Demarcação de terra indígena atrasa por falta de verba e favorece conflitos

Marcos de Moura e Souza, Estevão Taiar e Daniela Chiaretti

03/05/2017

 

 

A falta de recursos tem criado dificuldades para que a Fundação Nacional do Índio (Funai) cumpra uma de suas funções primordiais - a demarcação de terras. O recente confronto envolvendo índios e proprietários rurais em Viana, no norte do Maranhão, deixou sete pessoas hospitalizadas no domingo, duas em estado grave, e denúncias de bárbarie. Membros da etnia gamela foram atacados a tiros e há relatos de que um deles quase teve a mão decepada. A presidência da Funai admite que os cofres vazios do órgão não dão conta de responder à demanda pelo reconhecimento de terras indígenas no País.

"Não temos condições de resolver todos esses processos. A questão agrária do país requer uma política de Estado", disse Antonio Costa, presidente da Funai. Lembrou que o órgão indigenista brasileiro, que já vinha sendo enfraquecido nos últimos anos, recebeu golpe duro em março, com o corte de 44% no orçamento. "Este problema tem que envolver governo de Estado, Prefeituras e o Estado brasileiro para que a questão fundiária seja encaminhada e não caia apenas sobre os ombros da Funai."

O governador do Maranhão Flávio Dino (PCdoB) endossou a situação fragilizada da instituição: "Se o governo federal diz que a Funai não tem nenhuma verba para ir na região fazer estudos e reuniões, me disponho a pagar para que haja paz", disse.

A precariedade da Funai foi endossada por Francisco Gonçalves da Conceição, secretário de Direitos Humanos e Participação Popular do Maranhão. "O governo não pode fazer o processo de identificação e demarcação porque não é competência estadual é competência federal. Mas o governador determinou que, se for esse o caso, o governo do Maranhão assume o custo. Repassa recursos para a Funai para que se possa constituir um grupo e proceder o processo de identificação e demarcação."

O caso dos índios gamela é complexo. São pessoas de um povo que o movimento indígena reconhece como "resistente", índios que por algum motivo - ameaça, retaliação ou vergonha- deixaram de se identificar como indígenas no passado e agora voltam a reivindicar sua identidade étnica, amparados pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.

Inaldo Serejo, 43 anos, integrante da etnia gamela e uma das vítimas do ataque, disse que nos anos 70 a região em questão foi palco de intensa grilagem de terra o que acabou reduzindo a área dos índios. "As famílias indígenas passaram a viver em pequenas ilhas desse território", contou ele ontem ao Valor, por telefone.

Nos anos 90, disse, foi iniciada uma tentativa de reação mais organizada de impedir o avanço das cercas. Os índios já viviam longe da mata, mas em terras não demarcadas para eles, mas que afirmam ser seu antigo território. É onde plantam mandioca, milho, criam porco e pescam. "Hoje temos uma população de algo em torno de 1.500 pessoas", disse Serejo. A relação sempre foi tensa, segundo ele, com agricultores e fazendeiros.

Desde 2013 há um pedido na Funai para identificação da terra gamela. "A gente precisa fazer a luta dentro da Funai mas em 2015 tomamos a decisão de iniciar um processo de retomada das áreas. É o que a gente estava fazendo domingo", disse. O que chamam de "retomada" é a entrada de pequenos grupos em terras onde vivem pequenos agricultores ou empregados de proprietários maiores.

Em agosto, proprietários de terra procuraram o ex-agente da Polícia Federal e deputado federal Aluisio Mendes (PTN), votado na região de Viana. "As pessoas estavam assustadas, falando que estavam sendo expulsas por essas retomadas", disse. A questão, contou, passou pelas mãos da Justiça estadual e federal, mas ninguém teria tomado providências. Ele conta ter procurado a Funai e, na semana passada, o ministro da Justiça Osmar Serraglio (PMDB), que prometeu 15 dias para uma solução. "Eu disse: 'Ministro, vamos ter problema. As pessoas estão revoltadas querendo partir para a violência.'"

No domingo, Mendes participou de uma reunião em Viana com proprietários. Encontrou ânimos acirrados. Pediu que não usassem violência, disse ao Valor. Durante o encontro, chegou a notícia de nova 'retomada'. Mais tarde, foi informado sobre o ataque. Colaborou Bruno Peres, de Brasília

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4246, 03/05/2017. Brasil, p. A2.