REALE SAI DO PSDB E AFIRMA QUE PARTIDO ‘ESTÁ SE PEEMEDEBIZANDO’

SILVIA AMORIM

MARIA LIMA

CATARINA ALENCASTRO

14/06/2017

 

 

Autor do pedido de impeachment contra Dilma estava há 27 anos na legenda

Ex-ministro da Justiça e um dos autores do pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, Miguel Reale Junior pediu ontem a desfiliação do PSDB em razão da decisão do partido de manter apoio ao governo Michel Temer. Filiado havia 27 anos, o advogado disse que se sente desconfortável na sigla e acusou a cúpula do tucanato de fazer um acordo “espúrio e inadmissível” com o PMDB.

— O argumento de permanecer no governo para apoiar as reformas não se justifica. O partido poderia dar o apoio no Congresso a elas mesmo estando fora da gestão. O que existe é um acordo espúrio com Temer em troca de um apoio ao Aécio. Isso é inadmissível — afirmou Reale Júnior.

O senador Aécio Neves é alvo de uma representação no Conselho de Ética do Senado por causa das gravações em que pede ao dono da JBS Joesley Batista R$ 2 milhões.

Reale Junior, que comandou o Ministério da Justiça no governo Fernando Henrique Cardoso, entregou a ficha de desligamento do partido na manhã de ontem no diretório do PSDB no bairro da Bela Vista, na capital paulista. Ele também comunicou, por email, sua decisão ao presidente estadual do PSDB, Pedro Tobias.

O ex-ministro não acredita que será o único filiado desiludido a optar pela saída do PSDB.

— A militância partidária queria o desembarque do governo. O partido é formado em sua maioria por representantes da classe média. Ética e combate à corrupção são valores importantes para nós. Não tenho dúvida de que o caminho tomado ontem deixa muitos militantes desconfortáveis. O partido perderá muito.

Ao lado do jurista Helio Bicudo e da professora da USP Janaína Paschoal, Reale Junior foi um dos signatários do pedido que culminou no impeachment de Dilma em abril do ano passado. O ex-ministro disse que a gota d’água para a saída dele do partido foi o resultado da reunião de anteontem do PSDB em Brasília. Os caciques da sigla decidiram manter os cargos e o apoio a Temer, apesar do movimento da ala jovem da legenda pelo desembarque.

 

NA CÂMARA, REDUÇÃO DE DANOS

Reale Junior lembrou que o PSDB foi criado por uma dissidência do antigo MDB — atual PMDB — e considerou uma ironia que o partido esteja agora se “peemedebizando”.

— O PSDB tinha marca da ética. Foi o que fez o partido nascer, para se distinguir do PMDB de Orestes Quércia e de José Sarney. Com essa decisão, ele vai se peemedebizando. O partido é que mudou. Não eu — afirmou.

O desgaste provocado pela manutenção do apoio tucano ao governo Temer também repercute na Câmara. Receoso de uma demandada de deputados, especialmente dos mais jovens, o presidente interino do partido, Tasso Jereissati (CE), decidiu encampar um discurso de renovação de lideranças e de discussão de um processo de “refundação”. Também acena com a retomada da defesa do Parlamentarismo. Tasso lamentou a desfiliação do jurista Miguel Reale Júnior, mas afastou a possibilidade de um racha.

— Não acredito em debandada. A decisão ontem foi ponderada e nenhum deputado falou em sair. Pelo contrário, todos firmaram compromisso de ficar — disse Tasso.

Ontem a bancada na Câmara se reuniu para continuar discutindo a decisão da Executiva. Vários deputados deixaram claro que votarão pela aceitação da denúncia contra Temer. Um dos mais revoltados com a permanência no governo, o deputado Daniel Coelho (PSDB-PE), no entanto, defende a pacificação do partido.

— Não tem um clima de guerra interna nem movimento de saída. A divergência sobre continuar no governo vai continuar e a bancada está dividida em relação a votação da admissibilidade da denúncia do STF contra Temer. Eu até gostaria que a bancada toda votasse a favor da admissibilidade, mas está bem dividida — disse Daniel Coelho.

Tasso, apesar do discurso, afirmou que vai consultar o presidente afastado Aécio Neves para negociar antecipação da convenção, que poderia afastar o senador mineiro definitivamente do comando do partido.

O globo, n.30627 , 14/06/2017. PAÍS, p. 6