Valor econômico, v. 17, n. 4244, 28/04/2017. Política, p. A6

Da prisão, Cunha manda recados a correligionários no governo

 

Maíra Magro
 

"Era uma vez cinco irmãos. Um virou presidente, três viraram ministros e um foi preso". Como quem não quer nada, o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), narra a anedota a agentes penitenciários do Complexo Médico Penal (CMP) de Pinhais, na região metropolitana de Curitiba. O breve relato logo se espalha como ameaça de delação premiada, mais uma entre muitas já feitas por Cunha.

Na fala do ex-deputado o presidente Michel Temer, os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil), Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência) e o senador Romero Jucá (ex-ministro do Planejamento), todos do PMDB, figuram como personagens de uma historinha infantil em que o próprio Cunha aparece como o único injustiçado.

Mas as mensagens são dúbias. Até os mais próximos consideram difícil entender aonde Cunha quer chegar. Para o Ministério Público, o ex-deputado continua impassível. Os que o visitam asseguram que ele segue negando qualquer intenção de fechar uma colaboração. Amigos avaliam que ele estaria fazendo contas, deduzindo de sua hipotética sentença os benefícios que a lei garante, como redução de pena e progressão de regime. Quem sabe ele poderia beneficiar-se de um habeas corpus. Ou, no futuro, até mesmo de eventual mudança no entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o momento da prisão. Atualmente, a corte considera que o preso pode cumprir sentença a partir da decisão de segunda instância, o que acelerou muito o cumprimento das penas no Brasil. Há conversas em curso, porém, para tentar convencer o STF a voltar à conclusão anterior pela qual a prisão só podia ocorrer após esgotados todos os recursos nas instâncias do Judiciário, inclusive o Supremo.

Preso desde dezembro no CMP, quando foi transferido da carceragem da PF em Curitiba, Cunha é descrito pelos que transitam no local como de personalidade difícil. Recusa-se a respeitar a ordem hierárquica do presídio, onde, para os presos da Operação Lava-Jato, inverte-se o arranjo da pirâmide social. O ex-presidente da Câmara não esconde indignação por receber ordens de um agente penitenciário. Gasta boa parte do tempo lendo e relendo seus processos. Aproveita para estudar procedimentos de outros presos, como os do ex-ministro José Dirceu, que compartilha o mesmo hábito.

Dirceu, ao contrário, é descrito como um homem cortês, conhecedor das regras do cárcere. Um dia, ainda preso na carceragem da PF em Curitiba, avistou uma nesga de sol iluminando o corpo de um advogado que falava com o cliente. Pediu licença para disputar o espaço: "O sol aqui é algo valioso."

Cunha não queria ser transferido para o CMP, onde, apesar das celas maiores, as condições são consideradas piores que as da carceragem da PF. Primeiro, o deslocamento gera insegurança no preso, por temor do desconhecido. Recentemente, outras razões mais concretas passaram a justificar a preferência pela carceragem. Depois que a primeira leva de engenheiros foi levada para lá em novembro de 2014, na sétima fase da Lava-Jato, as circunstâncias melhoraram muito. Organizados e metódicos, esses executivos instituíram um sistema pelo qual as tarefas e compras de alimentos e materiais de limpeza, feitas por familiares ou representantes da empresa do lado de fora da prisão, são divididas e beneficiam a todos os detentos. Assim não faltava comida de qualidade, por exemplo. Para executivos da Odebrecht, roupas lavadas chegavam cuidadosamente dobradas dentro de saquinhos empilhados em uma caixa grande.

Apesar de rígidas, as regras da carceragem são mais flexíveis que as do CMP quanto à entrada de comida e às roupas que podem ser usadas. Os detentos contam com vasos sanitários, enquanto no complexo penal só existem buracos no chão. Para qualquer privacidade, de qualquer forma, é preciso usar um colchão como porta.

Conhecida como "hotel de delatores", a carceragem também permite alguns benefícios aos que se propõe a fechar acordos com o Ministério Público e a PF. Alguns conquistaram o direito de manter um frigobar na cela, ou um iPad. O doleiro Alberto Youssef, um dos primeiros presos da Lava-Jato, conseguiu ter um aparelho de TV. Agora ele está solto, mas enquanto permaneceu por lá, aumentava o volume todos as noites no horário do Jornal Nacional para que os companheiros de carceragem acompanhassem o noticiário. Volta e meia, uma reportagem causava constrangimento ao revelar nomes, ali presentes, que ele próprio havia entregado. Mesmo assim, o doleiro ganhou na cadeia o título de "gente boa".

Um dos problemas da carceragem é a entrada de presos em flagrante a qualquer hora do dia - ou pior, da noite, o que provoca transtornos no sono. Uma vez, policiais prenderam vários integrantes do tráfico de drogas e tiveram que separar os presos da Lava-Jato dos demais. A orientação era que, quando passassem pelos traficantes, olhassem para o chão para evitara o mais breve contato de olhos. Manter um preso de status social elevado traz sempre o risco de extorsão.

Marcelo Odebrecht já transitou pelo CMP mas, disposto a delatar, foi autorizado a voltar para a carceragem, onde estão hoje 11 presos da Lava-Jato. O executivo é tido pelos colegas de prisão como muito focado. Faz de três a cinco horas de exercício físico por dia. Se não é correndo, movimenta os braços com barras de peso dentro da cela.

Religioso, o ex-senador Gim Argello recebia visitas de um padre na carceragem. Hoje está no CMP ao lado de outros dez presos na mesma operação, entre eles o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, o ex-deputado André Vargas e o lobista João Augusto Henriques. Até que alguém se proponha a fazer delação premiada e volte para as celas da PF. Enquanto isso, nos banhos de sol do CMP, um detento dá treinos de "cross fit" para os interessados.

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Lula inclui banqueiros na lista de testemunhas

 

Carolina Mandl

 

A longa lista de testemunhas que a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva entregou ao juiz Sergio Moro traz um grupo de pessoas bastante atípico: banqueiros de investimento, advogados especializados em mercado de capitais e auditores.

De um total de 86 testemunhas de defesa, 29 delas pertencem a este universo. Esses nomes estão na relação entregue pelos advogados de Lula, por exemplo, o ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) Luiz Leonardo Cantidiano; a chefe do banco de investimentos do J.P. Morgan, Patrícia Moraes; Renato Schermann Ximenes de Melo e Sérgio Spinelli, advogados do escritório Mattos Filho; e Fabio Nazari, do BTG Pactual.

Procurados pelo Valor, alguns desses executivos se disseram surpresos com a indicação. Também afirmaram que ainda buscam entender por qual motivo foram parar na lista de Lula.

O ex-presidente responde a uma ação penal em que é acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro pelo suposto recebimento de propinas e outros bens de R$ 3,7 milhões da OAS, entre eles um apartamento triplex no Guarujá (SP).

Em comum, muitos desses executivos indicados pela defesa de Lula têm o fato de terem participado da megacapitalização da Petrobras em 2010, uma operação que movimentou R$ 120 bilhões. Os nomes listados coincidem com os responsáveis pela oferta de ações da Petrobras, conforme mostra o prospecto da transação arquivado na CVM.

Como já faz cerca de sete anos que a oferta de ações da Petrobras aconteceu, vários dos banqueiros listados já nem trabalham mais nas instituições que foram responsáveis por coordenar a capitalização da Petrobras.

É o caso, por exemplo, de Glenn Mallett, que à época da oferta estava no Santander e agora é responsável pela área de renda variável no Bradesco BBI. Fernando Iunes também deixou o Itaú BBA. Houve casos de profissionais que foram procurar o ex-empregador em busca de orientação.

Alguns executivos ouvidos pela reportagem disseram que não foram procurados pela defesa de Lula até o momento e não entendem qual a tese de defesa que se busca construir a partir dessas convocações.

No documento em que lista as testemunhas, os advogados de Lula pedem também uma série de documentos da Petrobras, como atas de assembleias, composição de comitês, contratos e listagem de valores mobiliários.

Em relação às firmas de auditoria KPMG, Ernst & Young e PwC, os advogados do ex-presidente querem que elas digam se perceberam atos de corrupção na companhia quando revisaram os números da companhia.

Procurado por meio de sua assessoria de imprensa, o advogado Cristiano Zanin Martins, que defende o ex-presidente Lula, não retornou o pedido de entrevista até o fechamento desta edição.

A lista de testemunhas de defesa ainda pode sofrer alterações. Não é descartada, por exemplo, uma redução no número de convocados. Anteontem, o juiz Sergio Moro adiou o depoimento de Lula, inicialmente marcado para o dia 3, para o dia 10 de maio, na Justiça Federal de Curitiba.

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PT, PSDB e PMDB terão que devolver dinheiro ao erário

 

Luísa Martins

 

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) rejeitou ontem, em plenário, parte das contas do PT referentes ao ano de 2011. Também foi divulgada decisão monocrática do ministro Henrique Neves, assinada em 11 de abril, que reprova parcialmente as contas do PSDB relativas ao mesmo ano.

A legenda tucana terá de devolver cerca de R$ 3,9 milhões aos cofres públicos e deixará de receber, por um mês, os repasses de R$ 6,6 milhões do fundo partidário. O desfalque, portanto, ultrapassa os R$ 10 milhões.

Em seu último ato antes de deixar o TSE, Neves determinou que o partido destine R$ 2,1 milhões para o incentivo à participação feminina na política. Entre as irregularidades apontadas por ele estão despesas com bilhetes aéreos sem comprovação de uso, notas fiscais de hospedagem não apresentadas e gastos dos diretórios estaduais do PSDB sem confirmação dos serviços prestados. O partido já informou que irá recorrer da decisão. "Trata-se de uma conta da gestão anterior à atual. Mas os advogados do partido já apresentaram embargo", informou a assessoria.

A decisão de Neves não precisou da anuência do plenário da Corte eleitoral - uma resolução do tribunal permite, em alguns casos, a atuação individual do relator. Seu mandato teve fim em 16 de abril, sendo ele substituído pelo ministro Admar Gonzaga, nomeado pelo presidente Michel Temer. O novo integrantes do TSE tomou posse ontem, em cerimônia no gabinete do presidente, ministro Gilmar Mendes.

No caso do PT, a legenda terá de devolver R$ 5,6 milhões ao erário e deixará de receber R$ 7,9 milhões equivalentes aos repasses do fundo partidário, totalizando um desfalque de mais de R$ 13 milhões.

A relatora da matéria, ministra Rosa Weber, havia votado para que o PT ressarcisse os cofres públicos em R$ 6,3 milhões. Abriu divergência a ministra Luciana Lóssio, que não considerou irregular um gasto de R$ 755 mil referente à locação de uma aeronave. Luciana foi acompanhada pelos colegas Admar Gonzaga, Napoleão Nunes Maia e Luiz Fux, formando maioria. Gilmar Mendes, não estava presente à sessão.

As sanções só valem depois que a ação transitar em julgado (decisão definitiva). O PT ainda pode recorrer. O percentual de irregularidades das contas do partido em 2011 ficou em 14%.

Sobre o PMDB, o relator da ação, ministro Luiz Fux, ordenou o ressarcimento de R$ 762 mil ao erário e a aplicação de 6% de seus recursos em programas de incentivo à participação da mulher na política.