Turma do STF manda libertar José Dirce

Luísa Martins

03/05/2017

 

 

Em uma decisão que coloca em xeque a manutenção de prisões preventivas prolongadas, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu libertar o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, preso há um ano e oito meses pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no âmbito da Operação Lava-Jato, por maioria de três votos a dois.

O colegiado entendeu que, como ainda não houve julgamento final do caso, uma vez que Dirceu tem condenação apenas em primeira instância, a prisão temporária decretada pelo juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, deveria ser substituída por medidas cautelares alternativas - monitoramento por tornozeleira eletrônica, por exemplo.

O relator da Lava-Jato no Supremo, ministro Edson Fachin, votou pela manutenção da prisão, alegando perigo à ordem pública - seguiu esse entendimento o decano Celso de Mello.

Venceu o voto divergente aberto pelo ministro Dias Toffoli, que foi acompanhado por Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. O resultado motivou um pequeno protesto em frente ao tribunal.

"A prisão cautelar é a derradeira medida, a que se deve recorrer somente se outras não se mostrarem adequadas ou suficientes para a contenção do perigo", disse Dias Toffoli ao decidir soltar Dirceu.

Segundo afirmou o ministro, as possíveis penas alternativas - como o comparecimento periódico ao juiz e a proibição de acessar certos lugares ou contatar certos interlocutores -"parecem que são pouca coisa, mas são restrições gravíssimas à liberdade do cidadão."

Lewandowski afirmou que a gravidade dos delitos imputados a Dirceu não poderia, por si só, ser invocada para manter sua prisão preventiva. "A possibilidade de reiteração criminosa me parece remotíssima, senão impossível", avaliou o ministro, que determinou, ainda, que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), sediado em Porto Alegre, acelere a sessão de julgamento do caso.

"Já se vão quase dois anos sem que sequer haja previsão de julgamento, não podendo impor que o paciente [Dirceu] aguarde preso indefinidamente até uma eventual condenação em segunda instância. Isso causa a maior estranheza àqueles afeitos, como todos somos, à defesa dos direitos fundamentais do cidadão", completou.

Segundo Gilmar Mendes, "o cerceamento preventivo da liberdade não pode disfarçar um castigo. É um grave atentado contra a própria ideia da dignidade humana. Não podemos nos ater, portanto, à aparente vilania dos envolvidos para decidir acerca da prisão processual", disse. Ele destacou, também, que os crimes a que José Dirceu responde estão ligados a um grupo político atualmente afastado do poder e que a "antiguidade dos fatos" joga contra a necessidade de manter o ex-ministro petista detido em Curitiba.

Assim como nas liberdades concedidas pela Segunda Turma, semana passada, ao pecuarista José Carlos Bumlai e ao ex-tesoureiro do PP João Claudio Genu, o ministro Edson Fachin foi derrotado no julgamento. Em decisão alinhada às que tomava Teori Zavascki, a quem substituiu na relatoria da Lava-Jato em janeiro após um desastre aéreo fatal, Fachin tem sido restritivo sobre a concessão de habeas corpus a investigados no esquema de corrupção instalado na Petrobras.

Segundo o atual relator da Lava-Jato, a complexidade dos casos permite o alongamento das detenções provisórias. "É justificada a prisão preventiva quando fundada na garantia da ordem pública, em face do risco concreto de reiteração delitiva. Quando o título prisional de um acusado é calcado em sua real periculosidade, é legítima a tutela cautelar", votou Fachin.

Celso de Mello acompanhou o relator e foi enfático quanto à necessidade de punir aqueles que colaboraram para que a corrupção "contaminasse" o Estado. "Não existe ilegalidade no decreto prisional que, diante das circunstâncias do caso concreto, aponta sofisticada e larga abrangência das ações de uma organização criminosa", votou o decano. Para ele, os crimes cometidos por José Dirceu tinham um só objetivo: "Viabilizar a captura das instituições para dominar mecanismos de ação governamental em detrimento do interesse público".

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4246, 03/05/2017. Política, p. A5.