Título: Cisão árabe na Síria
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 25/01/2012, Mundo, p. 14

Observadores de seis nações decidem abandonar o país. Regime de Al-Assad denuncia "conspiração" internacional

Enquanto prossegue com a matança de civis, o regime do presidente sírio, Bashar Al-Assad, decidiu estender em um mês a missão de observadores da Liga Árabe. A medida, considerada inócua pela oposição, foi anunciada depois que o chanceler Walid Al-Muallem fez críticas inéditas e contundentes aos esforços do bloco em levar sua proposta de paz ao Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). "A Liga Árabe está implementando a conspiração que articulou contra a Síria no exterior", declarou o ministro das Relações Exteriores, que classificou a presença dos monitores no país de "uma violação à soberania". "A esse ponto da conspiração, (a ameaça de acionar a ONU) é uma provocação para trazer o assunto aos círculos internacionais", acrescentou Al-Muallem. A prorrogação da missão da Liga Árabe não evitou uma cisão na comitiva: 55 observadores de seis países do Conselho de Cooperação dos Estados Árabes do Golfo (CCG) — Arábia Saudita, Kuweit, Catar, Oman, Barein e Emirados Árabes Unidos — abandonaram o país no último domingo. Outros 110 permanecem em território sírio. Segundo a CCG, a retirada se justifica pela "persistência do banho de sangue na Síria" e pela "falta de compromisso" do governo em aderir a um plano proposto pela Liga Árabe.

"A retirada dos monitores do CCG significa que eles não querem testemunhar um massacre, sem nada poder fazer", explicou ao Correio Ausama Monajed (leia Três perguntas para), conselheiro da Secretaria-Geral do Conselho Nacional Sírio, o único órgão da oposição na Síria. O ativista classificou o chanceler Al-Muallem de "um homem louco e com delírios de grandeza". "Suas declarações a respeito de uma conspiração internacional não merecem resposta. Ele vive em um mundo que terminou e estará acabado, assim como seu ditador (Al-Assad)", comentou. O próprio ministro enviou, na noite de ontem, uma carta ao secretário-geral da Liga Árabe, Nabil El-Araby, na qual autorizou a prorrogação da missão da entidade até 23 de fevereiro de 2012. Segundo o jornal egípcio Al-Ahram, o Prêmio Nobel da Paz e ex-diretor da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) Mohamed ElBaradei aceitou liderar uma missão de mediação da Liga na Síria.

As nações árabes entraram ontem com um pedido formal de audiência com o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, com quem pretendem debater uma nova resolução que deve ser apresentada ao Conselho de Segurança nesta semana. Nos bastidores, espera-se que a Rússia e a China não voltem a bloquear um texto condenando a repressão aos protestos contra Al-Assad. No último domingo, a Liga Árabe aprovou uma nova iniciativa sobre a Síria, imediatamente descartada por Damasco — o plano previa que Faruk Al-Shara, vice de Al-Assad, assumisse o poder e dividisse o governo com a oposição, durante dois meses.

Sem esperança "Perdemos qualquer esperança de solução (para a crise)", desabafou o estudante sírio Yazan Homsy, 25 anos, que descreveu o próprio horror à reportagem. Morador de Homs, a 162km da capital, ele viu o Exército bombardear um prédio no bairro de Paap Tdadmour. "Após queimar, o edifício ficou completamente destruído. As forças de segurança impediram que os bombeiros apagassem o fogo e proibiram a aproximação das ambulâncias", relatou, por meio de uma internet com a conexão precária. Segundo Yazan, a prorrogação do mandato da Liga Árabe será apenas um "novo prazo do regime para matar".

"Hoje (ontem), o primeiro dia da extensão da missão, 62 civis foram mortos nas mãos das forças de segurança", destacou. Apenas em Homs, cidade-chave do levante contra Al-Assad, cinco soldados desertores e 42 civis foram mortos — 18 deles no incidente em Paap Tdadmour. Seis pessoas morreram em Hama, quatro em Deraa, duas em Idlib, duas em Damasco e uma em Raqqa.

Para Ahmad Tellawi (nome fictício), morador de Hama, o regime de Al-Assad está desabando. "É uma questão de tempo, mas será um tempo cheio de sangue", lamentou, por meio da internet. Ele vislumbra dias "difíceis e sangrentos". "A longo prazo, a Síria será um país de liberdade, de justiça e de dignidade. Se (Adolf) Hitler perdeu a esperança, Bashar também o fará", disse, ao traçar um paralelo entre o líder nazista e o ditador sírio.

Tellawi relatou ao Correio que três das principais avenidas de Hama foram completamente cercadas pelos tanques. "Essas vias têm sido palcos de protestos diários, sob a proteção do Exército Livre da Síria. Elas foram atacadas com artilharia pesada e por franco-atiradores escondidos nos telhados dos prédios. Uma criança de 10 anos foi assassinada hoje dentro de casa", denunciou.

Desde 23 de dezembro, data que marca a chegada dos primeiros observadores árabes à Síria, pelo menos 840 sírios morreram, segundo a Comissão Geral da Revolução Síria (SRGC).