O Estado de São Paulo, n. 45096, 06/04/2017. Espaço aberto, p. A2

Voto em lista fechada é péssima ideia

Por: Roberto Macedo

 

O voto em lista fechada (VLF), em discussão no Congresso Nacional, viria para eleger deputados federais, estaduais e vereadores. Focarei no caso dos deputados federais, em que ocorrem as manobras em andamento. Nas circunstâncias atuais, o VLF mais parece artimanha para facilitar a reeleição de deputados em 2018, de forma nada democrática.

Hoje há o voto proporcional (VP) em listas partidárias abertas. Por exemplo, no Estado de São Paulo centenas de candidatos disputam 70 vagas. O eleitor vota em quem quiser, ou apenas num partido. Os partidos ou coligações, a seguir referidos só como partidos, elegem tanto mais deputados quanto maior a proporção de seus votos no total de sufrágios. São eleitos os mais votados em cada partido.

Alguns defeitos do VP: 1) O eleitor vota em quem quiser, mas pode ajudar a eleger um candidato que não quer se este for mais votado do que o seu no mesmo partido; 2) no “efeito Tiririca”, campeões de votos produzem outros eleitos, com votação menor do que a de candidatos não eleitos de outros partidos; 3) a caça aos votos se dá em todo o Estado, o que encarece muito as campanhas; 4) postulantes ligados a setores de atividade, como o rural, a grupos religiosos e a corporações, como o funcionalismo público civil e militar, têm votos espalhados pelo Estado e, assim, maior vantagem, criando na Câmara bancadas de interesses próprios, e não os do cidadão comum; 5) após eleitos, em geral ficam longe de seus eleitores, não lhes prestam contas, e alguns até saem de cena, como cometas, só vistos a cada quatro anos a pedir votos.

Uma alternativa seria o voto distrital puro (VDP), sem esses problemas. São Paulo teria 70 distritos, cada um elegendo seu deputado numa disputa com um candidato por partido. O eleito não representaria apenas quem votasse nele, mas seu distrito, com interesses mais diversificados.

Nos países com VDP a interação do eleito com os cidadãos do seu distrito é muitíssimo mais forte do que no VP brasileiro. Aliás, isso pesou recentemente quando o presidente Donald Trump, dos EUA, foi derrotado ao tentar desfigurar o programa de saúde do seu antecessor, Barack Obama. Até deputados do partido de Trump, o Republicano, se recusaram a apoiar sua ideia, no que pesou a pressão em seus distritos.

O VLF é uma variante do VP, com escolha limitada a listas partidárias de candidatos, sem que o eleitor possa escolher um deles. E se um partido, por exemplo, tivesse votos para eleger seis deputados, seriam os primeiros da lista. Há quem defenda o VLF por causa da proibição de doações empresariais a candidatos. Alega-se que não há tradição de doações individuais, tornando inevitável o financiamento governamental. Como o governo não teria como distribuir o dinheiro entre candidatos, ele iria para os partidos promoverem suas listas.

Ora, se não há tradição de doações individuais, é preciso cultivá-la, e não cair logo no financiamento governamental. Se este viesse, provavelmente seria mantido ou até ampliado, impedindo que tal tradição se desenvolvesse. E haveria o sério risco de surgir algo como um sindicalismo político. Nossos sindicatos patronais e de trabalhadores são sustentados com recursos públicos, e até aqui o País não conseguiu acabar com isso.

O relator do projeto de reforma política na Câmara, Vicente Cândido (PT-SP), defende o VLF nas próximas eleições e disse que ele é adotado por 80% dos países. Conjecturei que, em face do alto custo das campanhas, aqueles com maior população tenderiam a optar pelo VDP. Pesquisando o assunto, com ajuda do cientista político Rogério Schmitt, cheguei a um mapa de países e seus sistemas eleitorais, elaborado pelo jornal O Globo com dados do Idea, um instituto internacional de defesa da democracia.

Esse mapa sustenta minha conjectura, pois, embora 82 países adotem o VP, eles respondem por 21,9% da população total do conjunto analisado, enquanto o VDP, presente em 45, responde por 34,7% desse total. Variantes do VDP, o realizado em dois turnos e o distrital misto, somam mais 27 países, e 9% da mesma população. O mapa não identifica os que adotam a lista fechada entre os optantes pelo VP.

Onde há o VDP, além dos EUA, já mencionados, destacam-se o Canadá e a Índia, de grande extensão territorial, onde o VP implicaria altos custos de campanha, como ocorre no Brasil. Mas até aqui a maioria dos eleitos pelo VP insistia em mantê-lo, e agora, oportunisticamente, eles querem o VLF. Os atuais deputados certamente se posicionariam melhor nas listas, com o que o VLF asseguraria vantagens a eleitos pelas distorções do VP, além de outras mais que viriam.

Em 26/5/2015 a Câmara dos Deputados rejeitou o VLF por 402 votos a 21. O que mais explica essa radical mudança de rumo? Ora, muitos são objeto de investigações, ou já têm processos no Judiciário, e a perspectiva da lista de Janot causou temores adicionais. Se reeleitos, seu foro privilegiado seria mantido. Segundo matéria do portal Congresso em Foco no último dia 29, mesmo sem incluir essa lista, pelo menos 155 dos 513 integrantes da Câmara eram objeto de acusações criminais no Supremo.

O que fazer? O ideal seria adotar o VDP ou o distrital misto, no qual metade dos deputados seria eleita pelo puro e a outra metade por listas partidárias. E se o voto em lista for inevitável, também se poderia permitir que o eleitor votasse num dos integrantes da lista para determinar a ordenação dos listados. Quanto ao financiamento público, só o vejo defensável se custeado mediante redução dos altíssimos custos dos Legislativos brasileiros.

 

ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), É CONSULTOR ECONÔ- MICO E DE ENSINO SUPERIOR