CVM condena Eike a pagar R$ 21 milhões por uso de informação privilegiada

GLAUCE CAVALCANTI

14/06/2017

 

 

Empresário obteve lucro indevido com venda irregular de ações da OSX

Em julgamento realizado ontem, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) condenou Eike Batista a pagar uma multa de R$ 21 milhões pelo uso de informação privilegiada (insider trading) em venda de ações da OSX realizada em 2013. A OSX é a empresa naval do grupo “X” e está em recuperação judicial. A defesa do empresário irá recorrer da decisão.

Em 19 de abril daquele ano, o empresário vendeu 9,91 mil ações ordinárias da companhia, numa operação que totalizou R$ 33,7 milhões. A operação ocorreu quando Eike já tinha conhecimento de alterações que seriam feitas no plano de negócios da OSX, mas que ainda não tinham sido divulgadas ao mercado.

Com a venda de ações, o ex-bilionário evitou prejuízo de R$ 10,5 milhões, considerando a desvalorização dos papéis após a divulgação do fato relevante que informava o novo plano de negócios da OSX, feita apenas em 17 de maio de 2013. Assim, Eike teria obtido lucro irregular com a alienação dessas ações. A multa aplicada ontem equivale a duas vezes o valor da perda evitada.

 

DEFESA VAI RECORRER

O processo da CVM motivou uma denúncia contra o empresário feita pelo Ministério Público Federal do Rio de Janeiro (MP-RJ) e que resultou em ação penal em tramitação na Justiça Federal. Afora ações no âmbito da Operação Lava-Jato, Eike é réu em duas ações penais acusado de praticar crimes de insider trading e manipulação de mercado.

Para o presidente da CVM, Leonardo Pereira, não resta dúvida de que Eike negociou as ações da OSX de posse de informação privilegiada. Na época controlador e presidente do Conselho de Administração da empresa naval, o empresário participou de reunião do board em 15 de abril de 2013, quatro dias antes da venda dos papéis. Assim, ele tinha conhecimento de como seria o novo plano de negócios e também do prognóstico negativo que a mudança traria para a companhia. A reestruturação envolveria venda de ativos e renegociação societária, entre outras medidas. Tudo isso, destacou Pereira, afetaria a cotação das ações da OSX.

Pereira frisou que os argumentos apresentados por Eike “são incapazes de convencer” que sua operação não tenha levado em conta o prejuízo a ser evitado. E que se a venda das ações ocorresse após a divulgação do fato relevante de maio, é inegável que causaria prejuízos.

— O mercado não negociou nas mesmas bases informacionais do acusado. Houve uma série de assimetrias — disse o presidente da CVM.

A defesa de Eike sustenta que a venda de ações foi realizada para atender a uma exigência da B3 (ex-Bovespa) de enquadramento de um volume mínimo de ações da companhia em livre circulação no mercado ( free float).

O diretor relator do processo na CVM, Henrique Machado — que votou pela condenação de Eike, sendo acompanhado em seu voto por Pereira — afirmou que essa justificativa não afasta a proibição de negociação de posse de informação relevante e não divulgada ao mercado, o que só poderia ser feito em uma situação de emergência.

O diretor Pablo Renteria foi o único a votar pela absolvição de Eike. O julgamento realizado ontem deu continuidade à primeira audiência do processo, realizada no fim de abril, quanto Renteria pediu vistas do processo. Ele sustentou que os argumentos reunidos pela área técnica da CVM não eram suficientes para provar que o empresário agiu com o objetivo de obter vantagem indevida em benefício próprio ou de terceiros. O diretor reconhece, contudo, que Eike tinha a informação privilegiada ainda não divulgada ao mercado.

— Vamos recorrer ao Conselhinho (Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional). O voto vencido do diretor Pablo Renteria foi contundente em mostrar que Eike Batista atuou de forma a atender uma exigência da Bolsa — disse Darwin Corrêa, advogado de Eike. — No fato relevante de 17 de maio de 2013, em que foi divulgado o novo plano de negócios da OSX, foi anunciado também o aporte de US$ 120 milhões na companhia. Isso não foi sequer mencionado hoje (ontem), mas mostra que Eike agiu corretamente.

 

EM PRISÃO DOMICILIAR DESDE ABRIL

Em março de 2015, o fundador do grupo “X” foi condenado por unanimidade pelo colegiado da CVM em quatro processos relativos a crimes financeiros ocorridos em operações em quatro companhias, com multa total de R$ 1,4 milhão. A defesa do empresário recorreu dessas decisões ao Conselhinho.

Acusado dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro por pagar propina de US$ 16,5 milhões ao ex-governador Sérgio Cabral, Eike Batista foi preso em janeiro em uma ação de desdobramento da Lava-Jato. Ele passou três meses em Bangu 9 e, desde o fim de abril, cumpre prisão domiciliar, e está afastado da administração de suas companhias.

Desde meados do ano passado a CVM vem fazendo uma campanha de combate ao insider trading. Historicamente, o crime resulta em poucas punições. Segundo pesquisa publicada pela FGV Direito SP em 2014, entre 2002 e 2013, a CVM julgou 34 processos administrativos sancionadores envolvendo insider trading, sendo que em 16 deles todos os indiciados foram absolvidos. O crime representou apenas 5% dos procedimentos analisados pela autarquia no período.

 

O globo, n.30627 , 14/06/2017. Economia, p.19