Moro: fim da corrupção sistêmica ‘não está garantido’ no Brasil

Bruna Borelli

31/05/2017

 

 

Em Portugal, juiz diz que delações quebram confiança entre criminosos

-ESTORIL, PORTUGAL- Em Portugal para falar sobre corrupção nas “Conferências do Estoril”, que acontecem esta semana e contam com especialistas em combate à criminalidade do mundo inteiro, o juiz Sergio Moro defendeu as delações premiadas da Operação Lava-Jato e afirmou que o fim da corrupção sistêmica no Brasil “não é ainda algo garantido”. Apesar de certo otimismo quanto à capacidade de o país atravessar a “turbulência” pela qual está passando, o magistrado disse que o trabalho ainda está em andamento.

— Acredito que, apesar de todas essas turbulências, nós teremos um país melhor ao final do processo, com uma economia mais forte e com uma democracia de melhor qualidade, no qual a corrupção sistêmica passe a ser apenas uma triste memória do passado. Isso não é ainda algo garantido, é um trabalho em andamento, mas é possível ter esperança — afirmou Moro.

No evento português, o magistrado lembrou ainda que os escândalos revelados são vergonhosos, mas que há uma perspectiva positiva em relação ao combate à corrupção.

— Eu sei que muitas pessoas olham atentamente para a situação brasileira atual e se espantam com os níveis de corrupção que foram descobertos na Lava-Jato. De fato, considerando os casos que já foram julgados, porque existem muitos ainda pendentes, a corrupção descoberta no Brasil é vergonhosa. Mas há uma outra perspectiva que é a de que o Brasil está dando passos sérios e firmes no enfrentamento da corrupção sistêmica e não há nenhuma vergonha nesse tipo de ação — disse ele.

Sobre as delações, o juiz alertou que os depoimentos precisam de provas para complementar as investigações.

— É um meio importante de investigação, mas não elimina os outros. A regra de ouro é que é preciso ter prova de corroboração — disse ele, que acrescentou. — A ideia é fazer um acordo com um criminoso menor para chegar a um maior. Ou fazer um acordo com um criminoso grande para chegar a outros do mesmo porte, numa espécie de efeito dominó.

Questionado sobre os aspectos éticos do uso da delação, Moro reforçou que a ação foi extremamente importante para que as investigações.

— Se você tem um sistema de corrupção, é melhor ter isso descoberto e algumas pessoas punidas do que ter esse esquema de corrupção oculto pra sempre. É melhor ter alguém condenado do que ninguém condenado — avaliou.

Segundo Moro, a utilização da delação premiada ainda leva também a uma quebra de confiança dentro desses grupos criminosos. “Acaba tendo um efeito disruptivo”, disse.

APOIO DA SOCIEDADE

Quem também esteve presente nessa conferência foi o italiano Antonio di Pietro, fundador do partido de esquerda “Itália dos Valores” e antigo procurador da operação Mãos Limpas, à qual Moro costuma se indicar como referência.

Di Pietro aproveitou a ocasião para parabenizar o juiz brasileiro pela operação e exaltou a importância da opinião pública para fortalecer as ações judiciais contra corrupção. Moro reiterou o argumento do italiano ao afirmar que o processo judicial sozinho não é suficiente para enfrentar a corrupção.

— Cortes independentes e um processo eficaz são condições necessárias para o enfrentamento da corrupção sistêmica. Além disso, é preciso que outros setores do poder público e da sociedade se mobilizem contra a corrupção, a sociedade civil, o setor privado e lideranças políticas não comprometidas com a corrupção — afirmou. 

 

O globo, n. 30613, 31/05/2017. País, p. 8