Joesley confirma teor de delação 
Jailton de Carvalho 
17/06/2017
 
 
Em depoimento à PF, empresário foca em Temer e explica laudo sobre áudio com o presidente

-BRASÍLIA- Num depoimento à Polícia Federal ontem pela manhã, o empresário Joesley Batista, um dos donos da JBS, reafirmou o conteúdo das acusações que fez ao presidente Michel Temer e ao ex-assessor Rodrigo Rocha Loures, entre outros, em recente acordo de delação premiada com a Procuradoria-Geral da República. No interrogatório, o empresário relatou casos já descritos na delação e apresentou novos detalhes que podem complicar ainda mais a situação de Temer.

O interrogatório começou por volta das 8 horas e só terminou depois do meiodia. A partir da delação do empresário, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot pediu e o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, autorizou a abertura de inquérito contra o presidente. Temer é investigado por corrupção passiva, organização criminosa e obstrução de justiça. As investigações estão amparadas na colaboração premiada e em ação controlada que se seguiu à delação.

DÚVIDAS SOBRE CONVERSA

Depois de uma conversa gravada com Temer, no Palácio do Jaburu, em 7 de março deste ano, o empresário teria pago propina de R$ 500 mil a Loures em troca de benefícios para a empresa dele. Segundo Ricardo Saud, um dos operadores da propina da JBS, o dinheiro seria para Temer. Pelos cálculos da Polícia Federal, o suposto suborno seria parte de uma propina que, ao longo de 25 anos, seria superior a R$ 600 milhões.

No depoimento de ontem, Batista teria esclarecido dúvidas sobre a conversa com Temer e acrescentado mais informações sobre a relação que mantinha com o presidente e com outros auxiliares mais próximos ao presidente, entre eles o ex-ministro Geddel Vieira Lima. O ex-ministro teria sido o interlocutor de Temer junto a Batista, antes do ex-assessor Rocha Loures ocupar o posto por indicação do presidente.

— O foco do depoimento foi Temer — disse ao GLOBO uma fonte que acompanha o caso de perto.

Batista também foi interrogado sobre o coronel reformado João Baptista Lima, suspeito de receber propina e pagar despesas de familiares do presidente. Em um dos depoimentos da delação premiada, Ricado Saud disse que o coronel teria sido o encarregado de receber R$ 1 milhão que o PT teria repassado para Temer na campanha eleitoral de 2014. O dinheiro, que deveria ser distribuído a candidatos do PMDB, teria sido desviado para fins particulares.

Em documentos apreendidos no escritório do chamado coronel Lima, a Polícia Federal descobriu indícios de que o militar pagou despesas pessoais de Temer e familiares. Entre estes gastos estaria a reforma de uma casa da filha do presidente. A polícia suspeita que o coronel atuava como um operador financeiro de Temer, o que pode levar o militar para o centro das investigações sobre corrupção.

Batista também teria esclarecido alguns aspectos do laudo que apresentou para comprovar a legalidade da gravação da comprometedora conversa que teve com Temer no porão do Jaburu. No início da semana, o empresário encaminhou ao procurador-geral Rodrigo Janot um laudo produzido pela equipe de um ex-agente do FBI sobre a gravação e sobre o gravador usado para registrar a conversa com o presidente.

Segundo pessoas próximas ao empresário, Batista entregou a Janot a íntegra do áudio, sem qualquer modificação. Para estas pessoas, é completamente absurda a tese, levantada pela defesa de Temer, de que a gravação teria sofrido algum tipo de edição. Antes de partir para a contestação da gravação, o próprio presidente confirmou o conteúdo básico da conversa e até elogiou o ex-assessor Rocha Loures.

— A gravação foi entregue na íntegra. Não tem edição. Ele (Joesley Batista) teria que ser um jumento para entregar ao procurador-geral da República uma gravação adulterada. E jumento ele não é — disse uma fonte ligada ao empresário.

Na conversa com Temer, Batista relata suborno a um procurador da República, a manipulação de dois juízes e diz que está pagando mesada ao ex-deputado Eduardo Cunha e ao operador financeiro Lúcio Bolonha Funaro. Demonstra interesse em cargos e decisões estratégicas do governo e pede a Temer para indicar um novo interlocutor. Isto porque, depois de demitido, Geddel estaria fora de jogo. Temer indica o então assessor Rocha Loures.

Batista pergunta se pode conversar tudo com Loures. “Tudo”, responde Temer. A partir daí, começa a derrocada do presidente. Depois da conversa, Loures entra em cena, trata de decisões estratégicas do governo com Batista, é filmado correndo pelas ruas de São Pualo com a mala com R$ 500 mil recebida de Ricardo Saud e, no dia 3 deste mês, é preso por ordem do ministro Edson Fachin.

Para Saud, o dinheiro da mala teria como destinatário Temer. O assessor não teria estofo para, sozinho, negociar e receber propina de tamanha cifra por conta própria. No pedido de prisão do ex-assessor, Janot afirma que Loures é o longa manus, o faz tudo de Temer.

Empresário Joesley Batista contratou ex-agente do FBI para analisar gravação e gravador usado para registrar a conversa com o presidente Michel Temer

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'Virei refém de dois presidiários'

17/06/2017

 

 

Joesley Batista reafirma, que, com anuência de Temer, comprou de silêncio de Cunha e Funaro

Em entrevista à “Época”, Joesley Batista disse que Michel Temer lidera “a maior e mais perigosa organização criminosa” do país. Ele detalhou como era orientado, a mando de Temer, a comprar o silêncio de Eduardo Cunha. O empresário Joesley Batista, dono da JBS e delator na Operação Lava-Jato, afirmou que o presidente Michel Temer lidera “a maior e mais perigosa organização criminosa” do Brasil. A declaração foi dada em entrevista à revista Época, na qual descreve a relação que mantinha com Temer, os pedidos de propina que teriam sido feitos pelo presidente e seu grupo político e as negociações para os pagamentos ao ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha depois de preso.

Joesley descreveu Temer como o líder do grupo político do PMDB que comanda a Câmara dos Deputados. Fariam parte desse grupo os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria de Governo), os ex-ministros Henrique Eduardo Alves, que está preso, e Geddel Vieira Lima; e Cunha.

“Essa é a maior e mais perigosa organização criminosa desse país. Liderada pelo presidente”, declarou Joesley. “O Temer é o chefe da Orcrim da Câmara. Temer, Eduardo, Geddel, Henrique, Padilha e Moreira. É o grupo deles. Quem não está preso está hoje no Planalto”.

`À revista, o dono da JBS afirmou que se aproximou de Temer “em 2009, 2010”, por meio do ex-ministro Wagner Rossi, e desde então manteve uma “relação institucional” com o presidente, a quem via como uma “condição de resolver problemas” de seus negócios.

“Acho que ele me via como um empresário que poderia financiar as campanhas dele — e fazer esquemas que renderiam propina. Toda vida tive total acesso a ele. Ele por vezes me ligava para conversar, me chamava, eu ia lá”, disse o delator.

O primeiro pedido de dinheiro teria sido feito em 2010. Um deles dizia respeito ao pagamento de aluguel de escritório na Praça Pan-Americana, em São Paulo; outro pedido se referia à campanha de Gabriel Chalita à prefeitura paulista em 2012. Temer também teria pedido dinheiro para seu grupo político em 2014. O dono da JBS afirmou que o presidente pediu ainda R$ 300 mil para promover uma campanha na internet para melhorar sua imagem antes do impeachment da expresidente Dilma Rousseff.

“O Temer não tem muita cerimônia para tratar desse assunto. Não é um cara cerimonioso com dinheiro”, declarou.

Joesley relatou também pedidos para pessoas próximas ao presidente, como o advogado e ex-assessor da Presidência José Yunes e o ex-secretário-executivo do Ministério da Agricultura, Milton Ortolon. O dono da JBS afirmou que pagava propina porque dependia da atuação do grupo:

“Eles foram crescendo no FI-FGTS, na Caixa, na Agricultura — todos órgãos onde tínhamos interesses. Eu morria de medo de eles encamparem o Ministério da Agricultura. Eu sabia que o achaque ia ser grande”, contou.

Joesley também narrou repasses para conter uma disputa interna no PDMB.

“O PT mandou dar um dinheiro para os senadores do PMDB. Acho que R$ 35 milhões. O Temer e o Eduardo descobriram e deu uma briga danada. Pediram R$ 15 milhões, o Temer reclamou conosco. Demos o dinheiro. Foi aí que Temer voltou à Presidência do PMDB, da qual ele havia se ausentado. O Eduardo também participou ativamente disso”, disse.

INTERLOCUÇÃO COM DEPUTADO CASSADO

As tratativas de dinheiro, segundo Joesley, obedeciam a uma hierarquia dentro do grupo — primeiro, o empresário tratava de pagamentos com o doleiro Lúcio Funaro; caso não tivesse seu pedido atendido, buscava Eduardo Cunha, que seria subordinado a Temer, a quem recorria por último. Segundo Joesley, Michel Temer “se envolvia somente nos pequenos favores pessoais ou em disputas internas, como a de 2014”.

Joesley confirmou à revista que determinou pagamentos a Cunha e Funaro quando os dois já estavam presos para evitar que eles firmassem acordo de delação premiada. Os repasses teriam recebido anuência de Temer, como o empresário afirmou em sua própria colaboração com a Justiça. A acusação embasa a investigação contra Temer aberta por determinação do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal. Segundo o dono da JBS, ele era procurado por Geddel “de 15 em 15 dias” para saber se “estava cuidando dos dois”.

“Eu informava o presidente por meio do Geddel. E ele sabia que eu estava pagando o Lúcio e o Eduardo. Quando o Geddel caiu, deixei de ter interlocução com o Planalto por um tempo. Até por precaução”, afirmou.

Joesley contou que Cunha e Funaro designaram representantes para receber o dinheiro.

“Virei refém de dois presidiários. Combinei quando já estava claro que eles seriam presos, no ano passado. O Eduardo me pediu R$ 5 milhões. Disse que eu devia a ele. Não devia, mas como ia brigar com ele? Dez dias depois ele foi preso”, afirmou.

O Palácio do Planalto não quis comentar as declarações de Joesley.

“Eu informava o presidente por meio do Geddel. E ele sabia que eu estava pagando o Lúcio e o Eduardo.”

Joesley Batista Empresário e delator

 

O globo, n. 30630, 17/06/2017. País, p. 3