Operador confesso 

Renata Mariz 

16/06/2017

 

 

Em negociação para virar delator, Lúcio Funaro admite que administrou caixa 2 do PMDB

-BRASÍLIA- Em depoimento prestado anteontem à Polícia Federal, em Brasília, o doleiro Lúcio Bolonha Funaro reconheceu ter operado caixa dois do PMDB e citou o presidente Michel Temer. Segundo uma pessoa com acesso ao interrogatório, o doleiro sustentou que Temer, que presidiu o partido de 2001 a 2016, tinha conhecimento de detalhes do financiamento da legenda. Procurada ontem pelo GLOBO, a assessoria do Palácio do Planalto afirmou que “o presidente Michel Temer somente tinha conhecimento de doações legais ao partido”.

Ao longo de quatro horas, o doleiro falou também sobre como funcionavam nomeações a cargos públicos articuladas pelo PMDB e associadas a desvios de recursos. Apontado como aliado do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) em esquemas de corrupção, Funaro está preso há quase um ano. Nas últimas semanas, ele contratou um advogado especialista em delação premiada. Apesar dos contatos com o Ministério Público Federal (MPF), não há informações de que o acordo tenha sido fechado.

Ainda na audiência desta quarta-feira, Funaro negou, no entanto, que ele ou seus familiares tenham recebido recursos da J&F, holding que controla a JBS, para se manter calado. O doleiro atribui o recebimento de recursos dos irmãos Batista, donos da multinacional, a três contratos legais que mantinham com ele para prestação de serviços em operações de mercado.

Segundo o doleiro, a mala com R$ 400 mil em dinheiro vivo recebidos por sua irmã, Roberta Funaro, que chegou a ser presa na Operação Patmos, deflagrada a partir das delações da JBS, também é parte do pagamento por serviços prestados de forma lícita. As investigações, no entanto, apontam que o dinheiro seria para comprar o silêncio de Funaro na cadeia.

DOLEIRO NEGA TER RECEBIDO PROPINA DA JBS

A Procuradoria-Geral da República sustenta, a partir de uma gravação feita por Joesley Batista, que o presidente Temer deu aval para que o empresário continuasse comprando o silêncio de Funaro e de Eduardo Cunha. O presidente contesta a versão. A gravação está sendo periciada pela Polícia Federal.

Assim como Funaro, Eduardo Cunha também negou, em depoimento prestado na quarta-feira em Curitiba, onde está preso, ter recebido dinheiro da JBS para ficar calado. Segundo o advogado Rodrigo Sanchez Ríos, que acompanhou a oitiva do ex-deputado, Cunha afirmou que seu silêncio nunca esteve à venda. Ele foi condenado a 15 anos de prisão pelo juiz Sergio Moro por colaborar no esquema de corrupção da Petrobras.

Funaro é réu na Operação Lava-Jato e está preso desde julho do ano passado. A denúncia sustenta que o doleiro operava um esquema de corrupção que cobrava propina de empresas interessadas em obter empréstimos do FI-FGTS (Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), feudo controlado pelo PMDB.

RESERVA POR DESRESPEITO A ACORDO ANTERIOR

Investigações apontam ainda Funaro como suspeito de ter intermediado um repasse de R$ 4 milhões da Odebrecht para um grupo de políticos do PMDB mais próximos ao presidente Temer. A avaliação é de que uma delação de Funaro pode complicar a defesa de Temer, que passou à condição de investigado por autorização do Supremo Tribunal Federal.

Uma eventual delação de Funaro, porém, é avaliada com cuidado pelos procuradores. Investigado no processo do mensalão, o doleiro fechou colaboração com o Ministério Público Federal e acabou se livrando de punições. Mas quebrou um dos termos do acordo, que era não voltar a praticar crime doloso.

O entorno do presidente Michel Temer também receia que Cunha resolva fazer delação e possa implicar o presidente. Segundo interlocutores do exdeputado, no entanto, Cunha ainda avalia os próximos passos e não pretende tomar decisão enquanto não tiver acesso à íntegra dos documentos do inquérito aberto a partir da delação da JBS. Ele teme que sua situação se complique.

Eduardo Cunha pode ser implicado numa eventual delação de Lúcio Bolonha Funaro. No mesmo depoimento que negou ter o silêncio comprado, o ex-deputado foi interpelado com 47 das 82 perguntas formuladas pela PF ao presidente Temer no inquérito que investiga se ele cometeu crime de corrupção, obstrução à Justiça e organização criminosa.

O ex-deputado peemedebista respondeu 23 questionamentos, segundo o advogado, que não estavam relacionados ao processo sobre cobrança de propina para facilitar empréstimos do FGTS. Isso porque, em relação a esse tema específico, conforme a defesa, é mais fácil responder nos autos. O presidente Temer se negou a responder as perguntas da Polícia Federal.

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FH afirma que presidente perdeu legitimidade

Silvia Amorim

16/06/2017

 

 

Mudança de tom de líder tucano ocorre após PSDB manter apoio ao Planalto

-SÃO PAULO- Três dias depois do desgaste sofrido pelo PSDB ao decidir manter o apoio ao governo Temer, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso defendeu ontem que seria um “gesto de grandeza” do presidente pedir a antecipação de eleições gerais. Num texto encaminhado ao GLOBO, FH começa dizendo que sua percepção sobre a situação política do Brasil tem sofrido “abalos fortes”. Para ele, falta “legitimidade” a Temer para governar, e o país vive um tipo de “anomia”. Diante desse cenário, o ex-presidente diz ter mudado de opinião de que seria um golpe a convocação de eleições antes do término do mandato de Temer, em 2018.

“A ordem vigente é legal e constitucional (daí ter mencionado como ‘golpe’ uma antecipação eleitoral) mas não havendo aceitação generalizada de sua validade, ou há um gesto de grandeza por parte de quem legalmente detém o poder pedindo antecipação de eleições gerais, ou o poder se erode de tal forma que as ruas pedirão a ruptura da regra vigente exigindo antecipação do voto”, escreveu o tucano na nota.

A tese de eleições antecipadas é bandeira dos partidos de esquerda, liderados pelo PT. Essa possibilidade não havia encontrado eco no PSDB até então. O próprio FH dizia que se trataria de golpe se implementada.

“A conjuntura política do Brasil tem sofrido abalos fortes e minha percepção também. Se eu me pusesse na posição de presidente e olhasse em volta reconheceria que estamos vivendo uma quase anomia. Falta o que os políticólogos chamam de ‘legitimidade’”, afirmou.

O novo posicionamento do expresidente surge na semana em que o PSDB teve um aprofundamento do seu desgaste político com a decisão de continuar no governo Temer, apesar de parte do partido pressionar pelo desembarque. A medida expôs um racha na legenda. O ex-ministro de FH Miguel Reale Junior, autor o pedido de impeachment de Dilma Rousseff, anunciou sua desfiliação, acusando o PSDB de estar se “peemedebizando”.

Para que haja eleições antecipadas, é preciso alterar a Constituição por meio da aprovação de uma proposta de emenda constitucional no Congresso. Ao GLOBO, FH disse na tarde de ontem, depois de enviar a nota, que nem mesmo sabe se Temer conseguiria manter-se no poder até a aprovação de uma PEC.

— A volatilidade da conjuntura política é de tal ordem que qualquer prognóstico se torna precário. Vivemos, como diria o dr. Ulysses (Guimarães), sob os impulsos de sua excelência O Fato — afirmou o ex-presidente.

O tucano também defendeu que uma eventual antecipação das eleições gerais de 2018 seja precedida de mudanças na legislação eleitoral. Mas não mencionou qual seriam elas.

— Novas eleições requerem emenda constitucional que, a meu ver, deveria ser antecedida por mudanças na legislação eleitoral. Portanto, tudo ocorreria mais facilmente com a anuência do presidente.

FH diz na nota que os partidos precisam pensar no país e não em interesses partidários neste momento. Entretanto, ele evita se posicionar de forma clara sobre que atitude deveria tomar o PSDB imediatamente. “Se tudo continuar como está com a desconstrução contínua da autoridade, pior ainda se houver tentativas de embaraçar as investigações em curso, não vejo mais como o PSDB possa continuar no governo”.

Duas razões levaram o PSDB a permanecer no governo: evitar que o PMDB apoie uma cassação de Aécio Neves e o risco de que, numa queda de Temer, o deputado Rodrigo Maia assuma a Presidência.

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Chefe de gabinete em SP atuou em obra para sogra de Temer

16/06/2017

 

 

Arlon Vieira é amigo do presidente e participou de reunião anteontem à noite, em São Paulo

-BRASÍLIA- Tesoureiro do PMDB de São Paulo e chefe de gabinete da Presidência da República na capital paulista, Arlon Viana admitiu ontem, ao Jornal Nacional, que selecionou profissionais para trabalhar em uma reforma na casa de Norma Tedesco, sogra de Michel Temer. Viana esteve com Temer e com a filha do presidente, Maristela, anteontem à noite, em São Paulo, encontro que também contou com a presença do ministro Moreira Franco.

Os serviços na casa de Norma ocorreram em 2014. À época, Arlon Vianna era assessor da Vice-Presidência. Arlon foi o responsável pela indicação de profissionais para a pintura, limpeza e reparos no imóvel alugado. O Planalto confirmou que ele somente indicou profissionais para “pequenos reparos”.

À TV GLOBO, Arlon disse, inicialmente, que “nunca se envolveu” na reforma.

— Estou te dizendo, de coração, que não me envolvo nessas coisas. De jeito nenhum. Eu trabalho com doutor Michel há 17 anos, tenho relação muito legal.

Informado, então, de que o próprio Planalto havia confirmado que ele indicara profissionais para a reforma, Arlon Vianna atualizou a resposta: “Não indiquei empresa. Indiquei, se não me falha a memória, um pintor. Que nem sei aonde está. Estou até procurando ele para ele esclarecer. Um pintor, um pedreiro, uma coisa assim. Parou aí. Nem me recordo direito. Pintor ou pedreiro. É a mesma pessoa. Se você vai fazer uma reforminha, tapar buraco, uma pessoa só. Foi até junto com o pai dele”.

Sobre quanto custou a reforma, a assessoria de Temer disse que está levantando informações. Arlon não soube informar.

Auxiliares do presidente afirmam que Temer pagou a reforma. Perguntado se Arlon fez pagamentos pelos serviços a pedido de Temer, o Planalto disse que, se fez, foi com o dinheiro do presidente. Arlon disse que não fez pagamentos.

Arlon é amigo do ex-coronel João Baptista Lima, responsável pela reforma na casa de outro familiar de Temer, a filha Maristela. “Lima é meu amigo há bastante tempo, posso lhe garantir que tem muita hombridade, pessoa correta”, informou Arlon.

 

O globo, n. 30629, 16/06/2017. País, p. 3