em estimativa de receita mensal precisam fazer o acerto de contas com a apresentação da declaração de ajuste. Se tiverem pago a menos, quitam a diferença e, se for a mais, ficam com um crédito para compensação. Para Malaquias, no ano passado, houve um movimento atípico com relação à declaração de ajuste.

"No mês a mês, o resultado da arrecadação é influenciado diretamente pelas declarações de ajuste de IRPJ e CSLL, que caíram", afirmou. Somente o pagamento desses impostos por instituições financeiras, com base em declaração de ajuste, caiu praticamente pela metade (52,2%) em março, para R$ 1,4 bilhão.

Apesar dessa ressalva, considerando apenas as receitas administradas, não só houve uma queda real de 1,54% ante igual período do ano passado como também uma aceleração do ritmo de baixa. Em janeiro, o recuo real foi de 0,75% e em fevereiro, de 0,09%.

O fraco desempenho da receita em março levou a arrecadação a ficar estável no trimestre, mesmo com a perspectiva de crescimento da economia brasileira no período. Entre janeiro e março, a arrecadação total de receitas federais somou R$ 328,744 bilhões, o que representa praticamente estabilidade (aumento de 0,08%) em relação ao mesmo período de 2016. O resultado ainda está num patamar positivo graças ao recolhimento IRPJ/CSLL com base na estimativa mensal, que teve um aumento de 15,43% no período.

Segundo Malaquias, o aumento do pagamento de imposto por estimativa mensal no trimestre está relacionado ao desempenho das receitas deste ano e sinaliza que as empresas estão projetando resultados melhores para 2017 do que em 2016. "As empresas estão projetando para 2017 uma arrecadação ou lucro superior ao que elas projetavam em 2016. Se isso é devido a um corte de custos, se é devido a uma pressão de uma demanda que vai chegar, a gente não sabe ainda."

Em 12 meses, a arrecadação acumula queda real de 0,82% na comparação com o período imediatamente anterior. "Apesar de negativo ainda, o resultado é satisfatório, considerando a realidade do ciclo econômico", afirmou Malaquias.

Até meados de 2016, a receita acumulada recuou cerca de 8%, mas o ingresso de mais de R$ 46 bilhões com a repatriação de recursos do exterior em outubro deu um alívio para o governo do lado da receita, que mostrou sinais mais fortes de estabilidade no primeiro trimestre. Para o ano, a estimativa é que a arrecadação de receitas administradas pela Receita registre alta nominal de 4,49%, enquanto a projeção da Fazenda para o IPCA ao fim do ano é de 4,3%.

Os dados da Receita também mostram que as desonerações continuam afetando a arrecadação. Em março, o governo deixou de arrecadar R$ 7,5 bilhões em desonerações tributárias, contra R$ 7,6 bilhões em igual período de 2016. No trimestre, a renúncia foi de R$ 21,106 bilhões, valor menor que os R$ 22,686 bilhões do mesmo período de 2016.

Diante da ausência de resultados dessa política de isenção fiscal e da necessidade de cumprir a meta de déficit fiscal do ano a equipe econômica decidiu "corrigir" a medida adotada pelo governo anterior e anunciou, em março, a reoneração da folha de pagamentos, com exceção de quatro setores.

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Arrecadação reforça a dubiedade sobre ritmo da atividade

 

Fabio Graner

 

A arrecadação do primeiro trimestre é um indicador claro sobre a dubiedade que vive a economia brasileira, intercalando dados positivos e negativos. Os números divulgados ontem pela Receita Federal mostram sinais favoráveis, como a elevação do recolhimento de imposto de renda pessoa jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), mas também dados ruins para tributos atrelados a consumo e trabalho.

No lado positivo, o destaque é o forte crescimento do recolhimento de IRPJ/CSLL por estimativa mensal, que subiu 15,4% de janeiro a março em comparação com igual período de 2016, já descontada a inflação. O movimento, embora mais forte no setor financeiro, está disseminado, com as demais empresas também recolhendo volume maior por esse critério, que deixa um ajuste menor a ser feito com o Fisco no ano seguinte.

Como nesse período notícia boa raramente vem sem um porém, a arrecadação de IRPJ e CSLL nas empresas que recolhem pelo lucro presumido teve queda real de 3,5%. Nesse grupo, o volume arrecadado representa pouco mais de um terço das empresas do lucro real, que recolhem por estimativa mensal.

O chefe do centro de estudos tributários da Receita, Claudemir Malaquias, destacou que a alta da arrecadação por estimativa mensal significa maior confiança das empresas em resultados melhores no ano. Ele ponderou que parte do aumento de lucratividade evidenciado nas receitas pode estar relacionado à redução de custos das empresas maior do que a queda do faturamento, processo que se intensifica nos períodos recessivos.

Já nos impostos atrelados ao consumo, o quadro ainda não sustenta otimismo sobre a atividade econômica. PIS/Cofins, por exemplo, a segunda maior fonte de receita do governo, atrás da arrecadação previdenciária, teve queda real de 4% no primeiro trimestre. A Cide-combustíveis, o Imposto de Importação (afetado pela valorização do real) e o IOF também caíram, mostrando o quando ainda é frágil o dinamismo da economia.

Malaquias lembrou que houve menor número de dias úteis no trimestre, férias escolares e Carnaval em fevereiro, mas o fato é que a comparação é com o mesmo período de 2016, o que mitiga um pouco os elementos sazonais.

A arrecadação previdenciária, que rendeu R$ 93 bilhões aos cofres públicos nos três primeiros meses do ano, caiu 1,36% em termos reais na comparação com primeiro trimestre de 2016. O dado evidencia o quadro ainda desalentador do mercado de trabalho. Mas, reforçando a dubiedade dessa época, a arrecadação de imposto de renda sobre os rendimentos do trabalho cresceu 5% em termos reais no primeiro trimestre.

Os números globais da arrecadação, que vem sendo ajudada significativamente pelos royalties do petróleo, mostraram uma reaceleração da queda em março, com recuo real de 1,16%, revertendo os números positivos de janeiro e fevereiro. Em 12 meses, houve estabilização (ligeira aceleração) no nível de queda, que ficou em 0,82% sobre os 12 meses anteriores, em termos reais.

Independentemente dos reflexos que a arrecadação tem do estado da economia, o mais preocupante é que os dados da Receita ainda circulam no território negativo e, para viabilizar a meta fiscal de déficit de R$ 139 bilhões, precisam mostrar reação mais rápida do que a que ocorreu até agora.