Lava-Jato prende chefe do ‘cartel das quentinhas’ no Rio

Chico Otavio, Daniel Biasetto, Carolina Morand e Miguel Caballero 

02/06/2017

 

 

Empresário pagou R$ 12,5 milhões ao esquema de Sérgio Cabral, diz MPF; acusados negam irregularidades

Preso ontem em seu apartamento na Av. Vieira Souto, em Ipanema, o empresário Marco Antônio de Luca é acusado pelo Ministério Público Federal (MPF) de comandar o cartel de fornecedores de alimentação no governo do Rio. Ao suposto esquema comandado pelo ex-governador Sérgio Cabral, ele pagou — segundo apurou o MPF a partir de documentos encontrados na casa do operador Luiz Carlos Bezerra e em emails e mensagens interceptadas — ao menos R$ 12,5 milhões em parcelas mensais de R$ 200 mil, em troca de ver empresas controladas por ele beneficiadas por contratos de fornecimento de alimentos para prisões, escolas e hospitais do estado. Totalizam R$ 7 bilhões os contratos do governo com a Masan (R$ 5,4 bi) e a Comercial Milano (R$ 1,6 bi) apenas entre 2011 e 2017, vários deles ainda em vigor.

Ao notar o aumento dos pagamentos de Luca em 2016, os procuradores suspeitam de uma possível ramificação do esquema: a de que a propina tenha ajudado suas empresas a conseguir contratos com o Comitê Organizador Rio-2016, “com a possível influência de Sérgio Cabral”, segundo escreveu o juiz da 7ª Vara Federal Criminal, Marcelo Bretas, ao aceitar o pedido de prisão preventiva.

A Masan assinou seis contratos com o Rio-2016. O MPF notificou o comitê a informar em 24 horas valor, objeto e duração destes acordos — como o Rio-2016 é uma entidade privada, seus contratos não são públicos. O comitê, porém, assinou convênios no valor de R$ 250 milhões com os governos federal (R$ 100 milhões) e municipal (R$ 150 milhões) para tentar fechar suas contas.

“RATATOUILLE” E GUARDANAPOS EM PARIS

Segundo o Rio-2016, não houve influência de Cabral na contratação da Masan, e todos os contratos foram aprovados pelo Conselho Diretor do comitê. A entidade diz que, em valores, a Masan conquistou apenas 19% dos contratos a que se candidatou, e que ainda há uma dívida de R$ 16 milhões do Rio-2016 com a empresa, que está cobrando na Justiça. Isso provaria que não houve favorecimento. O comitê não informou o valor total dos contratos com a Masan.

Dois seis contratos do comitê com a Masan, três foram emergenciais, sem licitação. Os serviços prestados abrangem as áreas de limpeza, conservação, gestão de resíduos, mão de obra de atendentes, alimentação e hospitalidade. As informações sobre contratos entre Rio-2016 e a Masan foram publicadas primeiramente, em janeiro, pela “Agência Sportlight”.

A operação de ontem foi batizada de “Ratatouille”, em referência ao prato rústico da cozinha francesa à base de legumes. Marco de Luca era um dos integrantes da “farra dos guardanapos”, como ficou conhecido o episódio que reuniu Cabral, secretários de seu governo e empresários em um restaurante de grife de Paris.

Além da prisão de Luca, a Polícia Federal realizou ações de busca e apreensão em sua casa, em outra residência, em Mangaratiba, e em sedes das empresas. Foram apreendidos R$ 400 mil em espécie e 16 obras de arte. O juiz Marcelo Bretas bloqueou R$ 12,5 milhões do empresário, mesmo valor da propina paga ao esquema, segundo o MPF. A Masan afirmou que Marco de Luca não faz mais parte da empresa desde 2015. E que “todas as licitações ganhas pela empresa foram pela modalidade de menor preço”.

 

O globo, n. 30615, 02/06/2017. País, p. 6