O Estado de São Paulo, n. 45096, 06/04/2017.  Política, p. A12

Bancada critica Renan por ‘batalha pessoal’

Líder do PMDB volta a atacar governo; Temer faz ofensiva com senadores do partido

Por: Julia Lindner

 

Julia Lindner / BRASÍLIA

 

Os ataques do líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL), ao governo do presidente Michel Temer têm provocado desconforto na bancada – a maior da Casa, com 22 integrantes. A avaliação é de que Renan precisa assumir uma postura de liderança, e não transferir problemas pessoais aos correligionários.

Apesar disso, a maioria dos descontentes evita o enfrentamento com o parlamentar, que mantém o prestígio e a influência de quem já foi quatro vezes presidente do Senado. Em jantar anteontem na casa da senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), Renan reuniu mais da metade da bancada e afirmou que o “presidente Michel Temer não tem para onde ir”. O evento foi organizado pelo senador em busca de apoio.

Ontem, Renan repetiu a frase na tribuna do plenário. “Eu fiz uma manifestação a partir da minha percepção e pela convivência que tive com os dois, a Dilma e o Temer. A presidente Dilma sempre me passou a impressão de que não sabia para onde ir. E o presidente Michel Temer, com essa política econômica de arrocho, de juro alto, de aumento de imposto, de recessão, de desemprego, se não mudar, está passando a percepção que não tem para onde ir. Ou seja, a presidente Dilma não sabia para onde ir e o presidente Michel Temer não tem para onde ir com essa política recessiva”, afirmou Renan.

Após o pronunciamento, a senadora Rose de Freitas (PMDB-ES) repreendeu o líder do partido na Casa. “Ele repetiu ao microfone o que disse ontem (anteontem), só que aqui ele é líder da bancada. Perguntei se ele me consultaria para saber se eu também pensava dessa forma”, afirmou a parlamentar.

Rose e outros senadores já haviam “chamado a atenção” de Renan no jantar na casa de Kátia Abreu, lembrando que as questões políticas do peemedebista em Alagoas estavam atrapalhando as escolhas para as comissões e relatorias do Senado.

“Você é nosso líder, não pode trazer os problemas de Alagoas para dentro da bancada”, afirmou a senadora, de acordo com um parlamentar.

Medidas econômicas defendidas pelo governo, como a reforma da Previdência, são o principal alvo das críticas de Renan.

A senadora Simone Tebet (PMDB-MS) disse que, embora ela também tenha ressalvas à proposta, a bancada “não pode esquecer” que é governista.

“Não precisamos ser vaquinhas de presépio e votar tudo sem discutir, tanto que estamos melhorando a reforma da Previdência, mas não podemos fazer a crítica pela crítica, temos de fazer críticas construtivas. O que não podemos apoiar são posições de palanque e de interesses pessoais. Se eu tiver um problema com o governo, com o presidente Michel Temer, eu vou lá e resolvo diretamente com ele.” Para o senador Raimundo Lira (PMDB-PB), as posições de Renan são pessoais e isoladas. “A bancada está fora disso.”

 

Reformas. Ainda durante o jantar de Kátia Abreu, alguns senadores teriam reclamado da pressão feita pelo Planalto pela aprovação da reforma da Previdência. A avaliação é de que a cúpula do governo, o presidente Michel Temer e os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral) não “entendem” a situação dos congressistas porque não “dependem” do voto popular.

“Nenhum deles é candidato a nada e, nas últimas eleições que disputaram, perderam. Agora, querem cobrar dos parlamentares. Estão pedindo o que não vão ganhar”, afirmou um peemedebista que esteve no jantar.

“É terrível o que querem impor ao Congresso. O povo não quer, e os congressistas vivem de voto. Estão propondo suicídio político”, disse o senador Roberto Requião (PMDB-PR).

Já parlamentares petistas presentes ao encontro apoiaram Renan. O senador Lindbergh Farias (RJ) gritou: “Muito bem. É isso aí”. Humberto Costa (PE) disse, em tom de brincadeira, que iria “terceirizar” seu posto para o peemedebista.

 

Jaburu. Em meio às críticas de Renan, Temer tem conversado com senadores de seu partido para tentar garantir apoio às votações no Congresso. Ontem à noite, o presidente recebeu, no Palácio do Jaburu, Rose de Freitas, Garibaldi Alves (RN), João Alberto Souza (MA) e Valdir Raupp (RO). Ainda ontem, almoçou com o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDBRR), e com os senadores Airton Sandoval (PMDB-SP) e Elmano Férrer (PMDB-PI).

 

Agenda. Presidente Michel Temer durante evento no Palácio do Planalto

 

Fora

O PTN, que tem 13 deputados na Câmara e nenhum representante no Senado, anunciou ontem o rompimento com o governo Michel Temer.

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Por que Temer não ‘peita’ Renan?

Por: Vera Magalhães

 

Em uma Presidência marcada por recuos e um certo medo de comprar brigas, Michel Temer assiste calado a uma escalada retórica e intimidatória do ex-presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL). Como em tudo que faz, Renan não prima nessa ofensiva pela sutileza. Sob pretensa preocupação com o teor das reformas, pratica à luz do dia chantagem contra o presidente em busca de mais espaço no governo, diante das evidências de que enfrentará, juntamente com o filho governador, dificuldades nas eleições.

O jogo de Renan é primário e fácil de entender. Mais: não tem o mínimo respaldo na sociedade e tem alcance limitado mesmo no Senado, onde o ex-todo-poderoso agora divide poder e espaço com outros peemedebistas como Eunício Oliveira e Romero Jucá – outra explicação para sua súbita preocupação com os rumos da reforma. O que é difícil de decifrar é o acanhamento de Temer diante de um “aliado” que desafia sua autoridade e lhe coloca a faca no pescoço dia sim, outro também.

Para um presidente impopular, marcar a diferença e estar em campo oposto ao de Renan é rara chance de fazer algum ponto com a sociedade. Além disso, não demorará até que Renan enfrente agruras semelhantes a outro ex-bicho- papão tido como raposa política: Eduardo Cunha. As investigações contra ele na Lava Jato ganharão reforço quando for conhecida a lista do Janot.

É verdade que também Temer e ministros próximos sofrerão desgaste na Lava Jato, mas só isso não justifica a submissão a Renan, ou o receio de explicitar o que está por trás da fúria retórica do peemedebista. A tibieza na resposta a ataques diários ajuda a piorar a imagem de Temer, ao passar a impressão de que ele tem algo a temer caso o correligionário resolva cumprir sua bravata.

Renan é conhecido por acossar aliados quando é contrariado. Foi assim com Collor, Dilma – quando chegou a devolver uma medida provisória – e não seria diferente com Temer. Outro padrão que não muda é uma espécie de temor reverencial dos presidentes a um político que só conserva a aura de sobrevivente porque, para sobreviver, conta paradoxalmente com o beneplácito daqueles a quem intimida. Uma prática que os últimos acontecimentos já deveriam ter banido da vida política brasileira.