Caso contra Maluf definirá crime de lavagem de dinheiro

Maíra Magro

26/04/2017

 

 

Uma ação penal em que o deputado Paulo Maluf (PP-SP) é acusado de usar contas no exterior para camuflar dinheiro desviado da prefeitura de São Paulo será um "leading case" para a definição do crime de lavagem de dinheiro, com impacto em vários casos da Operação Lava-Jato e centenas de outros no país inteiro. O julgamento está marcado para 9 de maio na 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF).

A principal discussão é se a lavagem é um crime permanente, que dura enquanto o dinheiro ficar oculto, ou instantâneo, que acontece em um marco temporal determinado - no caso, o momento da remessa de recursos ao exterior. A questão é crucial para definir a prescrição do crime (quando o acusado deixa de estar sujeito a punição).

Se o STF entender que a lavagem é um crime permanente, a prescrição levará mais tempo para ocorrer, ampliando a margem de punição. Se a corte entender que se trata de um crime instantâneo, muitos investigados podem acabar se livrando das penas. A incidência ou não da nova Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 12.683/2012) sobre cada caso também dependerá dessa conclusão. Se a lavagem for considerada um crime instantâneo e tiver ocorrido antes da nova lei, o acusado estará sujeito às regras antigas, muito mais brandas.

No processo em discussão no STF, o Ministério Público acusa Maluf de enviar para o exterior recursos desviados da obra de construção da avenida Água Espraiada, atual avenida Jornalista Roberto Marinho, realizada na época em que ele era prefeito de São Paulo (1993 a 1997). Segundo o MP, Maluf teria remetido o dinheiro para contas em países como Suíça, Inglaterra e na Ilha de Jersey. Depois, os valores teriam voltado ao Brasil por meio da compra de ações da Eucatex, da família Maluf. Essas operações teriam sido feitas para lavar o dinheiro desviado. Pelos cálculos do MP, as contas teriam movimentado US$ 172 milhões até janeiro de 2000.

O advogado de Maluf, Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, pedirá ao STF a absolvição do deputado. De acordo com ele, o MP errou nas contas e ao partir do pressuposto de que os recursos teriam saído das obras da avenida Água Espraiada. "Não fizeram o dever de casa básico de seguir o dinheiro", diz. Segundo ele, o MP teria deixado de apresentar uma perícia legalmente válida demonstrando a origem dos recursos. Na versão da defesa, os valores teriam vindo de empresas da família de Maluf, sendo remetidos ao exterior antes de ele ser prefeito. Outro argumento é que, desde 1998, o deputado já não seria o responsável pelas contas. Em último caso, se os ministros entenderem que houve lavagem, a defesa alega que o crime já estaria prescrito.

A ação penal contra Maluf foi aberta no STF em setembro de 2011 contra 11 acusados, incluindo também alguns de seus familiares. Depois, só a acusação contra o deputado permaneceu no STF, por ele ter foro privilegiado. Os parentes passaram a responder na Justiça comum. Ao abrir a ação penal, o então relator, Ricardo Lewandowski, entendeu que a lavagem é um crime permanente. Já o ministro Marco Aurélio Mello afirmou que ela seria um crime instantâneo. Os demais ministros deixaram para se manifestar sobre o assunto durante o julgamento do mérito, quando a 1ª Turma decidirá se Maluf deve ou não ser condenado. O novo relator do caso é o ministro Edson Fachin.

"O julgamento vai virar o 'leading case' da lavagem de dinheiro no Brasil, pois pela primeira vez o STF fará essa análise", diz Kakay. A defesa apresentará um parecer do advogado Pierpaolo Cruz Bottini sustentando que o crime deve ser classificado como instantâneo. "No momento em que se oculta o bem, o crime é consumado", defende Bottini. De acordo com ele, ainda que os ministros venham a entender que se trata de um crime permanente, será necessário decidir em que momento a ocultação deixa de existir. O MP argumenta que a lavagem só deixa de ocorrer quando a operação é descoberta. Para a defesa, se o crime for classificado como permanente, ele duraria até o momento em que a operação termina (com o encerramento das contas, por exemplo).

A prescrição da lavagem varia de oito a 16 anos, de acordo com a pena aplicada. No caso de Maluf, o período cairia pela metade por ele ter mais de 70 anos.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4242, 26/04/2017. Política, p. A6.