Relatório da PF afirma que Temer era beneficiário final de propina

Eduardo Bresciani e André de Souza 

21/06/2017

 

 

Delegado vê prática de corrupção: presidente diz não fazer ‘juízo jurídico’

-BRASÍLIA- A Polícia Federal usou depoimentos, conversas gravadas por delatores, registros da entrega de dinheiro para o ex-assessor Rodrigo Rocha Loures e até um pronunciamento do próprio presidente para sustentar que Michel Temer era o beneficiário final da propina paga pela JBS em troca de decisão do governo que lhe favoreceria. A conclusão do relatório parcial da investigação é que as evidências indicam “com vigor” a prática do crime de corrupção passiva pelo presidente.

O delegado Thiago Machado Delabary afirmou que Temer tinha conhecimento de que estava indicando o ex-assessor Rocha Loures ao dono da JBS, Joesley Batista, para tratar de negócios ilícitos. Ainda mais por ter feito a sugestão do nome depois de ter ouvido Joesley lhe narrar uma série de crimes, como a obstrução à Justiça por meio de “compra” de juízes e promotores. Para o investigador, a forma como Temer fez a indicação derruba a hipótese de que, eventualmente, Rocha Loures tenha agido sozinho.

“Nesse cenário, desenha-se naturalmente, dentre as hipóteses que se oferecem à persecução, a de que Rodrigo Rocha Loures, aproveitando-se de sua conhecida proximidade com a Autoridade Maior da Republica, pudesse ter-se aventurado em empreitada ilícita autônoma. Há, porém, um elemento informativo que enfraquece tal possibilidade: Rodrigo Rocha Loures foi expressamente indicado pelo Exmo. Sr. Presidente da República a Joesley Batista, naquele diálogo inicial” afirmou o delegado, que acrescentou:

“E, registre-se, o estabelecimento dessa via de interlocução ocorreu em momento posterior a Joesley Batista ter mencionado ao Exmo. Sr. Presidente da República que estava ‘segurando’ dois juízes federais e sendo ‘ajudado’ por um procurador da República. Logo, diante da gravidade dos fatos que lhe haviam sido recémnarrados, Sua Excelência já não desconhecia a natureza das ações a que Joesley Batista se propunha. Isso sem levar em consideração que, notoriamente, Joesley Batista estava à frente de um grupo empresarial que se via envolto, cada vez mais, em suspeitas de praticas ilícitas”.

Na Rússia, Temer desconversou sobre o relatório da PF:

— Isso não é uma questão política, é jurídica. E eu não faço juízo jurídico.

A PF ressalta que Temer não negou ter indicado o ex-assessor como interlocutor para Joesley. Destaca um pronunciamento feito por Temer no dia 20 de maio no qual ele afirma que “não há crime, meus amigos, em ouvir reclamações e me livrar do interlocutor indicando outra pessoa para ouvir suas lamúrias”.

Como a perícia sobre o áudio ainda não foi concluída, o delegado solicitou que fosse feita a transcrição do trecho no qual Temer faz a indicação, juntando isso como prova aos autos. Para ele, o debate sobre eventual edição não teria interferência diante de outros elementos que comprovam a acusação.

O relatório destaca que, nas conversas entre Rocha Loures e o executivo da JBS Ricardo Saud, por diversas vezes o ex-assessor sinaliza a necessidade de aprovação de outra pessoa para fazer a transação. Essa pessoa seria Temer. “No contexto em analise, Rodrigo da Rocha Loures foi insistente ao frisar que submeteria aquelas possibilidades operacionais à apreciação de alguém, para que, após a aquiescência, pudesse definir o modo de repasse. Nesse aspecto, as intervenções de Ricardo Saud na conversa, aludindo duas vezes a “presidente” — sem ter sido refutado por Rodrigo — dão azo (motivação) à hipótese de que a pessoa a quem Rodrigo da Rocha Loures faria a consulta seria o Presidente da República, Michel Temer”, afirma o delegado.

SILÊNCIO DE TEMER PESOU

Em outro trecho do relatório, ele destaca ainda que Saud chega a perguntar diretamente se Temer confia em uma das pessoas sugeridas como possível intermediário, e o ex-assessor responde: “muito”.

O delegado ressalta que tanto Temer quanto Rocha Loures tiveram a oportunidade de esclarecer os fatos, mas se negaram a prestar esclarecimentos. “Diante do silêncio do mandatário maior da nação e de seu ex-assessor especial, resultam incólumes as evidências que emanam do conjunto informativo formado nestes autos, a indicar, com vigor, a pratica de corrupção passiva”, afirma.

Após ter recebido a indicação do ex-assessor como interlocutor, Joesley, segundo contou no depoimento divulgado ontem junto com o relatório da Polícia Federal, levou a Rocha Loures o pleito sobre uma disputa no Cade entre uma empresa sua, a térmica EPE, e a Petrobras pelo gás boliviano. Rocha Loures ligou no viva voz, na frente de Joesley, para o presidente interino do Cade, Gilvandro Vasconcelos, relatando o problema e, após o contato, tranquilizou o dono da JBS afirmando que este teria “entendido o recado”. O caso acabou não sendo solucionado no Cade, mas a Petrobras fez um acordo com a EPE.

O pagamento feito a Rocha Loures ocorreu quando a delação já estava em andamento. Agentes da PF filmaram toda a movimentação do ex-assessor e do executivo Ricardo Saud. A PF suspeita que o empresário Ricardo Mesquita, do grupo portuário Rodrimar, participaria do recebimento de recursos, não tendo comparecido junto com Rocha Loures devido a um desencontro. É em relação a ele que o ex-assessor afirma que Temer confia “muito”. Em depoimento, Mesquita negou qualquer envolvimento.

 

O globo, n. 30634, 21/06/2017. País, p. 4