Valor econômico, v. 17, n. 4243, 27/04/2017. Política, p. A6

Em sessão tensa, Câmara aprova mudanças na CLT

 
Fabio Murakawa
Marcelo Ribeiro

 

A Câmara dos Deputados aprovou ontem, por 296 votos a 177 uma reforma trabalhista que altera mais de cem pontos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A sessão foi tensa e marcada por protestos performáticos da oposição, que durante horas tentou obstruir a votação.

Os deputados votavam ainda destaques ao texto que seguirá para apreciação do Senado.

O texto do relator Rogério Marinho (PSDB-RN) tem como eixo central a prevalência do negociado entre patrões e empregados sobre o legislado. Mas uma série de artigos da lei, promulgada na década de 1940 por Getúlio Vargas, foi alterada para inibir o acesso à Justiça do Trabalho, diante de alegações de que há um excesso de ações trabalhistas no país - 4 milhões por ano. O fim do imposto sindical obrigatório também foi visto pela oposição como uma tentativa de enfraquecer os sindicatos.

A votação, em caráter nominal, serve também como um termômetro para o Palácio do Planalto medir a fidelidade dos partidos da base e, assim, tentar conter a onda de traições vista entre aliados em votações recentes.

A preocupação do governo era obter os votos de 300 parlamentares, o que sinalizaria um apoio suficiente para aprovar a reforma da Previdência, prioridade do presidente Michel Temer, que necessita de 308 votos.

A sessão foi marcada por protestos performáticos e manobras da oposição para tentar adiar a votação. Por exigir apenas os votos da maioria simples dos presentes, a aprovação do parecer elaborado por Marinho era dada como certa.

O líder do governo na Câmara, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) disse que o governo não priorizou o monitoramento de traições, mas que aliados de Temer tinham se dedicado a conquistar votos. "Não está na pauta uma retaliação em reação a traições. Nosso objetivos é sensibilizar a base de que as reformas precisam ser aprovadas para estabelecer a recuperação da economia do país".

A oposição, por sua vez, tentava usar a baixa popularidade de Temer como argumento para convencer a base de votar contra a reforma. "[Os deputados da base] precisam entender que Temer não tem pretensões políticas como eles", disse Alessandro Molon (Rede-RJ). "Não devem abraçá-lo na causa de votar as reformas."

O relatório, apresentado em comissão especial em 12 de abril e em versão modificada na segunda-feira, sofreu novas alterações no dia da votação em plenário. Após se reunir com uma comissão de deputadas na manhã de ontem, Marinho acatou sugestões e reformulou alguns artigos. Incluiu, por exemplo, parágrafo sobre a aplicação de multa em casos de comprovada discriminação salarial por etnia ou sexo. A mudança no artigo 461 determina que além do pagamento das diferenças salariais devidas, o empregador terá que pagar ao funcionário discriminado uma multa no valor de 50% limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, que atualmente está em R$ 5.531,31, o que totalizará uma multa de R$ 2.765,65.

Outra alteração feita por sugestão da bancada feminina foi em relação ao trabalho de gestantes e mulheres que amamentam em locais insalubres. A emenda, apresentada por Carmen Zanotto (PPS-SC), determina que serão afastadas obrigatoriamente de seu posto, mas sem perder o adicional de insalubridade, as gestantes devem ser afastadas de atividades consideradas insalubres em grau máximo. Caberá à empresa realizar esse pagamento para, depois, buscar restituição pela Previdência Social.

Marinho também acrescentou um parágrafo prevendo que a gestante ou lactante que não puder ser realocada em outros postos salubres na empresa terá o mesmo tratamento de uma mulher em gravidez de risco: será afastada e receberá o salário maternidade.

O relator ainda retirou de seu parecer final horas antes da votação os parágrafos que possibilitavam às empresas excluir determinadas funções da base de cálculo para a cota de menores aprendizes. Marinho queria retirar dessa conta funções que não pudessem ser exercidas por aprendizes, como operadores de guindastes. Mas a ideia gerou controvérsia entre deputados da própria base, e ele decidiu não tratar do tema na reforma. Assim, o texto do artigo 429 da CLT permanece inalterado, estipulando uma cota de 5% a 15% do quadro total de funcionários.

Para inviabilizar os pedidos de adiamento feitos por partidos da oposição, da base apresentou um pedido de retirada de pauta do projeto, que foi derrotado posteriormente com o apoio de 270 deputados. Ao derrubar o requerimento de retirada de pauta, os demais pedidos de adiamento não precisavam mais ser votados.

Ao longo da sessão, a oposição fez uma série de manifestações para expor sua resistência ao relatório de Marinho. Em mais de uma ocasião, deputados ocuparam a Mesa Diretora da Casa segurando placas ilustradas por carteiras de trabalho gigantes rasgadas que traziam dizeres com malefícios que, segundo eles, serão trazidos com a aprovação da reforma.

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Fazenda recalcula redução de despesas

 

Cristiane Bonfanti
Edna Simão

 

A estimativa de economia do governo com a reforma da Previdência Social em 10 anos foi reduzida em R$ 189 bilhões devido às mudanças promovidas pelo relator da matéria na Câmara, deputado Arthur Maia (PPS-BA), no texto original para reduzir resistência à aprovação de novas regras de aposentadoria. Apesar do impacto, a avaliação do Ministério da Fazenda é de que não afetará "substancialmente" o ajuste estrutural das contas públicas.

Por meio de nota divulgada à imprensa, o Ministério da Fazenda informou que, com a aprovação da proposta original de reforma, o governo federal teria, entre 2018 e 2027, uma economia acumulada, a valores de hoje, de R$ 793 bilhões. "Com as mudanças propostas no parecer do relator, essa economia passará a ser de R$ 604 bilhões, ou seja, cerca de 76% da economia inicialmente projetada, o que não afeta substancialmente o ajuste estrutural das contas públicas", ressaltou o ministério. "O ajuste fiscal estrutural está mantido e os ganhos sociais estão preservados", frisou a nota.

O parecer do relator foi divulgado na semana passada na Comissão Especial da Câmara e passou a prever mudanças como diferenciação de idade mínima entre homens e mulheres; permissão de acúmulo de aposentadoria e pensão até o teto de dois salários mínimos; manutenção da vinculação da pensão e do BPC ao mínimo.

Para o ministério, as alterações feitas visam proteger os vulneráveis. Do ponto de vista do equilíbrio macroeconômico, o importante é que elas respeitem a necessidade de, no longo prazo, equacionar o forte crescimento da despesa previdenciária e assistencial decorrente do rápido envelhecimento da população.

A Fazenda ressaltou que a União, os Estados e os municípios já gastam com aposentadorias e pensões 13% do Produto Interno Bruto (PIB) - "um valor excessivamente elevado para o padrão demográfico da nossa economia". A nota lembra que, pelas regras atuais, a despesa do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e da assistência social (Loas/BPC) passará de 9% do PIB, em 2018, para 18,8% do PIB, em 2060. O entendimento é que a atual trajetória de crescimento de gastos é "claramente insustentável".

Segundo o ministério, a economia que o governo federal terá com as mudanças no Regime Próprio dos Servidores Federais (RPPS) não está nas estimativas de economia apresentadas. Diante do fato dos servidores estarem pressionando para flexibilizarem as regras de aposentadoria, o Ministério da Fazenda reforçou o que está previsto no relatório de Maia. "A aposentadoria integral será concedida apenas para aqueles que se aposentarem na idade mínima definitiva, de 62 anos para mulheres e 65 anos para homens. Servidores que já poderiam se aposentar nos próximos anos, na faixa dos 55 anos de idade, com remuneração integral e paridade com os servidores da ativa, terão estímulo a aguardar mais dez anos, do contrário seus proventos serão calculados pela média das remunerações ao longo da carreira e não se beneficiarão de reajustes reais dados aos ativos de suas carreiras", complementou o órgão.

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Relator de CPI sai em defesa do funcionalismo

 

Raphael Di Cunto

 

Indicado para ser o relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigará o déficit da Previdência Social, o senador Hélio José (PMDB-DF) prometeu, em seu primeiro pronunciamento, trabalhar para mostrar que o funcionalismo não é responsável pelo problema nas contas públicas. "Como servidor público concursado, vou poder demonstrar que não somos responsáveis por rombo nenhum de Previdência, para que o servidor público não pague o pato de erros do passado", afirmou.

A comissão foi instalada com apoio do governo para "investigar" o déficit, numa estratégia de enfrentar o discurso da oposição de que não existe rombo. Autor do requerimento, o senador Paulo Paim (PT-RS) queria ficar com a relatoria, mas será o presidente - função que determina o cronograma de funcionamento da CPI, conduz os trabalhos e decide sobre questões de ordem, mas com menos capacidade de influenciar no trabalho final.

Suplente do governador do Distrito Federal e com pretensões de disputar a reeleição em 2018, Hélio José se auto-intitulou defensor do funcionalismo - categoria com grande capacidade de mobilização em Brasília - e, pouco antes de posar para fotos com representantes do sindicato dos servidores do Legislativo, afirmou que espera influenciar a votação da reforma da Previdência com a CPI.

Indicado pelo líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), crítico da reforma, o relator protestou várias vezes contra a retirada de "direitos adquiridos" dos servidores na proposta e disse que alertou o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha. "Falei para o ministro: não mexa em direitos adquiridos. O Brasil tem potencial turístico, tem várias formas de compensar o déficit", relatou.

O funcionalismo se insurgiu contra a regra de transição proposta pelo relator da reforma da Previdência na Câmara, deputado Arthur Maia (PPS-BA), que obriga os servidores que ingressaram antes de 2003 a trabalharem até a idade mínima de 65 anos para homens e 62 para mulheres se quiserem se aposentar com o benefício integral. Se quiserem deixar a atividade antes, os pagamentos serão reduzidos.

Já o presidente da comissão, Paulo Paim, quer focar nos devedores da Previdência, que somam quase R$ 500 bilhões em débitos não pagos. Ele defendeu que sejam todos convocados para prestar esclarecimentos ao longo dos quatro meses de funcionamento da CPI - que podem ser prorrogados. "Vamos ouvir quem de fato está roubando o dinheiro da Previdência", disse.

Na lista, afirmou o petista, estão nessa lista de alvos bancos, grandes empresas e até parlamentares. A oposição, contudo, só conta com um dos sete votos da comissão e terá dificuldade para fazer valer sua agenda no colegiado. Paim ameaçou ainda que "mandará prender" senadores e devedores que tentarem acordos escusos para não serem ouvidos pela CPI, como já ocorreu em outras comissões.

Hélio José não quis antecipar quais convocações pedirá, dizendo que apresentará o plano de trabalho na terça-feira. Afirmou apenas que ouvirá todos os lados, as centrais sindicais, setor produtivo e "até" o governo, do qual ele é um dos vice-líderes no Senado