Valor econômico, v. 17, n. 4244, 28/04/2017. Brasil, p. A3

Legislação não estimula 'PJ', diz planejamento

 

Ribamar Oliveira

 

A reforma trabalhista aprovada pela Câmara dos Deputados, na noite da quarta-feira, não estimula as empresas a demitir trabalhador com carteira assinada para contratar outro como pessoa jurídica para fugir de encargos previdenciários e trabalhistas - fenômeno conhecido como "pejotização" -, de acordo com interpretação dada ontem pelo Ministério do Planejamento, ao Valor. Para o Planejamento, o texto aprovado pela Câmara não coloca em risco a receita da Previdência Social, ao contrário do que dizem alguns especialistas em direito do trabalho.

O Planejamento ressaltou que a reforma não alterou os artigos 3º e 9º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O artigo 3º considera empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. O artigo 9º prevê que serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na CLT.

"Se uma empresa contratar uma empresa individual ou jurídica com o intuito de descaracterizar vínculo empregatício, os auditores da Receita Federal e do Trabalho poderão autuar e multar os referidos empregadores, e a Justiça do Trabalho poderá reconhecer o vínculo empregatício, garantindo ao empregado todos os direitos a ele inerentes, com base nos artigos 2º, 3º e 9º da CLT", diz a nota do Planejamento enviada ao Valor.

A reforma trabalhista aprovada pela Câmara permite que uma empresa contrate outra prestadora de serviços para executar qualquer tipo de atividade, inclusive sua atividade principal. A prestadora de serviço terá, em primeiro lugar, que comprovar capacidade econômica compatível com a execução dos serviços.

Os trabalhadores contratados pela prestadora dos serviços terão todos os direitos previstos no artigo 7º da Constituição, inclusive férias, 13º salário, seguro desemprego e FGTS. Por eles, a empresa prestadora de serviço terá que recolher aos cofres públicos os mesmos encargos previdenciários que são pagos pelas demais empresas. Os trabalhadores das empresas prestadoras de serviços também terão que recolher à Previdência, nos mesmos percentuais dos demais. Por esta razão, o Planejamento argumenta que não haverá perda de arrecadação.

Além de esclarecer que a terceirização pode ser feita também para atividades fins da empresa contratante, o substitutivo do deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), relator da reforma trabalhista na Câmara, acrescentou duas regras para dificultar a "pejotização". A primeira determina que não pode figurar como contratada a pessoa jurídica cujos titulares ou sócios tenham, nos últimos 18 meses, prestado serviços à contratante na qualidade de empregado ou trabalhador sem vínculo empregatício, exceto se forem aposentados.

Outro dispositivo prevê que o empregado que for demitido não poderá prestar serviços para a mesma empresa na qualidade de empregado de empresa prestadora de serviços antes do decurso do prazo de 18 meses, contados a partir da demissão do empregado. O Ministério do Planejamento entende que essas duas regras reduzem "a possibilidade de pejotização".

Em sua nota, o Planejamento ressaltou que a contratante é subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas e previdenciárias, tanto no trabalho temporário como no terceirizado.

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Para especialistas, impacto do projeto ainda é incerto

 

Tainara Machado

 

Especialistas avaliam que é difícil estimar qual será o efeito da reforma trabalhista aprovada na quarta-feira pela Câmara dos Deputados para a arrecadação previdenciária. Por um lado, avaliam, o projeto de lei nº 6.729 pode aumentar a formalização, ao permitir modelos de contrato de trabalho antes vedados pela legislação, como trabalho intermitente e ampliação da jornada parcial de 25 para 32 horas semanais.

Por outro, é possível que a reforma, aliada à Lei de Terceirização, torne o mercado de trabalho mais precário e até aumente o número de trabalhadores contratados como pessoa jurídica, em vez de terem a carteira assinada.

Para José Roberto Afonso, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), esse fenômeno não é tão provável, porque boa parte do processo de "pejotização" já ocorreu. "Quase todos que poderiam ser demitidos e recontratados como PJ já o foram, quando estourou a recessão. Ou seja, a nova lei não terá impacto negativo simplesmente porque ele já ocorreu", afirma. Em 2014, observa, já havia 7,9 milhões de empresários, autônomos ou microempreendedores, contra 8,9 milhões que se declararam empregados entre aqueles que fizeram declaração anual de Imposto de Renda.

"A lei está atrasada. Tenta lidar e regularizar algo que já aconteceu e, ao meu ver, isso não vai ser interrompido. O fato é que contratar um empregado formal no Brasil custa muito caro", diz.

Gabriel Ulyssea, professor do Departamento de Economia da PUC-RJ, avalia que pode haver aumento da "pejotização", mas não acredita que isso aconteça em larga escala porque a terceirização tem um risco alto de judicialização. Além disso, afirma, a reforma atualiza a legislação e flexibiliza as relações de trabalho ao regulamentar práticas como "home office", o que pode ter impacto positivo sobre o nível de formalização do mercado de trabalho brasileiro. Ele alerta, porém, que será importante avaliar qual vai ser o efeito das novas modalidades de contrato previstas no projeto sobre quem já trabalha em tempo integral.

"Do ponto de vista das relações de trabalho, podem ficar [com a reforma] mais cooperativas e menos conflitivas, com possibilidade de aumento do emprego formal, já que incentivos para contratação informal vão ser reduzidos", diz Ulyssea.

Sob a ótica da arrecadação, o economista pondera que é preciso observar qual será o equilíbrio atuarial possível na Previdência, caso contribuição sobre a jornada parcial, por exemplo, dê direito à aposentadoria integral, algo não abordado na proposta de reforma previdenciária em discussão.

Já Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), avalia que o projeto até pode aumentar a contratação com carteira assinada, mas em condições de trabalho muito mais precárias, análogas às que hoje vigoram no mercado informal, diz ele. A reforma, afirma, é um "perverso desmonte" da CLT e atende principalmente às reivindicações das empresas, além de ser bastante diverso do projeto enviado pelo governo à Câmara. Apresentado originalmente com seis páginas, o texto acabou com mais de 40 páginas que alteram cerca de 200 dispositivos da CLT.

Para Lúcio, é difícil estimar o impacto para a Previdência do projeto, mas a legislação tende a produzir redução de salários e, por consequência, de contribuição para o INSS. "É provável que trabalhadores em condições precárias virem formais, mas com participação contributiva nula ou muito baixa, o que pode agravar as finanças da Previdência e exigir novos ajustes".

Afonso ressalta a distinção entre um trabalhador terceirizado, que continua a ter os direitos garantidos pela CLT, e um trabalhador contratado como uma "empresa". É esse último formato, diz, que traz perda de receita para o governo, embora as empresas individuais também recolham impostos. O problema é que faltam dados para avaliar qual é a perda líquida. "É preciso fazer contas e, para tal, precisamos que o governo publique dados, simulações. Regredimos na transparência e não avançamos no conhecimento dos efeitos das reformas", diz.