O Estado de São Paulo, n. 45096, 06/04/2017. Economia, p. B6

País 'perde a confiança' se não fizer mudança

Para economistas, reforma da Previdência é fundamental para garantir o fim da recessão

Por: Alexa Salomão

 

Alexa Salomão

 

Economistas ouvidos pelo ‘Estado’ são categóricos: a confiança de que haverá melhora nas contas públicas e retomada do crescimento econômico está ancorada na aprovação da reforma da Previdência.

Sem ela, a recuperação, que mal começou, estará comprometida, e a solvência do Estado, seriamente ameaçada.

Segundo o Placar da Previdência, levantamento do ‘Estado’ sobre as intenções de votos na Câmara, hoje, a proposta de mudança nas regras de aposentadorias e pensões não seria aprovada.

Na definição de Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central e sócio da gestora Gávea, a não aprovação “seria gravíssimo”.

Sem uma mudança na trajetória de crescimento dos gastos previdenciários seria praticamente impossível tirar as contas da União do vermelho.

“Sem essa reforma, e uma boa reforma, o plano de ajuste a longo prazo não fecha.” Segundo os economistas, basta olhar os números. A despesa da Previdência cresce cerca de 3,5% ao ano acima do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) – seja qual for esse PIB. É a principal fonte de expansão do chamado gasto primário (que exclui o pagamento de juros da dívida).

Em fevereiro, por exemplo, a diferença entre o que o governo arrecadou e gastou levou a um déficit: foram R$ 26,3 bilhões negativos, o pior resultado para um mês de fevereiro desde o início da série histórica, em 1997.

Nessa conta entram o resultado do Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central (BC). Tesouro e BC conseguiram frear as despesas com um resultado quase 18% menor do que o do ano passado. Já a despesa da Previdência teve um comportamento inverso, registrando alta de 26% em relação a fevereiro do ano passado.

Em Nova York, de onde tem uma visão externa do Brasil, Alberto Ramos, diretor do Grupo de Pesquisas Econômicas para América Latina do Goldman Sachs, avisa que, sem a reforma, o cenário para o País passaria por uma reversão bem ruim. “A aprovação de uma reforma da Previdência fraca seria ruim, mas a não aprovação seria péssimo”, diz Ramos.

 

Grave. Na avaliação de Ramos, há duas razões que forçam a uma reforma da Previdência. A primeira é sustentar a confiança em relação ao Brasil. “Não fazer a reforma indicaria que a classe política não está preparada para lidar com o grave problema estrutural das contas públicas.” A segunda razão é de ordem econômica: sem a reforma, a dinâmica de crescimento do País estaria comprometida nos próximos anos. “Se não fizerem a reforma hoje, vão fazer amanhã, porque a única alternativa à reforma seria elevar a carga tributária a um valor exorbitantemente pesado e a economia não conseguiria crescer.” Marcos Lisboa, presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, ainda reforça que, neste momento, é a perspectiva de reforma da Previdência que sustenta a retomada da confiança e as projeções de que o País pode se recuperar, ainda que lentamente.

“Há um ano tínhamos dólar a R$ 4, taxas de juros em alta, recessão se aprofundando, o cenário era de insolvência e de inflação elevada: a coisa melhorou porque o Brasil aceitou discutir uma agenda de reformas e, sem a da Previdência, voltamos àquela realidade lá de trás”, avalia o economista.

Lisboa acredita que, para reverter a indisposição dos parlamentares, o governo precisa discutir proposta por proposta no detalhe. “É preciso colocar os números na mesa e fazer o debate item por item, mostrando o custo e alternativa de cada sugestão.” A leitura geral é que o governo tem condições de convencer os parlamentares. “Vamos voltar no tempo: no ano passado, quando apresentaram a proposta de fixar um teto para as despesas, o Congresso, primeiro, se opôs, mas depois o governo trabalhou para convencer os deputados e terminou aprovando”, diz José Roberto Mendonça de Barros, também ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e sócio da MB Associados, empresa de consultoria econômica.

Para Mendonça de Barros, o resultado do Placar da Previdência não foi uma surpresa. “Não me impressiona em nada a resistência, que já era esperada. Ilusão foi acreditar que iriam aprovar em abril, quando o razoável é que a discussão vá pelo menos até setembro, afinal, é uma reforma difícil mesmo”, diz ele.

Mendonça de Barros reforça que o ambiente político ainda está “nervoso” e “incerto”, mas que os parlamentares têm um jeito próprio de trabalhar. “Primeiro, vêm com dificuldades, mas depois chegam aos acordos.” Mas ele avisa que se, ao contrário, os deputados insistirem em rejeitar as mudanças, o País precisa se preparar para dias piores: “O quadro de retomada que começa a surgir se reverteria.”

 

Despesas

3,5% é o crescimento anual dos gastos do governo federal com a Previdência acima do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), seja qual for esse avanço

 

MAIOR ROMBO DA HISTÓRIA

● Com a previdência urbana no negativo, déficit do INSS terminou 2016 equivalente a 2,4% do PIB

 

REPERCUSSÃO

“Há um ano tínhamos cenário de insolvência e de inflação elevada: de um ano para cá a coisa melhorou porque o Brasil aceitou discutir uma agenda de reformas e, sem a reforma da Previdência, voltamos àquela realidade lá de trás.”

Marcos Lisboa

PRESIDENTE DO INSPER

 

“Sem essa reforma, e uma boa reforma, o plano de ajuste a longo prazo não fecha. Seria gravíssimo.”

Arminio Fraga

EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA GESTORA GÁVEA

 

“Não me impressiona em nada a resistência, que já era esperada, ilusão foi acreditar que iriam aprovar em abril, quando o razoável é que a discussão vá pelo menos até setembro, afinal, é uma reforma difícil mesmo.”

José Roberto Mendonça de Barros

SÓCIO DA MB ASSOCIADOS

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O que vale é o placar do plenário, diz Maia

Para oposição, porém, levantamento mostra tamanho da dificuldade do governo para fazer passar a reforma

Por: Isadora Peron / Julia Lindner / Vera Rosa

 

Parlamentares da base aliada do presidente Michel Temer minimizaram o levantamento feito pelo Estado sobre a reforma da Previdência. Por enquanto, o Placar da Previdência mostra que, se a votação fosse hoje, o governo não teria votos suficientes para aprovar a proposta.

“O que vale é o placar do plenário.

O placar do Estadão é bom para vender jornal; o placar que é bom para o Brasil é o do plenário”, disse o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR) afirmou, em nota, que a proposta ainda está em fase de consolidação.

Para ele, o governo terá os votos necessários para aprovar as mudanças no sistema previdenciário.

“A construção da proposta está sendo feita em conjunto com deputados e senadores.

Este entendimento está sendo feito não só para espelhar a posição técnica, mas também a expressão política da base do governo”, disse.

Parlamentares da oposição comemoraram o placar. Para eles, mostra que o governo Temer enfrenta dificuldades para aprovar as mudanças no sistema previdenciário, considerada primordial para colocar as finanças do País em ordem.

“Essa reforma não passa na Câmara e também não passa aqui no Senado”, disse o líder da minoria no Senado, Humberto Costa (PT-PE). Para ele, “há uma enorme rejeição da sociedade à proposta enviada ao Congresso para a reforma da Previdência e os parlamentares não querem tomar posições que os coloquem contra os eleitores.” Segundo o Placar da Previdência, até agora apenas 96 deputados se manifestaram a favor da reforma da Previdência. Até o fechamento desta edição, 251 deputados haviam se posicionado contra, mesmo com a opção de suavizar o texto. O número representa bem mais que o que o necessário para barrar uma proposta de emenda à Constituição (PEC), que precisa ter, pelo menos, 308 dos 513 votos a favor para ser aprovada./ ISADORA PERON, JULIA LINDNER e VERA ROSA

 

Votos a menos

308 votos são necessários para a aprovação de uma proposta de emenda constitucional, como é o projeto de reforma da Previdência. Pelo levantamento feito pelo ‘Estado’, o governo está hoje longe de atingir esse número

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Para Padilha, aprovação da proposta é a única alternativa

Ministro-chefe da Casa Civil avalia que Placar da Previdência muda assim que ficarem claras as alterações em discussão

 

Adriana Fernandes / BRASÍLIA

 

Apesar de o Placar da Previdência apontar até agora uma derrota para o governo, o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, disse ontem estar convicto de que o governo conseguirá aprovar a reforma no Congresso.

“Temos 411 deputados. Não será nada ‘ah vai ser uma vitória estrondosa’. Não. Temos de ganhar e vamos ganhar”, previu Padilha ao Estado. Ele disse que não há outra alternativa a ser aprovar a proposta.

O ministro recebeu com tranquilidade o resultado do placar, que segundo ele vai mudar assim que ficarem claras as alterações na proposta que estão sendo negociadas pelo governo com os parlamentares e incorporadas no texto do relator Arthur Oliveira Maia (PPS-BA).

“O placar é passageiro. Estamos no início do trabalho e vai efetivamente ganhar cores depois de conhecermos os termos do relatório.” Ontem, o Palácio do Planalto informou que o presidente Michel Temer se reunirá nesta manhã com Padilha, o secretário da Previdência, Marcelo Caetano, e com Arthur Maia para pontos da reforma.

Segundo Padilha, são “pontos sensíveis” as regras para o pagamento do benefício assistencial a idosos e pessoas com deficiência (BPC); a aposentadoria rural; e a regra de transição, que só abrange homens com mais de 50 anos e mulheres com mais de 45 anos. O ministro adiantou que outros pontos da proposta também estão sendo considerados no relatório, como possíveis alterações. Ele, no entanto, ressaltou que uma nova regra de transição não pode durar mais do que 20 anos e isso é inegociável – pela proposta enviada ao Congresso, a regra para homens dura 15 anos e para mulheres, 20 anos.

 

Debate. Para Padilha, estão sendo “expostos” nas reuniões os temas que seriam impeditivos para que o parlamentar ainda resistente vote a favor. “Esses temas serão objeto de uma análise mais profunda por parte do governo e o relator vai atender naquilo que for possível.” O ministro descartou, no entanto, mudança na idade mínima de 65 anos para aposentadorias.

Também não está em cogitação regra diferenciada para homens e mulheres se aposentarem.

Padilha ressaltou que a unificação da regra só ocorrerá, na prática, daqui a 20 anos. Na transição, Padilha disse que poderão ser discutidas outras propostas, mas o prazo de no máximo 20 anos é inegociável. “Há ideias com mais de 20 anos. A reforma vai entrar em vigor em 2038. É longa a transição.” No Senado, para facilitar a reforma, o líder do governo Romero Jucá vai indicar senadores para acompanhar o relatório na Câmara. O governo, nessa casa, enfrenta resistências do líder do PMDB, Renan Calheiros, que tem batido de frente contra a proposta. Adriana Fernandes)

 

Confiança

“O placar (da Previdência) é passageiro. Estamos no início do trabalho e vai efetivamente ganhar cores depois de conhecermos os termos do relatório.”

Eliseu Padilha

MINISTRO-CHEFE DA CASA CIVIL