ANTIGO AMIGO, HOJE DESAFETO, CONTA COMO DOLEIRO CHEGOU A JOESLEY

Chico Otavio

11/06/2017

 

 

‘Ele enganou todo mundo. Lúcio é o maior estelionatário do Brasil’

O comerciante John Mendes Reis, de 37 anos, se aborrece toda vez que dá um Google e lê as notícias que atribuem a seu pai, o ex-deputado Albano Reis, o “Papai Noel de Quintino”, a responsabilidade de ter apresentado o doleiro Lúcio Bolonha Funaro ao ex-deputado Eduardo Cunha. Em parceria, Cunha e Funaro operaram um dos mais importantes esquemas de corrupção revelados pela LavaJato, razão pela qual ambos estão presos. Mas John garante que a história da origem da dupla está mal contada:

— Não foi meu pai. É injusto apontá-lo. Quem os apresentou fui eu. E não foi só isso. Foi por meu intermédio que Lúcio chegou a Joesley Batista.

Por iniciativa de Albano Reis, Lúcio Funaro recebeu em 2002, da Assembleia Legislativa do Rio, o título de Cidadão do Estado. Na justificativa, o deputado (morto em 2004) alegou que o doleiro era “visto por todos como pessoa retilínea, alegre, cujos predicados lhe valem o círculo de amizades que tem”. John se considera o autor oculto da frase, pois garante que a honraria foi concedida pelo pai por um pedido seu, hoje motivo de profundo arrependimento:

— Pessoa retilínea? Alegre? Na última vez que nos encontramos, ano passado, quando fui ao escritório dele no Itaim Bibi (SP) para cobrar o que devia a minha família, Lúcio me recebeu com uma pistola na mão. Enquanto sacudia a arma, ele me disse que era assim que recebia os credores.

Preso desde junho do ano passado na Papuda, em Brasília, Funaro é acusado de ter criado, junto com Cunha, um esquema de cobrança de propina de empresas em troca da liberação de investimentos da Caixa Econômica, oriundos do FGTS. Apontado como guardião de segredos que podem complicar a vida do presidente Michel Temer e aliados mais próximos, como o ministro Eliseu Padilha e o exministro Geddel Vieira Lima, ele busca acordo de delação.

Mais novo dos quatro filhos de Albano, John resolveu contar a sua história com Funaro depois de perder, com a prisão de Roberta, irmã do doleiro, a última interlocutora na negociação do ressarcimento de sua família. Ele garante que, em 2008, os quatro irmãos repassaram a Funaro todo o dinheiro apurado na venda de três glebas da família, em Itaguaí (Região Metropolitana do Rio) para a mineradora angloaustraliana BHP Billiton — ele não revela o valor. Roberta foi filmada pela Polícia Federal ao receber, em nome do irmão, propina de Joesley em troca do silêncio de Funaro.

A amizade com Funaro, segundo John, começou em 2000, quando se conheceram durante uma festa na cobertura do doleiro Dario Messer, na Avenida Delfim Moreira, no Leblon. O filho de Albano Reis já era presença frequente nas noites cariocas. Gostava de desfilar com carrões importados, mulheres bonitas e jogadores de futebol. Funaro, que desembarcara no mercado financeiro do Rio para trabalhar com Messer, viu no rapaz oportunidade de fazer contatos e alavancar os negócios.

— Ele tinha um incrível poder de convencimento. Era arrojado e não gostava de limites. Sempre queria mais — recorda-se John.

Economista, com a carreira iniciada em 1993 na mesa de operações da corretora Plusinvest, Funaro chegou ao Rio no fim dos anos 1990 para prospectar o mercado de câmbio. Entre 1999 e 2002, trabalhou para as corretoras Agenda e Fair, mais tarde encrencadas com fraudes. O doleiro morava, segundo John, no apartamento de Messer na Praça Atahualpa, no Leblon, e se interessou em conhecer Albano Reis porque o deputado havia feito fortuna no mercado de ouro.

— Primeiro, eu o apresentei a meu pai. Depois, quando soube que Eduardo Cunha (então, deputado estadual), fazia negócios na área de comércio exterior, quis conhecê-lo também. O encontro, por iniciativa minha, aconteceu no antigo escritório do seu Eduardo.

Cunha, que na época controlava politicamente a Cedae, enxergou em Funaro o parceiro ideal para as operações financeiras que planejava fazer com o dinheiro da Prece, fundo de pensão dos funcionários da estatal fluminense. De 2003 a 2006, a corretora Laeta, ligada ao doleiro, teria gerado rombo de R$ 39 milhões com operações na Prece.

 

CALOTE NOS AMIGOS

Em 2008, Funaro precisou de dinheiro para arcar com prejuízos causados pelo rompimento da hidrelétrica de Apertadinho, em construção em Vilhena, Rondônia. O dano, de mais de R$ 60 milhões, motivou uma briga judicial entre os parceiros no negócio — a Gallway, do doleiro, controladora do projeto, e a Schahin, responsável pela obra. Ninguém queria assumir o acidente e as multas ambientais.

Para convencer amigos próximos a emprestar, ele alegou que o investimento seria devolvido a taxas muito superiores do que qualquer ativo do sistema financeiro. Na época, Funaro contava com o poder do parceiro, Eduardo Cunha, para pressionar a família Schahin a pagar-lhe uma indenização estimada em R$ 500 milhões. O doleiro transformou a expectativa de receber a bolada em carta de fiança para convencer os amigos endinheirados.

Nas incursões da dupla Funaro-John noite afora, o filho de Albano Reis o apresentou a Wellington Corrêa, o Helinho, empresário de Edmundo. Os três passaram a fazer programas juntos, até o dia em que o doleiro convenceu Helinho a emprestar dinheiro dele e de Edmundo para cobrir os prejuízos do acidente de Apertadinho. Com o calote, a vida do empresário teve uma reviravolta.

— Esse cara acabou com a minha vida. Era muito inteligente e persuasivo. Chegou a me presentear com um relógio caro. Acreditei nele e acabei virando refém do Lúcio. Ele me amedronta — lamenta o ex-empresário, hoje agente FIFA.

Além de ter a casa penhorada, Helinho ressarciu os prejuízos do ex-craque Edmundo. Eles romperam a amizade.

 

“SINHOZINHO MALTA”

Cevada pela venda das glebas em Itaboraí, a paixão por carros importados levou John a comprar em 2009 um carro esportivo Lamborghini na Platinuss, agência especializada de Natalino Bertin Júnior, filho do dono do frigorífico Bertin. Semanas mais tarde, John estava com Funaro num bar paulista quando contou ao doleiro com quem tinha fechado a compra do carro.

— Ele ficou louco. Queria a todo custo conhecer o seu Natalino, pai do Júnior, e me fez ligar na hora para ele. Do bar mesmo, fomos ao encontro do dono da Platinuss.

A conversa rendeu tanto que, no dia seguinte, Lúcio e John eram recebidos por Natalino Bertin na sede do frigorífico. Na ocasião, a empresa enfrentava problemas com as concessões para construir 23 usinas térmicas, grande parte delas no Nordeste. Ao vencer os leilões, a Bertin vendeu toda a energia futura para os distribuidores de todo o país. Porém, nenhuma obra saiu do papel, causando um rombo de mais de R$ 6 bilhões.

— Foi inacreditável. Em pouco tempo, Lúcio já estava chamando o seu Bertin de “Sinhozinho Malta”, na maior intimidade.

A Bertin queria sócios para concluir os projetos, e Funaro se ofereceu para atrair Furnas e os fundos de pensão. John disse que o doleiro, sempre apadrinhado por Cunha, conseguiu agendar um encontro na Caixa, em Brasília. Ele presume que os resultados foram satisfatórios, razão pela qual a família Bertin o envolveu no processo da fusão bilionária do frigorífico com a empresa de Joesley. O negócio abriu as portas da dona da Friboi para o doleiro, relação revelada pela delação dos irmãos Batista.

— Me arrependo muito de ter apresentado o Lúcio a tanta gente. A todos, ele ludibriou de alguma forma. É o maior estelionatário do Brasil.

Fernando da Veiga Guimarães, um dos advogados de Funaro, disse que não poderia comentar a relação do cliente com John Reis por desconhecer a história. Ele disse que só tem ciência de que Funaro conhecia Albano. A defesa de Eduardo Cunha disse que teria que conversar com o cliente, preso no Paraná, antes de fazer qualquer comentário.

O globo, n.30624 , 11/06/2017. PAÍS, p. 4