'Lei de Abuso de Autoridade não inibe punir político'

Beatriz Bulla

10/04/2017

 

 

Corregedor nacional de Justiça afirma que Congresso Nacional deve ser ‘prudente’ ao discutir e votar projeto

 

 

 

‘Lei de Abuso de Autoridade não inibe punir político’

João Otávio de Noronha, corregedor nacional de Justiça

 

Mesmo uma legislação mais dura sobre abuso de autoridade não vai evitar investigações contra agentes políticos e o Congresso Nacional deve ser “prudente” na discussão do projeto que pode punir juízes e procuradores. Essa é a avaliação do corregedor nacional de Justiça, ministro João Otávio de Noronha. Para ele, que é responsável por orientar juízes e puni-los administrativamente, é muito “complicado” que parlamentares na mira de investigação discutam o projeto.

“Hoje, talvez, alguns ansiosos querem punir (juízes), certamente vão, amanhã, acabar com a Justiça. Porque aí ficarão para sempre impunes”, disse Noronha, em entrevista ao Estado. De acordo com ele, mesmo que tudo seja aprovado, não haverá inibição na hora de punir agentes envolvidos na Lava Jato.

Como corregedor, Noronha atua no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Na entrevista, ele disse confiar no “bom senso” do Congresso, afirmou não ser contrário à atualização da lei sobre o tema e disse que o projeto proposto pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, é adequado.

 

O projeto que atualiza a Lei de Abuso de Autoridade, em tramitação no Senado, já foi amplamente criticado por juízes e pelo MP.

Qual a sua avaliação? O projeto merece aprimoramentos. A última proposta apresentada pela Procuradoria- Geral da República (PGR) é um projeto que atualiza a Lei de Abuso de Autoridade e coloca as questões no seu devido lugar. Hoje, talvez, alguns ansiosos querem punir (juízes) e certamente vão, amanhã, (querer) acabar com a Justiça. Porque aí ficarão para sempre impunes. É muito complicado que pessoas que estão sendo de certa forma processadas discutam esse projeto.

 

Um Congresso investigado pode discutir a punição às autoridades que o investigam?

Um Congresso que está com muita gente investigada deveria ser muito prudente, para que as conotações ou sentimentos pessoais menos nobres não possam refletir na normatização da questão. Não tenho esse medo ou temor de uma atualização.

As normas só podem ser interpretadas de uma maneira, com razoabilidade.

 

O texto inclui o chamado crime de hermenêutica que prevê punição para juízes e promotores em razão da interpretação da lei. Isso não pode restringir a atividade de juízes e promotores?

Ainda que tentem capitulá-lo (o crime de hermenêutica), não vão conseguir. No dia em que o juiz perder a liberdade de interpretar a norma e firmar sua convicção, a democracia acabou. Quem vai configurar crime de hermenêutica? Nenhum juiz de bom senso vai punir o seu par ou um membro do Ministério Público que interpretou a lei por tê-lo feito.

 

Isso pode parar no STF?

Certamente. É inaplicável. Punir o juiz porque ele aplicou a lei de modo diferente do que o deputado, senador ou o advogado (entendem)? O que me preocupa não é a elaboração da lei em si, mas é quando se quer reformar por atitude de acerto de contas. Tudo isso aprovado não vai nos inibir de processar agentes políticos de qualquer Poder que praticar os atos que praticaram na Lava Jato.

 

Há cenário de revanchismo?

Não acho isso exato. Mas há agentes que querem fazer acerto de contas. Ao final, penso que o bom senso prevalecerá.

 

Hoje existem as punições a juízes aplicadas pelo CNJ.

São punições por infrações disciplinares. O CNJ segrega o que é atividade jurisdicional do que é administrativa. Minha preocupação é blindar os juízes de influências externas para que possam exercer a magistratura com plena liberdade.

 

Blindar não dá a ideia de que evita a punição de juízes?

A função do CNJ não é punir. Punir é acidente. Quando falo blindar de influência externa é para que o juiz não fuja dos trilhos e comece a julgar de acordo com entendimento da imprensa, dos amigos ou dos parlamentares. Não é no sentido de não punir, pelo contrário. Juiz que pratica ato ilícito tem de ser punido como exemplo.

 

QUEM É

O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) João Otávio de Noronha, de 60 anos, tomou posse no dia 24 de agosto do ano passado como corregedor nacional de Justiça. Na função, ele é responsável por conduzir processos disciplinares contra juízes no âmbito do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Natural de Três Corações (MG), Noronha é bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas e ocupa uma cadeira no STJ desde dezembro de 2002.

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Peru prende governador acusado de receber propina da Odebrecht

10/04/2017

 

 

A Justiça do Peru ordenou a prisão preventiva por 18 meses do governador da região de Callao, Félix Moreno, acusado de ter recebido suborno no valor de US$ 4 milhões da empreiteira Odebrecht, sob investigação na Operação Lava Jato no Brasil.

O pagamento teria sido feito em troca de o conglomerado vencer uma licitação pública em 2014 para construir uma estrada de 5 quilômetros na costa central do país. Anteontem, o juiz Ricardo Manrique concluiu que há indícios de que Moreno cometeu crime de lavagem de dinheiro e tráfico de influência.

O advogado do governador, José Luis Castillo, afirmou que apelará da decisão do juiz por considerá-la arbitrária. A tese da acusação é que Moreno havia dado a instrução de que parte do suborno se destinaria ao pagamento da assessoria de campanha eleitoral para sua reeleição em 2014, a cargo do publicitário Luis Favre.

Moreno e Favre negam ter recebido dinheiro da Odebrecht, que reconheceu pagamentos de US$ 29 milhões em subornos para conquistar obras públicas no Peru entre 2005 e 2014, período que compreende o governo dos ex-presidentes Alejandro Toledo, Alan García e Ollanta Humala.

As investigações incluem o ex-presidente Garcia pelo caso de corrupção na construção do metrô de Lima, enquanto pesa contra Toledo um mandado de prisão com objetivo de extraditá- lo aos Estados Unidos por ser acusado de receber propina em uma obra pública. 

 

 

O Estado de São Paulo, n. 45100, 10/04/2017. Política, p. A6.