Produção industrial recua 1,8% em março

Arícia Martins e Robson Sales

04/05/20

 

 

A esperada trajetória de reação da atividade sofreu mais um revés em março, quando a produção industrial recuou 1,8% sobre fevereiro, feitos os ajustes sazonais. Divulgada ontem pelo IBGE, a Pesquisa Industrial Mensal - Produção Física (PIM-PF) mostrou redução disseminada e mais forte do que o previsto pelo mercado. A frustração pode levar a revisões para baixo em projeções mais otimistas para o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre, que em alguns casos contam com crescimento acima de 1%.

De janeiro a março, a produção cresceu 0,7% ante os três meses anteriores, na comparação dessazonalizada, quando a expectativa era de avanço de cerca de 1% na passagem trimestral. Além de tirar fôlego do primeiro trimestre, o dado de março deixa uma herança estatística ruim para os três meses seguintes. Nos cálculos de Alberto Ramos, diretor de pesquisas econômicas para América Latina do Goldman Sachs, se o indicador ficar estável de abril a junho, terá encerrado o período com queda de 1,2% frente o trimestre anterior.

No mês, 15 dos 24 ramos de atividade pesquisados recuaram, com destaque para os setores de veículos automotores, reboques e carrocerias (-7,5%); produtos farmoquímicos e farmacêuticos (-23,8%) e de coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis (-3,3%). Fora da transformação, o segmento extrativo também teve retração, de 1,1%. Na análise por categorias de uso, o tombo também foi generalizado (ver quadro).

Do lado positivo, a indústria cresceu 0,6% no primeiro trimestre, em relação a igual período do ano passado, depois de 11 trimestres seguidos no vermelho. Segundo o IBGE, a alta foi influenciada pela baixa base de comparação - no primeiro trimestre de 2016, o setor havia encolhido 11,5% -, e, também, pelo efeito calendário, uma vez que os três primeiros meses de 2017 tiveram dois dias úteis a mais.

O resultado de março mostra que a recuperação já frágil do setor está demorando mais do que o previsto e pode levar a um crescimento menor da atividade no primeiro trimestre, avalia Daniel Silva, do Modal Asset. Silva trabalhava com redução menor da produção no mês, de 0,6%. "Quando olhamos os últimos três a seis meses, a indústria parou de cair e chegou ao fundo do poço, mas ainda não saiu de lá".

Com peso relevante na indústria nacional, o setor automobilístico tem mostrado volatilidade elevada em função das oscilações na demanda externa e do ajuste de estoques, observa Silva. O dado negativo de março, no entanto, não pode ser colocado somente na conta do segmento.

Para Silva, um conjunto de fatores está postergando o início da retomada industrial. Além do ambiente político incerto, que desestimula investimentos, ele menciona fraqueza da demanda doméstica e desemprego ainda elevado. "O mercado de trabalho é um fator que poderia ajudar um pouco, se a renda melhorasse mais", diz.

Segundo André Macedo, gerente da coordenação de indústria do IBGE, a queda da produção em março mostra que a persistente retração da demanda interna continua a afetar a atividade industrial. A redução de 1,8% foi o pior resultado para o terceiro mês do ano desde 2002, início da série histórica da PIM-PF, e levou o nível da produção a ficar 20,8% abaixo do pico do setor, observado em junho de 2013.

As expectativas de empresários e consumidores que compõem os índices de confiança estão mais favoráveis, mencionou Macedo, mas os indicadores reais de atividade não corroboram essa percepção. "Em relação ao presente, há ainda um comportamento reticente, seja por parte de famílias ou de empresários", disse. Além disso, a indústria precisa passar por um ajuste de estoques, acrescentou.

Thiago Xavier, da Tendências, aponta que o número de março é compatível com a trajetória de acomodação prevista para a indústria, sujeita a oscilações mensais. Indicadores mais longos reforçam a ideia de estabilização, diz Xavier, como a perda de fôlego da queda da indústria no acumulado em 12 meses, hoje em 2,8%. Ainda não é possível, no entanto, concluir que o setor manufatureiro está em recuperação.

"A retomada ainda não começou e não sabemos quando vai começar e em qual intensidade", pondera o economista. De qualquer forma, diz, a atividade industrial deu contribuição positiva ao Produto Interno Bruto do primeiro trimestre, para o qual espera alta de cerca de 0,5%.

Inicialmente mais otimista, Silva, do Modal, pode rever para baixo sua estimativa de avanço de 1,3% da economia de janeiro a março, em função do tombo maior da produção no último mês. O cenário de reação da atividade mais à frente está mantido, afirma, mas o momento do início dessa reação está ficando mais incerto. "No primeiro trimestre, tivemos ajuda da indústria e do setor agropecuário. Tirando essas duas contribuições pontuais, que vão se perder no segundo semestre, não enxergamos motores de crescimento."

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4245, 04/05/2017. Brasil, p. A6.