Em um mês, STF pode encerrar 89 mil casos

Rafael Moraes Moura

09/04/2017

 

 

A maior parte dos processos que a corte vai analisar questiona cobrança de tributos

 

 

Em um esforço capitaneado pela ministra Cármen Lúcia, o Supremo Tribunal Federal (STF) vai se debruçar em abril sobre processos de repercussão geral – casos em que a corte analisa o mérito da questão e a decisão tem de ser aplicada depois pelas instâncias inferiores em ações similares. A maior parte desses casos questiona a cobrança de tributos.

Como resultado, só neste mês, o STF poderá decidir sobre 89 mil processos em tramitação em todo o País, desafogando o Poder Judiciário ao analisar matérias que tratam de correção de precatórios, prestação de serviços de saúde, férias de servidores e paralisação de policiais. O governo federal ainda está levantando o impacto desses casos nos cofres públicos.

No dia 19 de abril, por exemplo, está previsto o julgamento de dois processos que tratam das regras de correção monetária e remuneração dos precatórios (pagamento de valores devidos após condenação judicial definitiva) e das dívidas da União – só nesses dois casos, a decisão do STF vai servir para outros 80,3 mil processos parecidos que tramitam em outros tribunais.

No mesmo dia, o STF deverá decidir se estrangeiro residente no Brasil que vive em condição de pobreza tem direito a benefício assistencial de um salário mínimo – há 498 processos similares atualmente sobrestados, à espera desse julgamento.

Para a ministra-chefe da Advocacia-Geral da União, Grace Mendonça, a priorização de temas de repercussão geral é uma estratégia “muito positiva” de Cármen Lúcia à frente da Presidência do STF, “porque tem por finalidade precípua justamente desafogar os tribunais de Justiça”.

“O Supremo Tribunal Federal pautando e pacificando é importante não somente para o Judiciário, mas para toda a sociedade. Dá a palavra final, trazendo para nós uma consolidação a respeito do posicionamento do STF em relação a temas sensíveis”, disse Grace ao Estado.

Entre os assuntos delicados que virão a julgamento no plenário do STF está a exigência legal de ressarcimento ao Sistema Único de Saúde (SUS) pelos custos com o atendimento de pacientes beneficiários de planos privados. Marcado para o próximo dia 20, o julgamento vai ter impacto em 1.214 processos similares em tramitação em todo o País.

Ao reconhecer a repercussão geral do tema, o relator do processo, ministro Gilmar Mendes, alegou entender “a relevância social, econômica e jurídica da matéria, uma vez que a solução a ser definida por este tribunal balizará não apenas este recurso específico, mas todos os processos em que se discute o ressarcimento ao SUS”.

No dia 26, o STF decidirá se servidor público em atividade tem direito a converter em dinheiro férias que não foram gozadas por interesse da administração – há 2.536 processos sobre o tema no País que serão afetados pela decisão nesse caso.

Greve. O STF também determinou que a Petrobrás tem de pagar o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) de uma área portuária da qual é arrendatária no município de Santos, em São Paulo. A decisão afastou a imunidade tributária para cobrança de imposto municipal de terreno público cedido a empresa privada ou de economia mista. Isso ajudará a definir mais 213 processos similares.

O entendimento dos ministros da Corte foi o de que a imunidade recíproca entre entes federativos, prevista na Constituição, não inclui imóveis públicos ocupados por empresas que exerçam atividade econômica com fins lucrativos.

 

 

PARA LEMBRAR

STF proíbe greve de policiais

Na quarta-feira, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) determinaram que carreiras policiais de todo o País não têm direito a greve. Por maioria de votos, em julgamento de recurso do Sindicato dos Policiais Civis de Goiás, os ministros rejeitaram a possibilidade de os agentes cruzarem os braços. Durante o julgamento, os ministros lembraram os episódios ocorridos no início deste ano no Espírito Santo. O julgamento cuidaria especificamente do recurso dos policiais civis de Goiás, mas a Corte máxima incluiu na vedação todas as outras corporações. Apesar do grande impacto social, apenas cinco processos foram diretamente afetados por essa decisão.

 

 

3 perguntas para...

 

Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF)

 

1. Como surgiu a ideia de priorizar os casos de repercussão geral na pauta do Supremo?

Foi um pedido que me veio especialmente dos presidentes de tribunais de Justiça e dos tribunais regionais federais, na primeira semana depois da posse (Cármen Lúcia assumiu a presidência do STF em setembro do ano passado). Porque aí a gente consegue saber que resposta estamos dando aos tribunais para eu também poder cobrar deles: “Ora, foi julgado tal processo, o que você tem disso aí, julgue e dê baixa imediata, aplicando o que resolvemos”. Então, você tem uma escala inteira de solução de litígios.

 

2. Por que há esse predomínio de temas de natureza tributária nos processos?

Isso se deve à circunstância de que a maior parte dos casos em repercussão geral são tributários. De 640 casos de submissão ao sistema de repercussão geral, 340 foram solucionados. Dos 300 restantes, havia 84 processos liberados para a pauta, desses 84 eu então retirei um número de processos com maior efeito, para tentar solucionar.

 

3. E isso não ajuda apenas o Supremo Tribunal Federal.

Desafoga o Judiciário. Porque aí temos todos nós atuando, o Supremo, o tribunal competente e o cidadão lá embaixo que recebeu a decisão. Isso não tem jeito de voltar. Primeiro, a orientação judicial é uma só. Segundo, é o mesmo tempo. Terceiro, esse tipo de matéria não volta, porque não há recurso contra a decisão tomada em repercussão geral, então você previne uma litigiosidade que estaria potencialmente pronta para entrar. A sociedade vai saber o que o Judiciário resolveu sobre tal tema.

 

 

O Estado de São Paulo, n. 45099, 09/04/2017. Economia, p. B9.