Mesmo absolvidos, citados na Lava-Jato têm marcas da ação

Dimitrius Dantas

04/06/2017

 

 

Investigados tentam refazer a vida após exposição por mandados de busca e conduções coercitivas

 

A reunião do condomínio começou com a reivindicação de um morador sobre a quadra do prédio. De pronto, ouviu a resposta do marido da síndica, um advogado: “Ei, o que você está pedindo? Você é um condenado da Justiça!”. Já era o segundo edifício em que um envolvido na Operação Lava-Jato morava naquele ano — ele se mudara anteriormente em razão do constrangimento causado pela sua condução coercitiva. Meses depois, o empresário foi absolvido, mas do trauma ele parece não ter se livrado.

Em conversa com O GLOBO, o empresário, que preferiu não ser identificado, diz que não imaginava que um novo revés aconteceria depois do vexame de ser levado para dar explicações à Justiça. Ele perdeu conta em bancos e financiamentos que usaria para arcar com despesas assumidas antes da operação.

— A vida dá uma reviravolta. Meu nome estava no jornal, o que eu falo para os meu filhos? Antes que um colega de classe falasse para ele, eu contei do meu jeito. Eu só posso contar do meu jeito, não é? Ele não sabe o que é uma Lava-Jato, mas não teve jeito — conta ele.

A Lava-Jato condenou 90 pessoas, mas o empresário é um dos 40 absolvidos depois de uma série de citações e denúncias. Entre os inocentados está também a jornalista Cláudia Cruz, mulher do ex-deputado Eduardo Cunha, inocentada por Sergio Moro. Para o juiz, não havia provas de que ela soubesse do esquema que beneficiou o marido e que teria bancado compras suas no exterior. Cláudia, no entanto, ainda responde a uma ação cível por improbidade administrativa.

A lista de absolvidos inclui desde sócios de empreiteiras, como José Antunes Sobrinho, da Engevix, até desconhecidos, como Maria Dirce Penasso, mãe da doleira Nelma Kodama — famosa por cantar “Amada Amante”, de Roberto Carlos, em depoimento à CPI, quando questionada sobre o caso que mantinha com o doleiro Alberto Youssef.

A mãe de Kodama foi acusada de ceder seu nome à filha para ocultar e dissimular a propriedade adquirida com o produto dos crimes, além de servir de laranja para abertura de empresas de fachada e contas no exterior. Moro a perdoou.

 

BUSCA E APREENSÃO

No entanto, o envolvimento na operação que desvendou o maior esquema de corrupção no Brasil deixou marcas naqueles que, após meses de julgamento, foram absolvidos. Até hoje, tentam seguir em frente depois de ter o nome nos jornais ligado à Lava-Jato e a vida invadida por mandados de busca e apreensão, conduções coercitivas e prisões preventivas.

Alguns não conseguiram o perdão de Moro, mas recorreram e ganharam a liberdade.

É o caso de André Catão de Miranda, funcionário do Posto da Torre, estabelecimento que deu origem ao nome da operação. O posto de gasolina não lavava carros, mas dinheiro. Miranda foi acusado de evasão de divisas e lavagem de dinheiro por ter feito depósitos a mando de seu chefe, o doleiro Carlos Habib Cheter. Miranda era gerente financeiro do posto e entrava em contato constante com outros envolvidos na operação de lavagem de dinheiro para o tráfico de drogas.

Ele foi condenado a quatro anos. Recorreu e ganhou no Tribunal Regional Federal da 4ª Região. André Catão de Miranda, no entanto, passou sete meses em prisão preventiva.

— Ele (Miranda) só foi solto pelo próprio Moro quando saiu a sentença. Ele não tinha a menor ingerência sobre o que seu chefe poderia ou não praticar — disse Marcelo Moura de Souza, advogado que o defendeu, lembrando que Miranda mora em Brasília e tenta se reinserir no mercado, por um salário menor.

 

CASA REVISTADA

O jornalista Breno Altman estava em Brasília quando a equipe da PF chegou em sua casa, em São Paulo, onde estavam sua mulher e o filho. Revistaram sua casa, apreenderam seu computador. Era acusado de ter indicado pagamentos a Enivaldo Quadrado, subordinado de Alberto Youssef. Moro o absolveu. “Por falta suficiente de prova, deve ser absolvido”, escreveu o juiz. Altman diz que o envolvimento lhe rendeu perdas incalculáveis, cerca de R$ 300 mil, incluindo dívidas e perdas de receitas em negócios.

— Nem meu computador foi devolvido até agora — disse. (*Estagiário, sob supervisão de Flávio Freire)

 

O globo, n.30617 , 04/06/2017. PAÍS, p. 8