Cumprir teto exige mais que reforma da Previdência

Sergio Lamucci

03/05/2017

 

 

A reforma da Previdência é fundamental para a sobrevivência do teto de gastos e para o Brasil voltar a uma trajetória fiscal sustentável, mas está longe de ser suficiente, diz Tony Volpon, ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central (BC). Em seu primeiro relatório como economista-chefe do UBS para o Brasil, Volpon apresenta uma série de simulações mostrando que o projeto que limita o crescimento das despesas da União terá vida curta se não forem adotadas dentro de pouco tempo outras medidas além da mudança no sistema de aposentadorias. "Pontos de estresse" poderiam ser alcançados já em 2019 ou 2020.

Isso significa que o próximo governo terá que tomar várias providências difíceis de controle de despesas para que o teto seja cumprido, diz ele. A alternativa é flexibilizar ou mudar a norma que limita o aumento de gastos da União à inflação acumulada nos 12 meses até junho do ano anterior, o que teria repercussões negativas no mercado, de acordo com Volpon. O teto vale por duas décadas, mas pode ser revisado a partir do décimo ano.

"As nossas simulações mostram que a viabilidade de curto prazo do teto de gastos depende não apenas da reforma da Previdência, mas também de medidas como limitar os [reajustes] dos salários dos servidores públicos e revisitar as regras que corrigem o salário mínimo", diz o economista.

Para medir a perspectiva de sobrevivência do teto, Volpon definiu dois pontos de "estresse fiscal". Um deles é verificar quando os gastos discricionários (aqueles sobre os quais o governo tem maior controle) cairiam ao mínimo histórico no período recente, de 1,2% do PIB, registrado em 2003. Hoje, ele estão em cerca de 2% do PIB. O outro ponto é quando esses gastos seriam zerados. Essas são as despesas que, pelo menos em tese, podem ser comprimidas. O problema é que, além de incluir itens importantes, como investimentos e defesa nacional, entre outros, elas equivalem a apenas 9% do total dos dispêndios não financeiros da União, devido à rigidez orçamentária.

Os gastos com aposentadorias somam cerca de 9% do PIB, ou 45% do orçamento federal não financeiro, enquanto as despesas com os salários do funcionalismo respondem por uma fatia de 21%, diz o UBS. Para completar, educação e saúde representam 11% dos gastos, devendo ser corrigidos no mínimo pela inflação, de acordo com a regra do teto, ao passo que outras despesas obrigatórias equivalem a 14% do total.

Considerando que a reforma da Previdência aprovada economize entre 50% e 75% do originalmente previsto pelo governo, as despesas discricionárias teriam que cair para 1,2% do PIB já em 2019, um nível muito baixo, atingindo em 2003, quando houve um forte ajuste fiscal, lembra Volpon. Para esse cenário, o UBS trabalha com a hipótese de que nenhuma outra regra adicional seria aprovada: o salário mínimo continuaria a ser corrigido pela inflação do ano anterior e pela variação do PIB de dois anos antes. Com essas condições, os gastos discricionários teriam que tombar para zero em 2022 ou 2023, o que obviamente não há como ocorrer.

Caso o Congresso passe uma reforma que garanta 50% das economias inicialmente previstas, faça com que o salário mínimo suba apenas de acordo com a inflação a partir de 2019 e congele os gastos com o funcionalismo em termos nominais, os gastos discricionários cairiam a 1,2% do PIB em 2020, recuando a zero em 2026. O economista do UBS acredita que, com as concessões atuais feitas recentemente nas negociações na Câmara dos Deputados, a reforma deverá garantir de 50% a 75% das economias previstas na proposta inicial.

Tudo isso demonstra a necessidade de medidas fiscais adicionais que, para Volpon, ficarão a cargo do novo governo. Uma vez aprovada uma reforma da Previdência, a atual administração não deve ter tempo e nem condições políticas para uma nova rodada de iniciativas que enfrentem o aumento de gastos, dada a proximidade crescente das eleições de 2018.

No cenário mais otimista do UBS, o teto pode ter sobrevida mais longa, mas exige medidas adicionais além da mudança da regra do salário mínimo e do congelamento nominal dos salários do funcionalismo (uma iniciativa que tenderia a enfrentar grande oposição. Essa simulação contempla a expiração de subsídios ao BNDES nos próximos anos e das desonerações da folha de pagamentos, assim o como a extinção do abono salarial. São itens que fazem parte do grupo outras despesas obrigatórias, onde há algum espaço para cortes, segundo Volpon. Se essas iniciativas adicionais forem adotadas e o salário mínimo for corrigido apenas pela inflação passada, o governo teria alguns anos a mais de fôlego - as despesas discricionárias cairiam para 1,2% do PIB apenas em 2026, considerando uma reforma da Previdência que economiza metade dos recursos estimados na proposta inicial do governo.

"O que tudo isso revela é o tamanho do desafio que ainda teremos na questão fiscal mesmo depois da eventual aprovação da reforma da Previdência", diz Volpon, para quem o próximo governo terá de adotar novas medidas de controle de gastos, ao mesmo tempo em que poderá fazer parte do ajuste pelo aumento de impostos.

Volpon acha correta a estratégia do governo Michel Temer de se concentrar no controle de gastos. Se começasse tentasse também elevar de tributos, seria difícil adotar medidas de contenção de despesas. Além disso, o efeito de aumentar impostos num ambiente recessivo poderia ser negativo, afetando a recuperação.

Já o próximo governo poderá enfrentar o desafio das contas públicas também pela elevação de tributos, diz ele, para quem a agenda de reformas vai se impor, qualquer que seja o eleito em 2018. "Nem sempre se faz o que se quer", resume o economista, lembrando do elevado nível de endividamento público do país.

Volpon espera que a economia cresça 1,3% neste ano 2,6% no ano que vem, uma recuperação a ser puxada pelo investimento. A projeção para 2017 está entre as mais otimistas do mercado - a maior parte dos analistas estima um número próximo a 0,5%. Isso indica que, nas previsões do UBS, a retomada das receitas tende a ocorrer um pouco mais rápido.

Ao falar de política monetária, Volpon diz que o Brasil vive uma "conjunção perfeita" para a queda dos juros. Para ele, o Comitê de Política Monetária (Copom) vai acelerar a redução da Selic de 1 ponto percentual para 1,25 ponto na reunião do fim do mês, mas haveria espaço para um corte de 1,5 ponto. Em abril, o Copom baixou os juros de 12,25% para 11,25% ao ano.

A partir de outubro do ano passado, a rigidez e a inércia que tanto incomodaram foram quebradas, e o quadro inflacionário tornou-se muito benigno, segundo Volpon. "Nesse caso, eu acho que nós deveríamos colocar os juros abaixo do ponto neutro o mais rápido possível", diz ele, referindo-se ao nível da taxa que não acelera a inflação.

Volpon destaca que todas "as estrelas se alinharam" para a queda dos juros no Brasil. O comportamento dos preços de alimentos ajuda, o câmbio está tranquilo, o cenário externo é favorável, as expectativas de inflação estão ancoradas e as perspectivas para a situação fiscal melhoraram. O UBS projeta hoje uma Selic de 9% no fim do ano, mas Volpon afirma que a previsão tem viés de baixa. Segundo ele, baixar os juros é o único instrumento de política econômica disponível hoje para ajudar na recuperação da atividade, além de ter impacto fiscal favorável, por reduzir os gastos financeiros.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4246, 03/05/2017. Brasil, p. A3.