Entrevista - Silvia Matos

Cássia Almeida 

02/06/2017

 

 

‘Foi um falso positivo’

Economista da FGV acredita que PIB do segundo trimestre será negativo e há risco de novo ano de recessão. Ela teme políticas intervencionistas para apressar crescimento

É possível dizer que o país saiu da recessão?

Não posso afirmar isso. Olhando os resultados, vemos que a economia está mostrando alguma recuperação. Mas dependeu muito de um setor que é a agropecuária (crescimento de 13,4%, o maior em 21 anos). Quando tiramos esse setor da economia, considerando indústria e serviços, os que mais pesam, o PIB fica estagnado. Parece um falso positivo. É claro que estamos melhor que no fim do ano passado, quando houve queda de 0,5%. É como se saíssemos de uma recessão severa, de números bem negativos, e entrássemos numa estagnação. Recessões longas são muito instáveis, com muito vai e vem. Agora deu um respiro, que pode levar à saída da recessão, como estava previsto antes. Mas o cenário político pode abortar essa recuperação.

No segundo trimestre, conseguiremos manter esse resultado positivo?

Uns meses atrás, estava um pouco mais otimista com a economia, prevendo um crescimento ainda pequeno. Mas, infelizmente, os números de abril, analisando todos os setores, inclusive a confiança do consumidor, não mostram mais isso. Acabou o bônus da agropecuária, e a sondagem do consumidor da CNI, do dia 18 até o fim do mês de maio, logo após a delação da JBS, mostrou queda bem grande na confiança do consumidor. É um sinal de alerta que o mês de junho já não vai ser tão bom. Esse PIB do segundo trimestre vai ser negativo. Estamos prevendo queda de 0,4%, um avanço de 0,1% no terceiro trimestre e estagnação no último trimestre do ano. Está difícil prever o que vai acontecer nos próximos trimestres. Ainda há mais incerteza pela frente.

No melhor cenário, ficaremos estagnados? Está afastado o risco de nova recessão este ano?

Não está afastado esse risco. Ainda estamos prevendo alta de 0,2% no ano. Sempre soube que a saída da recessão seria lenta, gradual e difícil. Situação similar à dos anos 1980. Mas será que teremos uma recessão mais longa que aquela? Estava vendo a volta da economia, de repente, surgiram nuvens negras. Atualmente, vejo que mais um ano de recessão é um cenário provável. Quando você tem famílias e empresas endividadas, fica mais difícil sair da recessão. As empresas pequenas e médias estão vivendo uma situação muito difícil. E aqui ainda temos até o governo endividado, sem espaço para política fiscal.

Tivemos três anos seguidos de queda do PIB per capita. Teremos mais um?

É uma perda absurda. De 2014 a 2016, a queda foi de 9,1%. Com certeza, teremos mais uma queda, acumulando perda de 9,6%. Depois de tudo que passamos. Fizemos mudanças institucionais importantes, sem hiperinflação. Não precisávamos passar por um retrocesso da economia tão grande. Agora todo mundo quer um resultado a curto prazo. Achar um atalho para o crescimento.

Que tipo de atalho?

Ampliar crédito público, fazer alguma desoneração, sempre surgem ideias, como forçar uma queda de juros.

Como traçar cenários para a economia diante de tanta incerteza política?

A questão que se coloca é: qual é a economia política da política econômica atual? Se não é possível entregar mais juros (ou seja, mais corte de juros, para aquecer a economia), os empresários, o setor produtivo, vão pedir a entrega do crescimento via outras medidas, como mais intervencionismo ou via demandas fiscais. É um cenário difícil, em que o presidente da República precisa de apoio político, e a comunidade econômica quer crescimento a qualquer custo. O risco é aumentarem as pressões por mais medidas, até para o respaldo do presidente (Michel Temer), o que dificulta o trabalho do Banco Central. O BC ontem (no comunicado após a reunião do Comitê de Política Monetária que decidiu reduzir a taxa básica de juros em um ponto percentual) citou cinco vezes a palavra incerteza.

 

O globo, n. 30615, 02/06/2017. Economia, p. 19