ENTREVISTA - Marcelo Crivella

Luiz Ernesto Magalhães

11/06/2017

 

 

No primeiro balanço de sua gestão, o prefeito Marcelo Crivella diz que se dedicou, nos primeiros meses, a pôr as contas do Rio em dia. Agora, após renegociar dívidas com o BNDES, prepara plano urbanístico e de turismo. “Precisei cortar despesas”

Na porta do gabinete de Marcelo Crivella, no 13º andar do Centro Administrativo São Sebastião, na Cidade Nova, um alerta para o visitante: “Se vira nos cinco”. O recado é direto: seja breve, cinco minutos no máximo, para explicar por que procurou o prefeito, cuja agenda está sempre cheia. Em entrevista ao GLOBO, Crivella fez um balanço dos primeiros meses de sua administração. Ele admitiu que tem poucos resultados para apresentar neste primeiro semestre. Mas alega que por uma boa causa — reorganizar as contas do município e renegociar empréstimos. No bate-papo, Crivella anunciou novidades na área urbanística e, mais uma vez, destacou a menina dos olhos da cidade, a Zona Portuária, como um dos lugares em que o vento da mudança vai soprar. Nesse pacote, o município, diz ele, prepara um plano ousado para modernizar a legislação, que inclui uma espécie de “autolicenciamento” para projetos de menor complexidade, o que vai liberar fiscais para irem às ruas combater irregularidades. Em outra frente, acena com um investimento de R$ 200 milhões que deve atrair eventos para o Rio. O cenário político não assusta o bispo licenciado da Igreja Universal. Mesmo enfrentando resistência na Câmara Municipal, onde tem o apoio de apenas 17 dos 51 vereadores, o prefeito garante que vai encarar desafios espinhosos, como alterações nas regras do IPTU, para recuperar receitas há anos perdidas.

 

BALANÇO

“A crise econômica e a crise do estado afetaram, e muito, os municípios, sobretudo a capital, devido à queda na arrecadação. Por outro lado, havia um aumento na demanda pelos serviços da prefeitura (nas áreas de saúde e educação). Foram momentos de angústia. Precisávamos renegociar dívidas de curto prazo (de 2017 e de 2018). Com BNDES, era R$ 1,5 bilhão.”

 

CORTES

“Precisei cortar despesas. Quanto entrei, tinha cerca de R$ 800 milhões em caixa, mas projeções de compromissos com fornecedores para os meses seguintes que chegavam a R$ 1,1 bilhão. Cortei mais de mil cargos em comissão e gratificações. E, ainda assim, a folha de pagamento cresceu. Renegociamos com fornecedores, contrato por contrato. Sobretudo, para não faltarem recursos para a saúde. Os cortes foram, em média, de 25% nos contratos. Para as dívidas antigas, a estratégia foi adotar uma espécie de leilão: os fornecedores que oferecessem maior desconto sobre as faturas tinham direito a receber.”

 

DÍVIDAS

“No caso do BNDES, a rolagem foi difícil. De início, o banco informou que não seria possível. Estava na seguinte situação: ou quitava o que devia e punha em risco o pagamento dos salários de servidores ou, se não pagasse ao BNDES, poderia ter recursos arrestados. A prefeitura seria rebaixada na avaliação das agências de risco, comprometendo nossos planos de desenvolver novos projetos. Antes de a Maria Silvia (Maria Silvia Bastos Marques, ex-presidente do BNDES) deixar o cargo, fechamos acordo. Foi um grande alívio. As parcelas que venceriam em 2017 e 2018 serão quitadas em dez vezes, a partir de 2019 até 2028”.

 

FUTURO

“Ainda estou em regime de corte de despesas. Mas já dá para assegurar recursos para atividades essenciais. Com a renegociação, por exemplo, já estão garantidos recursos para a merenda escolar. Também começamos obras para reabrir três restaurantes populares (que servirão café da manhã e almoço a preços subsidiados). Inicialmente, com alimentos doados pelo Flamengo”.

 

TURISMO

“O Rio será prioridade num plano de segurança do governo federal. Isso ajudará a viabilizar nossas propostas, precisamos desse apoio. O maior problema da cidade é o fuzil (nas mãos de traficantes). Quero investir R$ 200 milhões por ano para apoiar eventos que atraiam turistas. A Fundação Getulio Vargas fez um estudo para nós, esse investimento vai gerar R$ 6 bilhões para a economia da cidade. São recursos importantes que vão movimentar hotéis, restaurantes e shoppings. O Conselho de Turismo da cidade vai definir como eles serão alocados".

 

URBANISMO

“Hoje, existem 90 mil projetos à espera de licenciamento na prefeitura. Não é possível que uma pessoa espere por uma autorização por um tempo que pode chegar a dois, três anos. Vamos discutir mudanças na legislação. Outro ponto que os técnicos estão analisando, para algumas áreas da cidade, incluindo o Centro, é a conveniência ou não de se exigir vagas em garagens. Não sei se os jovens de hoje tem certeza de que vão querer ter seu próprio carro em áreas bem servidas por táxis, Uber, metrô, VLT e BRT, por exemplo.”

 

PORTO

“Vamos propor à Câmara mudanças na legislação para estimular a construção de casas populares, com dimensões menores, de acordo com a demanda do mercado. Ali, há um problema. Estamos discutindo com a Caixa Econômica para que reveja os valores das Cepacs (espécie de título que tem que ser adquirido para se construir empreendimentos) cobrados de interessados em construir na região.”

 

PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA

“Queremos lançar a PPP para a região da Avenida Presidente Vargas. O grupo russo Olympic City tem interesse em desenvolver os estudos e disputar uma concorrência para investir no projeto por meio de PPPs. Com os recursos, seria possível investir na construção de algumas estações do metrô, em parceria com o estado, e revitalizar o canal (do Mangue). Pelo menos sete estações da região do subúrbio poderiam ser reformuladas. Acima delas, seriam implantados sete parques públicos, numa concepção similar ao do Parque Madureira. Temos ainda propostas de PPPs para substituir a iluminação pública por LED e urbanizar Rio das Pedras.”

 

IPTU

“A proposta (que será discutida na Câmara) é fazer justiça tributária, compatibilizar a capacidade contributiva. O Rio tem hoje cerca de 1,9 milhão de imóveis. Desses, 1,1 milhão não pagam IPTU. Em qual cidade do mundo isso acontece? Em média, as pessoas vão passar a contribuir com R$ 1 por dia. Mas há extremos a serem revistos. Há apartamentos na Avenida Vieira Souto (Ipanema) que valem R$ 9 milhões e pagam R$ 6 mil de imposto.”

 

O globo, n.30624 , 11/06/2017. RIO, p. 16