CÁRMEN: ESPIONAGEM É ‘PRÓPRIA DE DITADURAS’

 CAROLINA BRÍGIDO

 JÚNIA GAMA

CRISTIANE JUNGBLUT

 GUILHERME AMADO

11/06/2017

 

 

 

Ministra cobra apuração do suposto uso indevido da Abin; Temer desmente o que classificou de ‘coisa bárbara’

 

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, reagiu ontem duramente diante da informação, publicada pela revista “Veja”, de que o ministro da Corte Edson Fachin, relator da Operação Lava-Jato, estaria sendo espionado pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) a pedido do presidente Michel Temer. Por meio de nota, Cármen classificou a ação como “gravíssimo crime”.

Para a ministra, a suposta espionagem seria “própria de ditaduras” e deve ser penalmente apurada e os responsáveis, “exemplarmente processados”. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, também protestou contra a suposta espionagem. O governo nega que tenha acionado a Abin.

A reportagem afirma que a investigação da Abin já estaria em curso há alguns dias e teria achado indícios de que Fachin voou no jatinho da JBS, empenhando-se em encontrar provas para constranger o relator e pedir seu afastamento da condução do processo e, consequentemente, a anulação da delação do dono da JBS, Joesley Batista.

Segundo interlocutores da ministra, Temer telefonou para ela após a divulgação da notícia, negando as informações publicadas. O presidente afirmou a Cármen que não havia mandado investigar Fachin. Antes, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Sérgio Etchegoyen, já havia ligado para a ministra desmentindo tais fatos.

“É inadmissível a prática de gravíssimo crime contra o Supremo Tribunal Federal, contra a democracia e contra as liberdades, se confirmada informação de devassa ilegal da vida de um de seus integrantes. Própria de ditaduras, como é esta prática, contrária à vida livre de toda pessoa, mais gravosa é ela se voltada contra a responsável atuação de um juiz, sendo absolutamente inaceitável numa República Democrática, pelo que tem de ser civicamente repelida, penalmente apurada e os responsáveis exemplarmente processados e condenados na forma da legislação vigente”, diz a ministra, que divulgou a nota mesmo após receber a negativa do governo.

 

JANOT FALA EM ESTADO POLICIAL

Cármen Lúcia afirma ainda que, comprovando-se o ocorrido, as consequências “jurídicas, políticas e institucionais terão a intensidade do gravame cometido”:

“O Supremo Tribunal Federal repudia, com veemência, espreita espúria, inconstitucional e imoral contra qualquer cidadão e, mais ainda, contra um de seus integrantes, mais ainda se voltada para constranger a Justiça. Se comprovada a sua ocorrência, em qualquer tempo, as consequências jurídicas, políticas e institucionais terão a intensidade do gravame cometido, como determinado pelo direito. A Constituição do Brasil será cumprida e prevalecerá para que todos os direitos e liberdades sejam assegurados, o cidadão respeitado e a Justiça efetivada. O Supremo Tribunal Federal tem o inafastável compromisso de guardar a Constituição Democrática do Brasil e honra esse dever, que será por ele garantido, como de sua responsabilidade e compromisso, porque é sua atribuição, o Brasil precisa e o cidadão merece. E, principalmente, porque não há outra forma de se preservar e assegurar a democracia”, conclui a presidente do STF.

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, protestou em nota contra a suposta espionagem: “Não quero acreditar que isso tenha acontecido. Usar um órgão de inteligência do Estado de forma espúria para investigar um dos poderes da República em plena atuação constitucional e legal, como forma de intimidação, isso sim é a institucionalidade de um Estado policial, de um Estado de exceção”.

Temer negou, na noite de sexta-feira, que tenha acionado a Abin para investigar Fachin:

— Quero desmentir aquela coisa bárbara, aquilo jamais foi pensado por mim, vamos manter a serenidade absoluta e a tranquilidade, vamos continuar pacificando o país — disse Temer, ao sair de jantar de aniversário do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Durante a animada festa na casa do deputado Alexandre Baldy (Podemos-GO), Temer traçou cenários das batalhas que tem pela frente, mas se mostrou confiante de que o pior já passou. Aos presentes, Temer disse que o risco maior de cassação era no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e que, no Congresso, terá os votos necessários para rejeitar o pedido de impeachment.

Segundo nota publicada pela Secretaria de Comunicação da Presidência, “o governo não usa a máquina pública contra os cidadãos brasileiros, muito menos fará qualquer tipo de ação que não respeite aos estritos ditames da lei”.

O governo ressaltou ainda que a “Abin é órgão que cumpre suas funções seguindo os princípios do Estado de Direito, sem instrumentalização e nos limites da lei que regem seus serviços”. Investigado diante da delação do empresário Joesley Batista, da JBS, Temer reitera que “não há, nem houve, em momento algum a intenção do governo de combater a operação Lava-Jato”.

 

CONVOCAÇÃO DE FACHIN

Nos bastidores, há uma guerra deflagrada pelo Planalto contra o que chama de abusos ou excessos na condução da Lava-Jato. O blog de Lauro Jardim no site do GLOBO informou ontem que, sob a orientação do Palácio do Planalto, um grupo mais exaltado de deputados e senadores tentará convocar Fachin à CPMI da JBS, para explicar cada um dos pontos elencados num dossiê que vem sendo preparado sobre o ministro. “Até se pode morrer, mas vamos morrer atirando”, provoca um ministro de Temer. Segundo o blog, Fachin disse a interlocutores que não voou em avião da JBS. O ministro foi procurado, mas a assessoria do STF não o encontrou. (Colaborou Jailton de Carvalho)

O globo, n.30624 , 11/06/2017. PAÍS, p. 7