DELAÇÃO DEVE SER AVALIZADA

CAROLINA BRÍGIDO

ANDRÉ DE SOUZA

22/06/2017

 

 

Após dois votos, ministros do STF sinalizam que não irão rever agora colaboração da JBS

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) deverá manter hoje a delação premiada da JBS, impedindo o plenário da Corte de rever neste momento os benefícios concedidos aos executivos da empresa — como o direito de não serem alvo de denúncia no Judiciário. Pela lei, os benefícios podem ser cancelados na fase da sentença, se ficar comprovada a quebra de alguma cláusula do acordo, como eventual mentira dita em depoimento. Na sessão de ontem, apenas dois dos 11 ministros votaram, ambos defendendo a tese de que não pode haver mudança no acordo neste momento, mas manifestações de outros ministros sinalizam que há maioria para validar a regra que hoje é aplicada às delações de um modo geral.

O relator, Edson Fachin, e Alexandre de Moraes defenderam que o acordo não pode ser mudado agora em plenário. Durante o debate, outros três ministros demonstraram que poderão votar da mesma forma: Luiz Fux, Celso de Mello e Marco Aurélio Mello. Luís Roberto Barroso não se manifestou ontem, mas em entrevistas já disse que um acordo de delação não pode ser revisto depois de homologado pela Justiça. Uma decisão no sentido de possibilitar a revisão dos termos das delações seria uma forma de reduzir o poder da Procuradoria-Geral da República, porque os investigadores têm usado as colaborações premiadas como forma de ampliar as investigações da Lava-Jato

Também ontem, Fachin defendeu que continue com ele a relatoria do inquérito aberto contra o presidente Michel Temer e o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PA), investigados por corrupção, organização criminosa e obstrução de justiça. Moraes concordou. Os questionamentos foram feitos pelo governador de Mato Grosso do Sul, o tucano Reinaldo Azambuja, alvo das delações dos executivos da JBS.

 

FACHIN: HOMOLOGAÇÃO CABE AO RELATOR

Azambuja queria que o caso tivesse sido sorteado entre os integrantes do tribunal, em vez de ter sido enviado automaticamente ao gabinete de Fachin. O ministro explicou que, pela regra interna da corte, a delação foi encaminhada a ele porque já era dele a relatoria de outro processo sobre o mesmo assunto: a delação do ex-vice-presidente da Caixa Fábio Cleto, que também tratava de desvios no fundo de investimento do FGTS.

No voto, Fachin ressaltou que cabe ao relator do processo homologar sozinho o acordo de delação premiada. Na fase inicial, o relator teria a tarefa apenas de verificar se há alguma ilegalidade patente e se foram respeitados direitos fundamentais do colaborador. Os termos do acordo poderiam ser revistos apenas ao fim das investigações, quando o plenário do STF poderá analisar a eficácia da delação.

— É no julgamento de mérito que o Poder Judiciário, como autorizado pela lei, poderá definir a extensão da colabogalidade e, por consequência, analisar o benefício respectivo. A legislação permite ao Judiciário, em tal fase diferida, após a conclusão da instrução probatória, avaliar se os termos da colaboração premiada foram cumpridos, bem como se os resultados concretos foram atingidos, o que definirá, logicamente, a sua eficácia. Assim, nesta Corte, a última palavra será sempre a do colegiado — disse Fachin.

Em seguida, Moraes votou no mesmo sentido. Ele destacou que o acordo de delação premiada é uma negociação feita entre delator e Ministério Público. Assim, se tudo ocorreu dentro da legalidade, não cabe intervenção do Judiciário.

— Não poderá o Poder Judiciário substituir aquele acordo de vontade entre o Ministério Público e o colaborador, mesmo que o juiz não concorde — declarou Moraes.

Mesmo sem votar formalmente, Fux concordou nesse ponto:

— Eu entendo que o Judiciário exerce o controle da legalidade da colaboração. Mas esse controle é do relator. Depois da homologação pelo relator, que verificou os requisitos da legalidade, da regularidade da forma, só resta ao Judiciário verificar a eficácia da colaboração.

Os acordos são firmados entre os potenciais delatores e o Ministério Público, e só depois são homologados na Justiça. Para Celso de Mello, o mais antigo ministro da Corte, o próprio MP, como órgão da acusação, já faz o controle da leração dos termos acertados.

— Não podemos duvidar do Ministério Público, que tem tido grande atuação — destacou o decano.

Marco Aurélio, por sua vez, alertou que mudanças nas regras poderiam esvaziar o instituto da delação premiada. Nas discussões em plenário, Gilmar Mendes, que ainda não votou, fez críticas ao Ministério Público e aos termos de algumas colaborações. Na avaliação dele, alguns delatores da Lava-Jato obtiveram benefícios não previstos em lei.

— A Procuradoria pode muito, mas pode tudo? É isso que a lei autoriza? — questionou Gilmar.

 

GILMAR: “CLÁUSULAS ILEGAIS”

Ele citou três delações que, na sua avaliação, têm problemas: dos executivos da JBS, que é o caso em julgamento; do empreiteiro Ricardo Pessoa, da UTC, e de Sérgio Machado, presidente da Transpetro, subsidiária da Petrobras. No caso de Pessoa, lembrou que ele ganhou o direito de regime domiciliar diferenciado, com algumas prerrogativas que não estariam previstas na lei. No de Machado, foi previsto prazo prescricional de dez anos, quando o máximo permitido é de seis meses.

— Há acordo suspendendo prazo prescricional sem nenhuma base legal. No acordo de Sérgio Machado foi prevista suspensão por dez anos. Está mudando a lei? A Procuradoria assumiu a função legislativa? Cláusulas ilegais como essa, flagrantemente ilegais, podem ser homologada, seja lá pelo relator ou submetida ao plenário? A questão é aqui mais delicada, pois trata da extinção da punibilidade — concluiu o ministro.

Gilmar também discordou de Fachin ao dizer que o momento de verificar a efetividade do acordo é quando houver sentença no processo decorrente da delação.

— Se se opta pela extinção da punibilidade, que é o benefício dos benefícios, não haverá denúncia. Em que processo vai fazer a verificação sobre a efetividade do acordo? — questionou.

Antes de começar a votação, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, defendeu a manutenção das regras atuais. Segundo Janot, a decisão tomada pelo STF vai afetar outras delações, envolvendo não apenas políticos, mas também crimes como tráfico e terrorismo.

— A mensagem será: ao acordar, o Ministério Público pode, mas não muito; ao acordar, o Ministério Público promete mas não sabe se vai poder cumprir — disse Janot, acrescentando: — A decisão tomada aqui vai alcançar as delações premiadas para apurar tráfico de drogas, de armas, de pessoas, PCC, Comando Vermelho, sequestro, terrorismo, toda a forma de macrocriminalidade.

 

TENDÊNCIA DOS MINISTROS

 

Votaram

EDSON FACHIN. O relator da delação da JBS votou por homologar o acordo de colaboração sozinho. Também defendeu continuar com a relatoria, porque já examinava temas semelhantes em outros processos: “É no julgamento de mérito que o Poder Judiciário, como autorizado pela lei, poderá definir a extensão da colaboração e analisar o benefício respectivo. Assim, nesta Corte, a última palavra será sempre a do colegiado.”

ALEXANDRE DE MORAES. Concordou com Fachin nos dois aspectos em discussão. “Ninguém melhor que o próprio relator, que já vem investigando vários fatos, para saber se existem as hipóteses de conexão. Muito mais difícil eu analisar, porque não tenho o conjunto da obra”, argumentou Moraes, acrescentando que o Judiciário não pode substituir acordo de vontades entre o Ministério Público e o delator ou agente colaborador.

 

Adiantaram posição favorável

LUIZ FUX. Deu a entender em manifestação durante os debates que votará da mesma forma que Fachin. “Eu entendo que o Judiciário exerce o controle da legalidade da colaboração. Mas esse controle é do relator. Depois da homologação pelo relator, que verificou os requisitos da legalidade, da regularidade de forma, só resta ao Judiciário verificar a eficácia da colaboração”, disse o ministro.

MARCO AURÉLIO MELLO. Também fez considerações na mesma linha de Fachin, argumentando que cabe ao relator homologar sozinho a delação, verificando apenas se há alguma ilegalidade. “A atividade do relator é simplesmente formal”, declarou. Marco Aurélio afirmou que mudanças nas regras poderiam esvaziar o instituto da delação premiada. Ao fim da sessão, disse a jornalistas que a hipótese de anular a delação da JBS é um “delírio”.

CELSO DE MELLO. Concordou com vários pontos do voto de Fachin. “Essa é uma decisão monocrática”, resumiu o decano do Supremo, para defender que o relator tinha poderes para homologar sozinho a delação da JBS. “Não podemos duvidar do Ministério Público. O MP tem tido grande atuação”, enfatizou o ministro, rebatendo críticas à atuação dos procuradores.

LUÍS ROBERTO BARROSO. Apesar de ainda não ter se manifestado no julgamento iniciado ontem, o ministro declarou à imprensa no mês passado que um acordo de delação não pode ser revisto depois de homologado pela Justiça. “Uma vez homologada, a delação deve prevalecer sem nenhum tipo de modificação futura”, afirmou Barroso, em manifestação clara por manter o acordo da Procuradoria-Geral da República com o grupo JBS.

 

Devem votar contra

GILMAR MENDES. Deu opinião contrária à de Fachin e criticou excessos do MP: “Se se opta pela extinção da punibilidade, não haverá denúncia. Em que processo se verifica a efetividade do acordo?”

RICARDO LEWANDOWSKI. Seguiu a linha de Gilmar: “Há um segundo nível de cognição, onde se faz um debate daquilo que se foi acordado, a sentença. Se não houver denúncia, não chegamos ao segundo momento”

O globo, n.30635 , 22/06/2017. PAÍS, p. 3