Valor econômico, v. 17, n. 4243, 27/04/2017. Brasil, p. A4

Mercado de trabalho frágil impõe viés de baixa à taxa Selic nos próximos anos

 

José de Castro

 

O mercado de trabalho pode ter uma recuperação muito mais lenta, o que reforça a perspectiva de inflação baixa e eleva a chance da Selic seguir em queda, podendo romper o nível dos 7% nos próximos anos. Essa discussão ganhou força depois de o Banco Central destacar, no último Relatório Trimestral de Inflação (RTI), os riscos de um cenário mais benigno para a inflação por causa de uma retomada mais vagarosa do emprego.

O raciocínio é amparado pela ideia de que a retomada da economia ocorrerá num contexto ainda de baixo nível de ocupação, o que a literatura econômica classifica como "jobless recovery". Nesse cenário, a renda continuaria pressionada, limitando a elevação do poder de compra e, portanto, exercendo importante força desinflacionária.

Esse perfil de retomada é cíclico, mas chama atenção o fato de o Banco Central ter introduzido esse debate no RTI (página 35 do documento). Nele, o BC tenta explicar e prever o comportamento da produtividade do trabalho e do nível de ocupação com base em ciclos econômicos e projeções de mercado para o crescimento da atividade nos próximos anos. O BC analisa o período até o fim de 2018.

A conclusão é que a contribuição da produtividade do trabalho tende a ser superior à da população ocupada para a retomada do crescimento econômico projetado pelo mercado. Mais importante, o BC afirma que esse balanço é positivo para evolução da inflação nos próximos anos e para o processo de desalavancagem das empresas, uma vez que contribui para reduzir a participação da mão de obra no custo total de produção.

Para alguns analistas, foi um a surpresa o BC ter abordado esse debate antes de o mercado de trabalho ter chegado ao fundo do poço, o que só deve ocorrer perto do fim deste ano. "A impressão que ficou foi que o BC chamou atenção para algo que o mercado deveria discutir mais e não está discutindo", dizem Renato Botto e Felipe Fiel, da Absolute Investimentos.

Eles destacam que, no box do RTI, o BC projetou, no cenário central, que a produtividade crescerá 3,5% entre o quarto trimestre de 2016 e o quarto trimestre de 2018, mas ainda estará 3,7% abaixo do pico histórico, atingido no segundo trimestre de 2013. "Pelo menos até 2019 teremos vetores firmes de desinflação, que ainda não entraram na conta do mercado. Quando entrarem podemos ter novas revisões para baixo na Selic."

Atualmente, a mediana das projeções do mercado para a Selic no fim de ano está em 8,5% ao ano entre 2017 e 2021, segundo a Focus. Ou seja, o mercado vê mais cortes ao longo de 2017, mas não nos próximos anos. Uma ideia de cenários alternativos é obtida a partir do piso das estimativas. Para 2017 e 2018, por exemplo, a taxa mínima prevista é de 7,5%. Para 2019, de 7%, caindo a 6,5%, em 2020, e a 6,25%, em 2021. A taxa mínima já alcançada pela Selic foi de 7,25%.

Os cenários de Selic renovando mínimas históricas são baseados em expectativas de inflação bem abaixo da meta. Também pelo Focus, o IPCA mais baixo previsto para este ano é de 2,34% - contra a meta de 4,5%. Para 2018 e 2019, de 3,8%. Na previsão mais otimista, o IPCA para 2020 seria de 3,5%, e de 3% para 2021. A título de comparação, a taxa mais baixa considerando a mediana das projeções é de 4% - e para 2021.

O Itaú Unibanco é uma das instituições que incorporaram às projeções de inflação e Selic a expectativa de lenta retomada do emprego. O banco espera IPCA de 3,8% em 2018 e Selic de 8,25% no fim do próximo ano. Em fevereiro, a instituição publicou atualização de estimativas na qual considerou Selic nominal de 6,75% em 2020.

O economista do banco responsável pela modelagem e elaboração de cenários para a economia brasileira, Felipe Salles, diz que a aprovação das reformas tenderia a reduzir mais a Selic até 2018. Ele admite que uma migração do mercado para projeções de IPCA e juros mais baixos alteraria a base de cálculo do BC para seus modelos, o que abriria espaço para uma Selic mais baixa. "Nosso viés para a Selic é de queda", resume.

A discussão sobre o piso que pode ser atingido pela Selic a partir da fraqueza do mercado de trabalho está diretamente associada ao juro estrutural da economia - aquele que, teoricamente, gera o máximo de crescimento sem inflação. O juro estrutural tem sido bastante abordado pela autoridade monetária em discursos e documentos oficiais. Na semana passada, o presidente do BC, Ilan Goldfajn, voltou a falar sobre essa variável e atrelou a queda dessa taxa a reformas econômicas.

A implementação de ajustes que melhorem a competitividade do mercado de trabalho e corrijam o problema fiscal elevaria o chamado PIB potencial - que mede quanto o país pode crescer sem gerar inflação. A combinação entre PIB potencial maior e nível de emprego ainda tímido desaceleraria o fechamento do hiato do mercado de trabalho. Isso reforçaria o viés desinflacionário derivado da frágil recuperação econômica, o que daria mais conforto ao BC para levar a Selic a níveis menores sem ameaçar a meta de inflação.

O ex-secretário do Tesouro Carlos Kawall dá maior destaque ao aspecto estrutural da queda dos juros nominais, o que seria possível apenas com juros estruturais mais baixos. A relevância do ajuste fiscal e os desafios impostos à agenda reformista do governo levam Kawall a mostrar cautela nos cenários para Selic muito mais baixa. Ele projeta taxa de 8% para este ano e o próximo e inflação ainda acima de 4% à frente.

"É possível que os elementos conjunturais se manifestem de forma mais benigna, mas com apenas isso você poderá ter à frente um choque negativo. E isso exporia novamente as limitações do BC na política monetária", diz Kawall, hoje economista-chefe do Banco Safra.

Tatiana Pinheiro, economista-sênior do Santander, enfatiza o fato de o BC ter associado a continuidade da queda da Selic a desdobramentos benignos no processo de ajuste fiscal. Segundo ela, a aprovação da reforma da Previdência deve ter mais peso nas expectativas do mercado do que o cenário para a atividade, que hoje dá sinais de alguma estabilização. "Um juro mais baixo no futuro não pode depender de recessão", diz a economista, que prevê Selic de 8% entre 2018 e, pelo menos, 2020.