Há dois anos, STF decidiu que relator pode homologar delação

Eduardo Bresciani

Manoel Ventura

22/06/2017

 

 

 

Na ocasião, decano da Corte afirmou que Estado deve honrar acordo

 O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu em agosto de 2015, por unanimidade, que o relator de um processo na Corte tem poder para homologar sozinho delações premiadas. O ministro Dias Toffoli deu o voto condutor naquela oportunidade. O debate foi feito ao se analisar questionamento à delação de Alberto Youssef. A Corte voltou a enfrentar o tema na tarde de ontem, ao analisar questionamento relativo à delação dos donos da JBS, Joesley e Wesley Batista.

O processo decidido há menos de dois anos foi movido por Erton Fonseca, ex-executivo da Galvão Engenharia. Ele questionava ato do ministro Teori Zavascki, que morreu em janeiro deste ano, de homologar a colaboração premiada do doleiro Alberto Youssef. Toffoli relatou o caso e argumentou que, como a delação é um meio de obtenção de prova, ela se assemelha a uma escuta telefônica ou quebra de sigilo, podendo ser decidida de forma monocrática pelo relator.

“Considerando-se que o acordo de colaboração premiada constitui meio de obtenção de prova (art. 3º da Lei nº 12.850/13), é indubitável que o relator tem poderes para, monocraticamente, homologá-lo (art. 4º, § 7º, da Lei nº 12.850/ 13)”, escreveu Toffoli ao relatar o acórdão do julgamento.

Houve unanimidade no tribunal pela validade do ato de Teori de homologar a delação de Youssef. Alguns ministros, assim como Toffoli, deixaram explícito em seus votos o entendimento da competência do relator para tomar tal decisão monocraticamente.

“Sinalo que o ato de homologação do Termo de Colaboração Premiada, com a disciplina atribuída pelo artigo 4º, § 7º, da Lei 12.850/2013, revelase como uma típica atribuição (instrutória e monocrática) de relatoria (art. 2º da Lei 8.038/ 90)”, afirmou a ministra Rosa Weber, em seu voto.

O ministro Ricardo Lewandowski, que presidiu a sessão, ressaltou naquela ocasião que Teori não tinha cometido nenhuma ilegalidade ou abuso de poder ao proceder monocraticamente a homologação.

— No que tange ao mérito, eu acompanho os demais membros da Casa no sentido do indeferimento da ordem. Como já foi fartamente demonstrado, o eminente relator Teori Zavascki não cometeu nenhuma ilegalidade, nenhum abuso de poder, não se houve com teratologia — afirmou Lewandowski na ocasião.

O decano da Corte, Celso de Mello, afirmou em seu voto que acompanhava integralmente o voto do ministro Toffoli e destacou que o Estado tem o dever de honrar o acordo.

— Acompanho, integralmente, o magnífico voto proferido pelo eminente ministro Dias Toffoli com particular destaque para o ponto em que se ressalta que “os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança tornam indeclinável o dever estatal de honrar o compromisso assumido no acordo de colaboração, concedendo a sanção premial estipulada, legítima contraprestação ao adimplemento da obrigação por parte do colaborador” — disse Celso de Mello.

 

GILMAR ACOMPANHOU VOTO

 

O ministro Gilmar Mendes também disse que acompanhava Toffoli tendo por base os “fundamentos básicos” trazidos pelo colega. Ele refutou ainda tese da defesa de Erton que questionava a idoneidade de Youssef para ser colaborador. — Parece difícil exigir que esse colaborador, numa organização criminosa, seja um inocente ou uma pessoa de idoneidade inquestionável, porque certamente essa pretensão vai levar realmente até a um impasse hermenêutico, uma não aplicação da lei — afirmou o ministro Gilmar Mendes. A hoje presidente do STF, Cármen Lúcia, também votou no sentido de manter a decisão, mas ela discordou da análise de Toffoli de que a delação seria apenas “meio de obtenção de prova”. Para ela, os depoimentos são “meios de prova”. Cármen fez o raciocínio para defender que várias delações podem sim ser usadas para condenações, ainda que não se possa proferir a sentença com base em apenas um depoimento.

O globo, n.30635 , 22/06/2017. PAÍS, p. 4